No terceiro dia de julgamento, o portador do projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE) de Moçambique revelou bastidores das negociações com o ex-PR Armando Guebuza e o então ministro da Defesa Filipe Nyusi.
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No início da noite desta quarta-feira (25.08), o Tribunal de Maputo ouviu o réu Teófilo Nhangumele no processo das dívidas ocultas. Nhangumele explicou que, mesmo não sendo funcionário do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE), acabou por liderar o projeto de proteção da ZEE na qualidade de consultor independente. O projeto resultou no maior escândalo de corrupção de Moçambique.
O réu contou que chegou a ter contatos com o antigo chefe de Estado Armando Guebuza e o ex-ministro da Defesa e atual Presidente Filipe Nyusi para explicar-lhes sobre o projeto, que precisava de meios aéreos, barcos, entre outros equipamentos, para conter a pesca ilegal e outros desmandos na costa.
Segundo Nhangumele, tanto Guebuza como Nyusi apreciaram "bem" o projeto e aprovaram-no. "O Presidente Nyusi [na altura ministro da Defesa]: eu estou a pedir que nós possamos avançar com isto, porque estava com um decision maker, ministro da Defesa... nós estamos a pedir para avançar com este projeto. E o Presidente Guebuza disse: 'se vocês estão satisfeitos, podemos avançar'", relatou.
Nhangumele contou ainda no tribunal que o financiador do projeto era o Credit Swiss, indicado pelo libanês Jean Boustani. Avançou também que o potencial fornecedor dos equipamentos de segurança era a Privinvest do mesmo empresário libanês. "Fizemos as premissas, já tínhamos dados de captação de receitas, fizemos a apresentação, demonstramos os resultados, tínhamos grandes custos operacionais, fizemos as projeções todas e apresentamos", esclareceu.
Custos do projeto de segurança da ZEE
No total, o projeto de proteção da ZEE de Moçambique devia custar 302 milhões de dólares, mas o valor foi subindo, segundo disse Nhangumele, à medida que ia apresentar o projeto ao Governo, até chegar aos 360 milhões de dólares.
Tratava-se de receber os equipamentos de segurança da Privinvest. E segundo Nhangumele, a condição era a reabilitação pelo Governo da base naval para poder acomodar os equipamentos.
Esta reabilitação custaria aos cofres do estado 20 milhões de dólares como havia calculado o ministro das Finanças na altura dos factos, em 2012, Manuel Chang, atualmente detido na África do Sul. "O ministro disse: 'Era melhor incluir isso no projeto para não ter que voltar a solicitar ao orçamento do Estado, porque vamos ter que esperar para o próximo orçamento. Então, correm o risco de receber os equipamentos enquanto vocês ainda não têm orçamento para reabilitação das infraestruturas, então incluam tudo no projeto'", recordou o consultor ao tribunal.
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Transparência no tribunal
Nesta quarta-feira, os mandatários de alguns réus no processo das dívidas ocultas pediram ao Tribunal de Maputo a retirada da sala de audiências dos jornalistas e do público, alegadamente porque os seus constituintes têm declarações que não podem ser públicas por eles serem do SISE.
No entanto, o juiz Efigênio Baptista referiu que não há nenhum fundamento para impedir a imprensa e o público de assistir ao julgamento, pois trata-se de um assunto em que o Estado foi lesado em milhões de dólares.
"Colocou em causa o bem-estar de milhares de moçambicanos e eles têm o direito de assistir a esse julgamento e para evitar também especulações", argumentou o juiz, acrescentando: "Se fecharmos a sala, vamos dar espaço a muita especulação, cada um vai dizer o que quer e a especulação não é importante em direito, o que é importante é que os direitos são de igual valoração normativa constitucional".
O juiz reconheceu que os réus, neste caso, têm direito a bom nome e imagem, mas nada pode estar acima dos interesses do estado. "Os crimes de que são acusados.... Peculato, que significa apropriar-se do dinheiro do Estado, significa pôr em causa os interesses do Estado. Quando alguém é acusado de peculato, de subtrair o dinheiro do Estado, significa que não estava a fazer coisas dos interesses do Estado. Não pode afirmar que porque sou da SISE não posso ir a cadeia porque estava a praticar interesses do Estado, não", defendeu o magistrado.
O julgamento das dívidas ocultas, que começou na segunda-feira (23.08), prossegue esta quinta-feira (26.08) com a continuação da audição de Teófilo Nhangumele.
Na terça-feira (24.08), segundo dia da audiência, o réu Cipriano Mutota, que à data dos factos, em 2011, era diretor de Estudos e Planificação no Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE), confirmou quase todas as acusações do Ministério Público (MP).
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.