Moçambique: Raúl Domingos já é conselheiro de Estado
António Cascais
9 de abril de 2021
Raúl Domingos, sucessor de Simango no Conselho de Estado, promete empenhar-se pela paz no país. Diz que é preciso encontrar formas para que diálogo com a Junta Militar possa fluir. E em Cabo Delgado "há muito que fazer".
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Raúl Domingos tomou posse esta sexta-feira (09.04) como conselheiro de Estado. O antigo negociador-chefe da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) nas conversações para o Acordo Geral de Paz substitui no cargo Daviz Simango, líder do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), falecido a 22 de fevereiro, vítima de doença.
Em entrevista à DW África, o ex-número dois da RENAMO e atual líder do Partido para Paz, Democracia e Desenvolvimento (PDD), que o próprio fundou, mostra-se contente com a sua tomada de posse e promete empenhar-se em prol da paz e do desenvolvimento do seu país.
DW África: Quais as prioridades nesse novo e alto cargo que acaba de ocupar?
Raúl Domingos (RD): O que posso dizer neste momento é que é uma honra e um privilégio poder servir o Estado moçambicano na qualidade de conselheiro de Estado e nesta condição vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar quer o Presidente da República quer o país como um todo a chegar a bom porto.
DW África: Senhor conselheiro de Estado, acha que Moçambique deve mudar de postura quanto à sua relação com a autodenominada "Junta Militar" de Mariano Nhongo?
RD: Penso que a postura que tem mantido, que é a de abertura para o diálogo, deve manter-se. Devemos encontrar formas que possam garantir a confiança das partes para permitir que o diálogo possa fluir e chegar a um entendimento que traga Moçambique a uma paz efetiva.
DW África: Quer o diálogo direto, digamos um encontro de alto nível com Mariano Nhongo?
RD: Não digo que haja diálogo, porque ainda não existe esse diálogo. O que existe é uma abertura nesse sentido, porque o chefe de Estado já manifestou esse interesse. Portanto, sei que há uma abertura nesse sentido. É preciso é que haja uma plataforma que permita que esse diálogo exista na prática. Uma coisa é a vontade política de estabelecer o diálogo. Outra coisa é o próprio diálogo, que quer uma plataforma que o permita fluir.
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DW África: E qual será a sua postura na qualidade de conselheiro de Estado quanto à resolução do conflito de Cabo Delgado?
RD: É preciso, em primeiro lugar, conhecer as motivações, saber o que é que está por detrás do conflito para poder aconselhar.
DW África: Mas acha que o Estado moçambicano tem feito até agora o necessário para resolver esse conflito?
RD: Não diria o necessário, porque se fizesse o necessário o conflito estaria resolvido. Há muito que fazer. Tem feito aquilo que pode fazer. A minha participação é mais um contributo. Espero que dê o necessário contributo para conseguir aquilo que todos nós desejamos, que é uma paz efetiva, uma paz duradoura.
DW África: E, na sua opinião, a entrada de militares estrangeiros seria uma boa ideia? Contribuiria para a resolução do conflito ou possivelmente agravaria ainda mais o problema?
RD: É preciso saber que tipo de contribuição precisamos de militares estrangeiros. Temos de conhecer a nossa capacidade para ver em que medida precisamos de apoio.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?