Rafael Marques pede anulação da designação de juiz angolano
Lusa
5 de setembro de 2023
Ativista e jornalista angolano interpôs ação popular administrativa junto do Tribunal Supremo pedindo a nulidade da designação de Carlos Cavuquila como juiz conselheiro do órgão por "falta de idoneidade moral e cívica".
Publicidade
O ativista e jornalista angolano Rafael Marques argumenta, na ação popular administrativa a que a agência Lusa teve acesso, que a nomeaçãoe tomada de posse de Carlos Cavuquila violam princípios constitucionais e o Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Carlos Cavuquila, condenado pelo Tribunal de Contas (TdC) angolano a devolver 29 milhões de kwanzas (cerca de 32.500 euros) ao Estado angolano, num processo cuja execução se encontra pendente no Tribunal Provincial de Luanda, foi designado em 16 de junho passado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) para a de vaga de juiz conselheiro do Tribunal Supremo (TS).
Corre igualmente na 2.ª Câmara do TdC um outro processo que responsabiliza Carlos Cavuquila, empossado no cargo pelo Presidente angolano, João Lourenço, em 19 de junho passado, pelo desvio de 1,519 mil milhões de kwanzas (1,6 milhões de euros), indicando que o arguido deve devolver as verbas ao Estado e enfrentar processos sancionatórios, como recorda Rafael Marques.
Publicidade
Incumprimento de requisitos
O jornalista, diretor do site Maka Angola, sublinha que o Estatuto dos Magistrados Judiciais é claro quando determina que é requisito para o ingresso à Magistratura Judicial a "idoneidade moral e cívica", referindo que diante dos factos Carlos Cavuquila "não passa no teste de idoneidade cívica e moral".
"Não se diga que Carlos Cavuquila não foi condenado por nenhum tribunal criminal e que só nesse caso estaria impedido de assumir funções. Não é isso que o Estatuto dos Magistrados Judiciais determina. A exclusão determinada pelo estatuto é mais ampla", refere-se na ação popular, em que é representado pelo advogado José Luís Domingos.
Segundo o documento, o magistrado "condenado por usar mal os fundos públicos descredibiliza a magistratura, num tempo em que o combate à corrupção foi erguido a política de Estado, e bem".
O CSMJ "violou a lei ao nomear alguém que não tem a idoneidade moral e cívica exigida pelo artigo 40.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Teria sido pré-requisito da designação do conselho aferir este item", realça Rafael Marques.
Poder vinculativo do Presidente
O Presidente da República, observa o ativista angolano, além de deter o poder discricionário de nomear ou não nomear a pessoa indicada pelo conselho, "tem também, e acima de tudo, nos termos do artigo 180.ª da Constituição, de assegurar o cumprimento das leis. Foi isso que não fez".
"Antes de tomar a decisão política de seguir ou não a indicação do CSMJ - uma decisão que o Presidente da República é livre de tomar, repete-se - o mesmo Presidente da República deve aferir da legalidade das propostas que lhe apresentam, e nesse ponto que o seu poder é vinculado. Deve afastar nomeações feridas de ilegalidade", defende.
Considera mesmo que o Presidente da República "manteve a ilegalidade precedente" do CSMJ por "não ter aferido a legalidade" do ato.
Nomeação contestada
A ação popular administrativa de Rafael Marques surge na sequência do subscritor ter entregado, em 10 de julho passado, uma participação legal ao Procurador-Geral da República com vista à tomada de medidas jurídicas referentes à nomeação de Carlos Cavuquila, participação que "até à data não obteve qualquer reação".
O Tribunal Constitucional angolano indeferiu recentemente, através do acórdão nº843/2023, um requerimento judicial da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) que apontava "ilicitudes" da nomeação do referido juiz e a consequente anulação do ato.
A corte do Tribunal Constitucional fundamentou o indeferimento da pretensão da OAA devido à "inexistência de processo ordinário prévio".
A nomeação e posse de Carlos Cavuquila, que já foi diretor nacional dos Registos e Notariado e administrador municipal de Cacuaco (Luanda), tem sido contestada em vários círculos da sociedade civil e políticos angolanos.
