O setor da educação não está imune à corrupção, que está bem enraizada na República Democrática do Congo (RDC). Nas escolas, trocar dinheiro ou favores sexuais por notas é uma prática comum.
Publicidade
Lucienne Munono é diretora da escola "Accademia", na capital da República Democrática do Congo (RDC), Kinshasa. Munono diz que a corrupção faz parte do dia a dia das escolas e recorda um episódio em que testemunhou o momento em que um pai subornou um professor da sua escola.
"Estava a sair vi um professor e um pai foi cumprimentá-lo com um aperto de mão. O professor não largava a mão dele. Achei isso suspeito, e fiz sinal para o professor vir ter comigo. Perguntei-lhe o que tinha na mão, era dinheiro. Depois perguntei 'era o pai de alguma criança da sua turma?' E ele disse 'sim'".
Atribuir boas notas em troca de sexo
Além de dinheiro, outro fenómeno é a troca de favores sexuais por notas. Com os avanços realizados neste setor nos anos 70, não se imaginava que, 50 anos mais tarde, os alunos que quisessem ter sucesso na escola seriam obrigados a pagar com os seus corpos, especialmente as jovens raparigas. Uma realidade com a qual a jovem Lydia, nome fictício, já se deparou.
"Um professor pediu-me claramente para dormir comigo antes de me atribuir a nota. É verdade que eu não tinha passado na prova, e em troca ele pediu-me que dormisse com ele, se não, não teria as notas que queria".
Lydia acrescenta que o professor lhe disse que se ela lhe oferecesse algo, poderia facilmente contar que o tinha subornado, mas, se dormisse com ele Lydia não iria contar por vergonha.
Tal como Lydia, Jeanne também já passou por um episódio parecido. "Na minha turma, havia um professor que nos pedia que fizéssemos sexo com ele para ter boas notas. Um dia disse-me: 'Não tens boas notas na minha disciplina, se fores comigo para a cama, podes melhorar'".
Felizmente, este episódio teve um final justo. Jeanne recusou a proposta do seu professor. Os seus pais foram informados da situação e fizeram pressão sobre os responsáveis do estabelecimento de ensino e o professor em questão foi despedido.
Subornar inspetores dos exames
Outro tipo de corrupção é pagar aos inspetores a cargo dos exames do Estado para garantir que os estudantes se saiam bem na prova. A diretora Lucienne Munono também já se viu confrontada com um pedido desses.
"Tenho o exemplo das crianças do sexto ano. Temos uma estrutura de comissão de encarregados de educação, e numa reunião, um dos pais, que também é inspetor do ensino, defendeu que devíamos pagar para garantir que todos os alunos receberiam o diploma do Estado. Eu disse que não e ele respondeu:'isso acontece em todo lado, minha senhora'" .
A corrupção está tão enraizada na escola que é cada vez mais comum os próprios alunos fazerem as suas ofertas aos professores em troca de boas notas: pequenos presentes, dinheiro, favores sexuais. Características como a assiduidade e a inteligência não são as únicas formas de ser um bom estudante, pelo menos, no papel.
Sistema educativo em degradação
Na RDC, os professores são mal pagos, as turmas têm cada vez mais alunos, as salas de aulas estão mal equipadas, às vezes os alunos até têm de se sentar no chão.
RDC: Corrupção afeta também a educação
Para Henri Mutombo, da ONG Para Construir, a corrupção nas escolas acaba por ser um indicador da pobreza que existe na educação. Mutombo considera que há uma falta de visão que não valoriza nem pune os maus profissionais nem valoriza os bons.
"As más condições de trabalho dos professores justifica, de certa forma, esta degradação e há também a questão da impunidade. Se os professores fossem sancionados, se houvesse uma valorização de quem fizesse bem o seu trabalho, acho que não tínhamos chegado a esse ponto", disse.
A situação no setor da educação em certas partes do país pode ser explicada por problemas de governação e económicos, com a queda do preço das matérias-primas a empobrecer o fundo estatal. Uma tendência que tende a agravar-se com os conflitos que continuam a assolar algumas zonas do país. Por enquanto, Henri Mutombo e a sua ONG continuarão a percorrer o país para sensibilizar contra a corrupção nas escolas e universidades.
RDC: Capoeira ajuda crianças-soldado a superar traumas
A UNICEF promove, desde 2014, a iniciativa "Capoeira pela Paz" que ensina esta arte marcial a crianças-soldado do Kivu do Norte, na República Democrática do Congo. A capoeira tem ajudado as crianças a superar traumas.
Foto: DW/F. Forner
A Capoeira nos subúrbios de Goma
Duas vezes por semana, cerca de 70 meninos reúnem-se em roda para um evento muito especial que ocorre na comunidade de Keshero, nos subúrbios da cidade de Goma, na província de Kivu do Norte, na República Democrática do Congo (RDC). Crianças de cinco anos e adolescentes até aos 17 praticam capoeira, uma arte marcial de origem afro-brasileira.
Foto: DW/F. Forner
Uma nova vida para centenas de ex-crianças-soldado
Destes meninos, cerca de 30 vivem no Centro de Transição e Orientação (CTO) administrado pela organização "Concerto de ação para crianças desfavorecidas" (CAJED, sigla em francês) que acolhe ex-crianças- soldado que lutaram em grupos armados. Este é um projeto da Embaixada do Brasil em Kinshasa e conta com apoio financeiro de países como Bélgica, Canadá e Suécia e da AMADE-Mondiale.
