O ativista angolano foi recebido, esta quarta-feira (09.02), em Washington, pela sub-secretária de Estado para os Assuntos Africanos e pelo adjunto do sub-secretário de Estado para os Direitos Humanos e Democracia.
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O Governo norte-americano acompanha com bastante atenção os passos para a anunciada retirada do Presidente José Eduardo dos Santos da cena política, depois de mais de 30 anos de liderança dos destinos de Angola.
Washington não vai interferir no processo eleitoral angolano, mas quer perceber qual será o perfil do sucessor do líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no poder.
"Depois de 38 anos, qualquer mudança sempre levanta muitas questões sobre qual será o perfil do sucessor e sobre como ele se estabelecerá na arena internacional e como promoverá as relações com certos países. Há essa preocupação" por parte de Washington, afirmou o ativista angolano Rafael Marques, depois do encontro com Linda Thomas-Greenfield, ainda sub-secretária de Estado norte-americana para os Assuntos Africanos.
Para o jornalista, a responsabilidade na escolha dos futuros dirigentes cabe ao povo angolano. Marques entende que o processo de verificação e fiscalização do ato eleitoral, no sentido de garantir que as eleições corram com normalidade, dependerá muito da capacidade de mobilização dos angolanos.
"Enquanto não houver essa capacidade de mobilização, para além dos partidos políticos, nós teremos sempre as eleições que o poder determinar. E isso não tem nada a ver com o que os Estados Unidos ou qualquer outro país possa fazer. Depende sempre e em última instância da capacidade dos angolanos assumirem a responsabilidade pelo destino do seu país", sublinha o ativista.
Mudanças nas relações com Angola na administração Trump?
Há 20 anos que Rafael Marques visita Departamento de Estado norte-americano, onde é "sempre muito bem recebido", revela. "Venho apenas partilhar pontos de vista enquanto ator da sociedade civil em Angola", esclarece.
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Com a nova administração de Donald Trump, Angola continuará a ser um "parceiro importante" para os Estados Unidos, defende Rafael Marques. "Eu penso que manterá essa importância, essa atenção. Agora caberá aos angolanos saber o que é que realmente querem e como podem aproveitar o desenvolvimento dos Estados Unidos, assim como de outros países, para melhor servirem Angola", defende Rafael Marques.
Durante o encontro com a nova administração, Marques notou "esta preocupação, esta sensibilidade em continuar a ouvir sobre os direitos humanos em Angola e a liberdade de imprensa".
Violações em Angola
O encontro com Randy Berry, adjunto do sub-secretário de Estado para os Direitos Humanos e Democracia, permitiu passar em revista a situação atual em Angola no que toca ao respeito pelos direitos fundamentais, abrangendo a liberdade de imprensa e de expressão, à luz da previsível era após José Eduardo dos Santos.
O ativista Rafael Marques não tem dúvidas que "a violação dos Direitos Humanos em Angola é uma questão que tem de ser resolvida pelos angolanos". No entanto, lembra que "há questões que acontecem em Angola que violam o direito internacional, as quais merecem a atenção da comunidade internacional, porque Angola subscreveu vários tratados, várias convenções internacionais sobre os direitos humanos".
No encontro com Randy Berry, adjunto do sub-secretário de Estado para os Direitos Humanos e Democracia, Rafael Marques citou vários exemplos, entre eles "as execuções extrajudiciais, os fuzilamentos que têm estado a ocorrer, com maior frequência sobretudo em municípios como o de Cacuaco, em Luanda, de jovens entre os 16 e os 25 anos suspeitos de serem delinquentes".
Segundo o ativista angolano, só na semana passada foram executadas mais oito pessoas em Cacuaco, junto ao Estádio 11 de novembro, em Luanda. No último ano, Rafael Marques diz ter contado mais de 100 casos.
"Mesmo que tais indivíduos tenham sido provados como delinquentes, a Constituição angolana proíbe a pena de morte", afirma o jornalista e ativista, que condena a forma brutal como alegadamente têm sido executados.
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.