RCA: Presença de americanos poderá agravar instabilidade?
5 de janeiro de 2024Na semana passada, Albert Yaloke Mokpeme, porta-voz da Presidência da República Centro-Africana(RCA), mencionou os esforços do país para diversificar as suas relações, procurando a assistência de países como os Estados Unidos e a Rússia para treinar os seus soldados.
"Os Estados Unidos também estão a oferecer à República Centro-Africana a formação dos seus soldados, tanto em solo centro-africano como em solo americano", disse.
Embora os pormenores das discussões não tenham sido tornados públicos, o potencial envolvimento da empresa norte-americana de segurança privada Bancroft sugere um interesse dos EUA em reduzir a influência da Rússia na RCA.
Domínio do grupo Wagner
Isto acontece numa altura em que o grupo Wagner enfrenta uma turbulência interna após a morte do seu fundador, Yevgeny Prigozhin, em agosto de 2023.
Analistas acreditam que os países ocidentais veem uma oportunidade para preencher o vazio deixado pela reorganização do grupo militar privado russo, algo com que o Presidente centro-africano Faustin-Archange Touadéra estará a contar.
Touadéra espera "tirar partido da reorganização da Wagner para enfraquecer a sua dependência dos russos", informou a agência noticiosa AFP, citando uma fonte de segurança europeia.
A Bancroft negou o seu destacamento para a capital da RCA, Bangui, mas confirmou haver conversações em curso com o Governo de Touadéra.
"A partir de julho, a Bancroft acordou um quadro para discutir possíveis atividades futuras com o Governo da RCA. É tudo", afirmou uma porta-voz da empresa numa declaração por escrito na terça-feira (02.01).
"Diversificar as relações"
O Governo centro-africano parece estar a fazer uma delicada manobra de equilíbrio. Ao mesmo tempo que reconhece as conversações com a Bancroft, também sublinha a cooperação em curso com o grupo Wagner, destacando a necessidade de "diversificar as relações".
Esta estratégia tem como objetivo manter parcerias de segurança com a Rússia e os EUA, aproveitando potencialmente a rivalidade de ambos para garantir acordos favoráveis.
No entanto, surgiram preocupações no país, em particular em Bangui, onde se teme um potencial confronto entre as forças russas e norte-americanas.
O Governo da RCA, através do seu porta-voz, procurou dissipar as preocupações, sublinhando que a presença da Bancroft destina-se apenas a treinar as Forças Armadas centro-africanas.
"Nas discussões que estão a decorrer entre a República Centro-Africana e todos os seus parceiros, não queremos trabalhar de uma forma que sugere que não estamos a trabalhar nem com um e nem com o outro. Não", explicou Albert Mokpeme.
Coabitação e escalada
Observadores alertaram, entretanto, para os perigos da coabitação entre as forças rivais. Grupos da sociedade civil receiam confrontos, nomeadamente relativos ao controlo dos recursos minerais e ao posicionamento estratégico.
O potencial para abusos dos direitos humanos e para uma maior instabilidade é também uma grande preocupação. Karl Blague, um sociólogo e consultor afiliado ao G16, uma coligação de organizações da sociedade civil, mostrou-se pessimista.
"Não pode haver uma coabitação entre os americanos e os mercenários da Wagner com todos os abusos que cometeram contra a população centro-africana e com todas as provas que temos", disse Blague.
Apesar das declarações oficiais, um funcionário governamental, falando em anonimato, corroborou os sentimentos de Blague.
"Sim, os paramilitares americanos já lá estão. E isso é uma preocupação real", disse à DW.
Implicações geopolíticas
No âmbito internacional, o envolvimento da RCA com a Bancroft faz parte de uma estratégia mais alargada para reduzir a sua dependência do grupo Wagner.
As tropas francesas, destacadas em 2013 para travar a guerra civil, retiraram-se em 2016, o que levou a RCA a recorrer oficialmente ao grupo Wagner para a formação das suas Forças Armadas, em 2018.
À medida que os grupos rebeldes avançavam para a capital, foram contratados mais operadores russos em 2020.
"O que me tranquiliza um pouco é o facto de os russos participarem no Conselho de Segurança Nacional e de os americanos não poderem estar presentes sem o seu conhecimento e, muito menos, sem o seu consentimento", disse a fonte governamental.
A França e a União Europeia estão a acompanhar de perto a situação. Embora neguem oficialmente qualquer ligação à Bancroft, os EUA estarão provavelmente a prestar apoio não oficial através do seu pessoal e de recursos.
"Muitos dos efetivos são antigos militares norte-americanos. Existem relações pessoais e contactos táticos que podem servir de canais de apoio", disse Colin Clarke, do Centro Soufan, um grupo de reflexão sobre segurança com sede em Nova Iorque.
Entretanto, a Rússia está determinada a manter a sua posição no país, com uma influência ainda significativa da Wagner.
Futuro incerto
As conversações da Bancroft são vistas como parte de uma disputa geopolítica mais ampla e o Departamento de Estado dos EUA confirmou o seu compromisso com a RCA.
"Os Estados Unidos continuam totalmente empenhados na parceria com o povo da República Centro-Africana e continuarão a trabalhar em estreita colaboração com o Governo centro-africano para alcançar os objetivos comuns de uma República Centro-Africana pacífica e próspera, que respeite os Direitos Humanos e o Estado de Direito", afirmou o Departamento de Estado.
Entretanto, a potencial colaboração com a Bancroft levanta questões sobre o impacto de forças paramilitares adicionais no país. Os observadores aguardam novos desenvolvimentos para ver como se desenrola esta improvável coabitação e se ela trará estabilidade ou se agravará ainda mais os desafios enfrentados pela República Centro-Africana.