Despedimentos, salários em atraso e falta de subsídios marcam o dia-a-dia de rádios privadas angolanas como a Despertar e a Ecclésia. Sindicato dos Jornalistas apela à resolução dos problemas.
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Os salários em atraso são um dos grandes problemas da rádio Despertar, afecta à UNITA, o maior partido da oposição. Há uma semana, os trabalhadores entregaram um caderno reivindicativo à entidade patronal.
No documento constam pontos como dois meses de salário em atraso, falta de inscrição na caixa de segurança social, falta de transportes para reportagens e o não pagamento de muitos subsídios.
"É uma vergonha ver um trabalhador de uma rádio com aquela dimensão andar de candongueiro, mendigar o táxi. Muitas vezes são os ouvintes que dão aos profissionais o dinheiro para o transporte de casa para o serviço ou do serviço para casa", revela Pedro Morta, do núcleo sindical da Rádio Despertar.
Estes trabalhadores, acrescenta "são um exemplo para a sociedade e não podem passar por esse vexame".
"Nós não pagamos Imposto de Rendimento de Trabalho (IRT), não somos descontados para a caixa de segurança social”, conclui.
O Conselho da Administração da Rádio Despertar diz estar a estudar o caderno reivindicativo e deverá respondernos próximos dias. Quanto aos salários em atraso, o Presidente do Conselho de Administração do órgão, Monteiro Kawewe, não garante quando serão pagos e acusa o banco de dificultar o processo de pagamento.
O Sindicato dos Jornalistas Angolanos está a par da situação, diz o presidente Teixeira Cândido: "Há colegas que se deslocam em missão de serviço fora das localidades e não levam consigo as ajudas de custo. Nós estamos solidários com os colegas e a acompanhar todo o processo. Se for necessário, vamos estar presentes no processo de negociação, se a direção da rádio assim entender".
Emissora católica em dificuldades
A Rádio Ecclésia – Emissora Católica de Angola – também está a braços com uma crise. Para além dos despedimentos, os jornalistas não recebem salários há mais de seis meses. Recentemente, a Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé (CEAST), prometeu liquidar a totalidade da dívida.
Contactado pela DW África, o director da "rádio de confiança", padre Maurício Camuto garantiu que os salários já começaram a ser pagos.
Teixeira Cândido pede à CEAST a resolução urgente do problema. "Só estarão essa altura a receber o salário de Março", explica o presidente do sindicato, considerando que "a igreja nunca devia permitir que a situação chegasse a esse ponto".
Rádios privadas em crise em Angola
"Compreendemos as dificuldades que a rádio vai vivendo, mas pode encontrar outras formas para poder resolver esse problema. Não faz sentido deixar trabalhadores com seis e sete meses sem salários. Muitos deles são pais, têm de pagar as escolas dos filhos e não sei como estão a fazer. Muitos não têm transporte próprio e têm de usar táxi", lamenta o sindicalista.
Sem rádios comunitárias
Muitas destas rádios abordam temas das comunidades, um papel que seria desempenhado pelas rádios comunitárias, entretanto, inexistentes nos mais de 160 municípios que compõem o país. A lei de imprensa não prevê a sua criação. Alexandre Neto Solombe do MISA-Angola diz que falta "vontade política".
"Mais do que aprovar uma legislação, tem de haver vontade política porque lá onde a lei eventualmente estiver a falhar, a vontade política funciona como uma espécie de ligamento e removem quaisquer obstáculos que se apresentem no caminho da concretização desta legislação que é um conjunto de previsões como é qualquer parte do mundo. Sem vontade política, podemos aprovar novas leis, podemos rever novas leis, mas elas nunca serão materializadas", considera.
Segundo o jornalista, os futuros candidatos às autarquias deverão enfrentar dificuldades para fazer passar a sua mensagem durante a campanha eleitoral por falta dos meios de informação local.
"Os futuros autarcas passam a ter mais dificuldades em fazer-se ouvir junto do público visado. Portanto, é um contrasenso pretender aprofundar a democracia pela instituição das autarquias sem a devida normalização legislativa que dê abertura ao nascimento de rádios comunitárias".