Foto: DW/F. Forner
Uma arte marcial pela paz
A aula de capoeira é uma das atividades mais esperadas pelas crianças que vivem no CTO. Todas as terças e quintas-feiras, durante duas horas, um mestre capoeirista brasileiro e dois congoleses ensinam esta arte marcial e os valores de união e paz. Desde 2014, a iniciativa "Capoeira pela Paz" da UNICEF já beneficiou mais de quatro mil crianças.
Foto: DW/F. Forner
“Antes da Capoeira, eu lembrava-me dos momentos em que lutei na floresta”
S.K.M (iniciais do nome) vive no CTO, em Goma, há um ano e meio, após conseguir fugir do grupo armado ADF (Forças Democráticas Aliadas) que o havia raptado. Integrou o programa das Nações Unidas de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração de ex-combatentes e, por ser menor de idade, foi recebido pela UNICEF e por ONGs. O jovem vê na capoeira uma forma de superar os seus traumas.
Foto: DW/F. Forner
Uso de crianças-soldado por grupos armados
A Capoeira surgiu no período colonial no Brasil como uma luta de resistência desenvolvida por africanos escravizados. Reúne movimentos acrobáticos, luta, dança e cânticos populares. Pelos seus valores de paz, união e não-violência, tem sido usada cada vez mais em áreas de conflito. Em Kivu do Norte, no leste da RDC, existem mais de 70 grupos armados e o uso de crianças-soldado é uma prática comum.
Foto: DW/F. Forner
“A Capoeira faz com que me sinta capaz”
“Quando fazemos os movimentos da capoeira, é tudo muito pacífico. Ajuda-nos a sermos amigos uns dos outros”, afirma F.R. de 16 anos. O jovem vive no CTO há quatro meses, após ter lutado no grupo armado Mayi-Mayi Nyatura de origem hutu. As aulas de inglês e a capoeira são as que mais gosta. “A capoeira faz com que me sinta capaz. Ajuda-me a esquecer o passado", diz.
Foto: DW/F. Forner
Capoeira no hospital Heal Africa em Goma
A "Capoeira pela Paz" começou em 2014 como um projeto piloto com ex-crianças-soldado. Aos poucos, foi sendo também implementada em contextos de violência sexual e com crianças em situação de vulnerabilidade. O hospital Heal Africa, referência no tratamento de violência sexual e de género, resolveu incluir este projeto no seu programa e, desde 2015, cerca de 300 crianças estão inscritas nas aulas.
Foto: DW/F. Forner
“Iê Capoeira!”
“Iê Capoeira!”, anuncia Ninja Kalimba com os braços erguidos. A aula de capoeira vai começar. “Formem a roda”, indica o capoeirista congolês de 34 anos. Natural de Kinshasa, Ninja integra a equipa da UNICEF como um dos professores de capoeira em Goma. “Devagar, devagar... não podem sair do ritmo”, diz às crianças.
Foto: DW/F. Forner
Ritual da Capoeira
Existe um ritual para todas as aulas. Antes do aquecimento, as crianças têm que tirar os sapatos, saudar os capoeiristas e pedir licença para entrar na roda. Este ritual cria disciplina e respeito coletivo, explicam os capoeiristas. A metodologia usada nesta iniciativa visa oferecer valores de respeito e união às crianças de forma lúdica e ajudá-las a expressarem-se com mais liberdade.
Foto: DW/F. Forner
Conflito no Congo
Destacamento das Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) na estrada que liga Goma a Rutshuru, em Kivu do Norte. O leste da RDC está, há mais de 20 anos, imerso num conflito armado. Depois do genocídio do Ruanda, em 1994, extremistas hutus, que cometeram atrocidades, cruzaram a fronteira para o Congo, assim como tutsis que recorreram ao país vizinho para escapar do genocídio.
Foto: DW/F. Forner
Missão de paz
Em 2017, a Missão de Estabilização das Nações Unidas na RDC (MONUSCO) faz 15 anos. Com um orçamento de mais de 1,2 mil milhões de dólares, a MONUSCO é a mais cara e a mais longa missão de paz da ONU. Em março, o Conselho de Segurança renovou por mais um ano o mandato da missão, contudo, reduziu o contingente em três mil soldados. Na foto, militares do batalhão do Uruguai patrulham as ruas de Goma.
Foto: DW/F. Forner
Fim da violência
Desde 1998, dezenas de milhares de crianças conhecidas como "kadogos" - que significa "pequenos" em suaíli - estiveram envolvidas em grupos armados no leste da RDC. Muitas foram brutalmente separadas das suas famílias e obrigadas a cometer crimes. Sofreram profundos traumas físicos e psicológicos. A capoeira tem ajudado a construir a paz entre sobreviventes e vítimas de violência.
Foto: DW/F. Forner
Aceitação pela comunidade
Quando criada, a "Capoeira pela Paz" era um projeto-piloto da UNICEF, pois pretendia avaliar se seria aceite pelas crianças, pelas suas famílias e pelas comunidades. No hospital Heal Africa, a atividade incluiu meninas e meninos em situações vulneráveis.
Foto: DW/F. Forner
Uma luta não-violenta
Em roda, meninos e meninas jogam juntos a Capoeira. Ao som de instrumentos como o berimbau, o atabaque e o pandeiro, crianças desempenham movimentos ágeis numa dança, a ginga, com golpes como numa luta. Na Capoeira, os praticantes não podem se tocar.
Foto: DW/F. Forner
“Quero servir de inspiração”
Os ideais da capoeira ensinam a amar e a viver em comunidade, explica Ninja Kalimba. “Quero ajudar as crianças. Tento inspirá-las com a minha história de vida para que elas pensem que também têm oportunidade", explica. Nascido na capital, Ninja passou por momentos difíceis ao viver nas ruas de Kinshasa até descobrir nas artes marciais o seu ofício e uma forma de melhorar a sua vida.