Mural da Cidadania imortaliza defensores dos direitos humanos em Angola
O Mural da Cidadania presta homenagem a defensores dos direitos humanos em Angola, uns vivos, outros já falecidos. Espaço no Mulemba Waxa Ngola, periferia de Luanda, chegou a ser vandalizado, mas já está como novo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Rostos dos direitos humanos
O Mural da Cidadania é uma parede na periferia de Luanda onde se encontram desenhados alguns rostos de cidadãos, uns vivos e outros já falecidos, em gesto de homenagem aos defensores dos direitos humanos em Angola. Localizado no Mulemba Waxa Ngola, o espaço foi recentemente vandalizado por desconhecidos. Ativistas deslocaram-se, entretanto, ao local para proceder à limpeza do espaço.
Foto: Manuel Luamba/DW
Padre Pio Wakussanga
O padre católico Pio Wakussanga, responsável pela ONG Construindo Comunidades, é um dos rostos do Mural da Cidadania. Wakussanga é uma das vozes mais sonantes na luta contra a fome na região dos Gambos, na província da Huíla, onde a população é fortemente assolada pela fome e pela estiagem. Também tem estado a denunciar fazendeiros que desalojam camponeses na região.
Foto: Manuel Luamba/DW
José Patrocínio
Nasceu em dezembro de 1962 em Benguela e morreu em 2019, aos 57 anos. Fundador da ONG Omunga, José Patrocínio foi um dos mais conhecidos ativistas cívicos na luta pela proteção, promoção e divulgação dos direitos humanos em Angola. No dia da sua morte, a sociedade descreveu-o como um "grande combatente dos direitos humanos".
Foto: Manuel Luamba/DW
Carbono Casimiro
Dionísio Gonçalves Casimiro, também conhecido por "Boneira", foi um rapper e ativista angolano e um dos pioneiros e principais rostos das manifestações de rua que começaram em 2011, inspiradas na "Primavera Árabe", e que visavam lutar contra as más políticas públicas do Presidente José Eduardo dos Santos. Foi preso várias vezes pela polícia angolana. Morreu em 2019, vítima de doença.
Foto: Manuel Luamba/DW
Sizaltina Cutaia
É um dos principais rostos da luta pelos direitos das mulheres em Angola. A ativista é uma das mentoras da Ondjango Feminista e uma dos responsáveis da ONG Open Society. É conhecida pelas críticas contra a anterior e a atual governação. Comentadora do programa da Televisão Pública de Angola (TPA), Sizaltina Cutaia tem criticado os titulares de cargos públicos que desviaram fundos públicos.
Foto: Manuel Luamba/DW
Rafael Marques
O jornalista e ativista cívico angolano tornou-se conhecido pelas denúncias de corrupção no seu site Maka Angola, durante a governação do Presidente José Eduardo dos Santos. Foi muitas vezes levado às barras do tribunal. A entrada de Rafael Marques na lista de homenageados do Mural da Cidadania gerou controvérsia por, neste momento, estar supostamente mais próximo do atual governo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Inocêncio de Matos
O estudante universitário Inocêncio de Matos foi morto pela polícia a 11 de novembro de 2020, em Luanda, quando participava, pela primeira vez, num protesto de rua. A sua morte gerou revolta popular e uma onda de indignação na sociedade. É descrito como um "herói do nosso tempo" pelos ativistas, que querem que a antiga Avenida Brasil, onde foi morto, seja baptizada com o seu nome.
Foto: Manuel Luamba/DW
Isaac Pedro "Zbi"
Isaac Pedro "Zbi" é um dos artistas que imortalizou no Mural da Cidadania os feitos de alguns defensores dos direitos humanos. Diz que o monumento da Mulemba Waxa Ngola tem três objetivos: "Valorizar o espaço", um dos poucos que há na periferia, "homenagear as pessoas" que se encontram aqui desenhadas e "tentar fazer perceber as pessoas o que é a arte urbana."
Foto: Manuel Luamba/DW
Hervey Madiba
Hervey Madiba é outro dos mentores da Mural da Cidadania, que foi recentemente vandalizado. O que se fez no espaço "é um exercício de cidadania", diz o co-fundador da Universidade de Hip Hop, que não entende os motivos e promete responsabilizar os autores. No domingo (10.01), começou a ser feita uma recolha de assinaturas para uma petição que será entregue ao Presidente João Lourenço.