O empresário Sindika Dokolo, que morreu num acidente no Dubai, era muito popular no seu país. Mas ficou manchado pelo envolvimento no escândalo "Luanda Leaks" protagonizado pela sua mulher, a angolana Isabel dos Santos.
Publicidade
Sindika Dokolo, com 48 anos de idade, morreu num acidente de mergulho submarino. O anúncio da sua morte foi recebido com choque e desolação na República Democrática do Congo. Pétronelle Bokombe, delegada nacional do movimento da sociedade civil "Congoleses de Pé", explica porquê.
"Era um homem aberto, que nos ensinou a ser livres, que nos ensinou a defender os nossos direitos. Um homem que nos ensinou a erguer-nos quando as coisas corriam mal no nosso país. Foi ele que nos deu o fôlego para podermos dizer não e vamos continuar a trabalhar para construir o Congo que ele queria", disse a ativista à DW.
Patriota e democrata
Bienvenu Matumo, membro do movimento de cidadãos Lucha, conhecia bem Sindika Dokolo. Lembra-se da luta que travaram lado a lado contra a extensão anti-constitucional do mandato do ex-Presidente Joseph Kabila. "Juntamente com ele e todos os movimentos de cidadãos, bem como as forças políticas da oposição, lutámos não só para garantir a realização de eleições, mas também para avançar a democracia no nosso país."
Colecionador de arte, Sindika Dokolo era um dos promotores mais vocais do regresso ao continente de arte africana pilhada pelos colonizadores, lembra o seu amigo pessoal e diretor de uma galeria de arte em Bruxelas, na Bélgica, Didier Claes: "A sua luta por alguns objetos de arte saqueados foi patriótica. Ele dizia sempre: 'Não vou mendigar pelo regresso deste objeto, mas quero-o de volta'. E fazia tudo para o recuperar."
"Luanda Leaks"
Mas o amante da arte também tinha um lado sombrio. Casado com Isabel Dos Santos, filha do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos e uma das mulheres mais ricas de África, o famoso escândalo "Luanda Leaks" revelou até que ponto Dokolo estava envolvido em alegados negócios escuros da sua mulher.
Dokolo geria um elevado número de empresas offshore ativas no comércio de diamantes e tinha participações em empresas petrolíferas ou fábricas de cimento. Em dezembro de 2019, um juiz civil em Luanda ordenou o congelamento dos bens de Isabel dos Santos e do Sindika Dokolo enquanto decorre a investigação por suspeita de terem lesado o Estado angolano em milhões de dólares.
Publicidade
Angolanos lamentam o trágico acidente
Em Angola, Dokolo era sobretudo conhecido por ser o marido de Isabel dos Santos, diz Julio Candeeiro, diretor da organização da sociedade civil, Mosaico. "Não houve nenhuma reação, digamos, vingativa. A sua morte foi sobretudo lamentada".
O Presidente angolano, João Lourenço, expressou na plataforma virtual Twitter o seu pesar ao seu predecessor, José Eduardo dos Santos, sogro do malogrado colecionador de arte.
"Manifesto os mais profundos sentimentos de pesar ao Presidente JES, pela morte trágica de seu genro Sindika Dokolo, cuja notícia surpreendeu a sociedade angolana", escreveu João Lourenço.
Arte africana à espera de ser devolvida
Museus europeus mostram-se muitas vezes relutantes em devolver obras de arte africanas roubadas durante o tempo colonial. Presidente francês Emmanuel Macron anunciou que a França irá devolver 26 peças ao Benim.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Glaubitz
Estátuas roubadas
Estes três totens - meio humanos, meio animais - fazem parte da coleção do Museu do Quai Branly, em Paris. São originários do reino do Daomé, onde fica hoje a República do Benim. A antiga colónia francesa declarou que os artefactos foram saqueados e, em 2016, pediu a sua devolução. A França negou. No entanto, voltou atrás na decisão: 26 peças do museu deverão ser agora devolvidas ao Benim.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Glaubitz
Máscaras dos Dogon
Estas máscaras do povo Dogon também estão no Musée du Quai Branly, em Paris. São originárias de uma região onde está hoje o atual Mali e foram levadas para França na sequência de uma expedição nos anos 30. Máscaras como estas serviram de inspiração a pintores como Pablo Picasso ou Georg Baselitz. Documentos da altura detalham a crueldade com que os "exploradores" enganaram a população local.
Foto: picture-alliance/dpa/H. Kaiser
Afugentador de colonizadores
De olhos bem abertos e com pregos cravados no corpo, esta Mangaaka é uma figura de poder do Congo usada por volta de 1880 para proteger uma aldeia africana contra as forças coloniais. Em todo o mundo, há apenas 17 figuras destas. Uma delas está no Museu Etnológico de Berlim. Estima-se que 90% da herança cultural africana foi levada para a Europa.
Foto: Imago/ZUMA Press
Deus Gu
O general francês Alfred Amédée Dodds desempenhou um papel preponderante na colonização da África Ocidental. Em 1892, os seus homens saquearam o Palácio do rei Béhanzin em Abomei, a capital do reino do Daomé. Um dos objetos saqueados foi a estátua do deus Gu, em bronze.
Foto: Imago/UIG/W. Forman
Rei Ghezo
O general Dodds também levou tronos e portas com relevos para a Exposição Universal de Paris, em 1878, no Palácio de Trocadéro. São bens que o Benim também exige de volta.
Foto: Imago/United Archives International
Bens confiscados
O general francês Louis Archinard conquistou, em 1890, a cidade de Segu, a capital do reino de Toucouleur. Os bens saqueados na altura - jóias, armas e manuscritos - estão hoje em exibição nas cidades de Paris e Le Havre. Desde 1994 que os descendentes do fundador do Império 'Umar Tall pedem a devolução dos objetos. A região pertence hoje ao Mali.
Foto: picture-alliance/akg-images
Não foi só em África
Os saques não ficaram por aqui. Os europeus também roubaram muitas peças de outros continentes. Por exemplo, em 1880, o navegador norueguês Johan Adrian Jacobsen foi a mando do Museu Etnológico de Berlim à América do Norte, à procura de objetos de culturas indígenas. As peças saqueadas em túmulos do Alasca foram devolvidas em 2018.