Cinemas únicos em Angola
São obras únicas vistas pela lente do fotógrafo angolano Walter Fernandes - cinemas e cine-esplanadas desconhecidos de muitos. As fotos foram reunidas em livro e estão em exposição em Lisboa, a partir desta semana.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
"Uma ficção da liberdade"
O Cine Estúdio do Namibe inspira-se nas obras do arquiteto Oscar Niemeyer. É um dos edifícios únicos de Angola destacados no livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade" e fotografados por Walter Fernandes. Esta é uma das imagens em exposição no Goethe-Institut de Lisboa que revelam uma arquitetura desconhecida por muitos de cinemas construídos antes do fim do domínio colonial português.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Património mal preservado
O Cine Tômbwa, também no Namibe, obedece a uma lógica de salas fechadas, mas já apresentava algumas linhas mais modernas. Segundo o fotógrafo Walter Fernandes, o edifício foi construído com materiais "sui generis". Mas o património herdado está muito mal preservado, lamenta o angolano.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Moçâmedes: A pérola do Namibe
No Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes) nota-se bastante a influência da arquitetura do regime ditatorial português, o Estado Novo. Este é considerado um dos cinemas angolanos mais antigos e também aparece no livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade", apadrinhado pelo Goethe-Institut em Luanda e pela editora alemã Steidl.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Conceito futurista
O arquiteto Botelho Pereira não só desenhou o Cine Estúdio do Namibe, como também o Cine Impala. Botelho Pereira inspirou-se no movimento deste antílope e planeou espaços abertos e arejados, de forma futurista. O livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade" também destaca estas cine-esplanadas, que ganharam popularidade a partir de 1960 por se adaptarem mais ao clima tropical do país.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Cinema-esplanada para as elites
Este é um dos cinemas preferidos de Miguel Hurst, um dos editores do livro "Angola Cinemas". Foi aqui, no Cine Kalunga, em Benguela, que se pensou em fazer a obra. Cine-esplanadas como esta adequavam-se mais ao clima, mas serviam também um propósito do regime português - criar locais de convívio entre as populações locais e os colonos. A elite branca e a pequena burguesia negra vinham aqui.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
A "grande sala"
A "grande sala" de Benguela era o Monumental - pelo menos, ganhou essa reputação. Os colonizadores portugueses construíram o Cine-Teatro nesta cidade costeira pois evitavam o interior do país - normalmente, as companhias portuguesas só atuavam nas grandes cidades da costa angolana.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Imperium: "Art decó" em Benguela
Aqui, são imediatamente visíveis traços da passagem da "art decó" (um estilo artístico de caráter decorativo que se popularizou na Europa nos anos 20) para o modernismo. O interior do Cine Imperium, fotografado por Walter Fernandes, representa bem essa mistura estética, com os cubos, retas, círculos e janelas. Benguela tinha várias salas, porque era das províncias mais populosas de Angola.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
O arquiteto que pensava as cidades
Este é o interior do Cine Flamingo: mais uma pérola da província de Benguela. A parte de trás é uma esplanada. Sentado, o espetador está em contacto com a natureza, mas não está exposto. Até hoje, a estrutura mantém-se, mas o espaço está um pouco vandalizado. Miguel Hurst sublinha a importância de manter obras como esta do arquiteto Francisco Castro Rodrigues, um homem que pensava cidades.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Primeiro cine-teatro de Angola
"O Nacional" Cine-Teatro foi a primeira sala construída em Luanda, no início do Estado Novo, nos anos 40. Esta é uma das imagens patentes na exposição no Goethe-Institut em Lisboa. A mostra pretende ser "um testemunho do modo como estes edifícios constituíam um enquadramento elegante que sublinhava uma simples ida ao cinema, promovendo assim a reflexão sobre esta herança sociocultural e afetiva."
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Memória para gerações futuras
Os irmãos Castilho são os principais responsáveis pela introdução das cine-esplanadas em Angola. A primeira da sua autoria foi o Miramar, encostado a uma ribanceira virada para o mar em Luanda. Depois surgiu o Atlântico, na foto. Para os autores do livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade", este é um documento de memória que pode ser útil para as futuras gerações.