Rapto de crianças em Moçambique: Governo desapontado com HRW
4 de julho de 2025
O Governo moçambicano disse hoje (04.07) que não foi ouvido pela Human Rights Watch (HRW) no relatório daquela organização sobre o aumento do número de crianças raptadas por terroristas em Cabo Delgado. Face a isso, refere o Executivo, é "extremamente difícil" reagir.
"Se uma organização aparece a fazer qualquer afirmação de qualquer que seja a ocorrência, se não submete às autoridades, ou locais ou dedicadas, para fazerem o contraditório, é extremamente difícil que o Governo se refira sobre esta informação", disse o porta-voz do Governo, Inocêncio Impissa, nas habituais declarações semanais aos jornalistas.
A HRW alertou para o aumento do número de crianças raptadas pelos grupos terroristas que operam desde 2017 na província de Cabo Delgado, usadas em trabalhos forçados, pedindo ações do Governo, conforme um relatório noticiado a 24 de junho pela agência de notícias Lusa. A organização indica que as crianças são raptadas pelos rebeldes ligados ao grupo extremista Estado Islâmico para serem usadas para "transportar bens saqueados, realizar trabalhos forçados, casamentos forçados e participar em conflitos".
No relatório, a HRW cita Abudo Gafuro, diretor executivo da Kwendeleya, uma organização nacional que presta apoio às vítimas, em que refere que mais de 120 crianças foram raptadas entre maio e junho. Em declarações aos jornalistas, Impissa pediu às organizações não-governamentais para darem "oportunidade do contraditório" ao Executivo para "apresentar contraprovas" face aos relatórios das suas atividades em Cabo Delgado.
"O risco de apresentar um relatório sem contraditório das autoridades moçambicanas é que qualquer um pode divulgar qualquer informação e ninguém pode atestar essa informação, porque ao nível das autoridades moçambicanas não só, mas com as organizações que têm estado a trabalhar e até credenciadas [...] há um circuito de informação, de registo de dados e de acontecimentos dentro do teatro operacional norte", disse o porta-voz do Governo.
Assistência às mulheres e crianças
O Governo moçambicano adiantou também estar a prestar assistência às mulheres e crianças resgatadas, incluindo a realocação das vítimas em centros de acolhimento, formação em atividades economicamente viáveis e criação de turmas para ocupação de menores para "desanuviar do seu terror, do susto".
Moçambique foi o segundo país com o maior aumento percentual (525%) de violações graves contra crianças em conflitos armados em 2024, apenas atrás do Líbano, segundo um novo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). Os dados constam no relatório do secretário-geral da ONU sobre crianças e conflitos armados de 2024, que indica que os maiores aumentos percentuais foram verificados no Líbano (545%), Moçambique (525%), Haiti (490%), Etiópia (235%) e Ucrânia (105%).
Num capítulo dedicado ao conflito na província moçambicana de Cabo Delgado, indica-se que a ONU verificou 954 violações graves contra 507 crianças, além de uma violação grave ocorrida em 2023, mas só passível de verificação no ano passado.
Os números da ONU
Foi igualmente verificado o recrutamento e o uso de 403 crianças por grupos armados e a detenção de 51 crianças pela Polícia da República de Moçambique (49) e pelas Forças de Defesa do Ruanda (2) por alegada associação a grupos armados.
A ONU verificou o assassínio (32) e a mutilação (12) de 44 crianças por perpetradores não identificados (22), grupos armados (15) e pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (7), incluindo baixas causadas por engenhos explosivos (17). Ainda no ano passado, a organização verificou neste conflito o rapto de 468 crianças por grupos armados, incluindo para recrutamento. Onze menores foram libertados.
Desde outubro de 2017, a província de Cabo Delgado, rica em gás, enfrenta uma rebelião armada com ataques reclamados por movimentos associados ao grupo extremista Estado Islâmico, que chegaram a provocar mais de um milhão de deslocados, incluindo a morte, em 2024, de 349 pessoas vítimas de ataques.