RDC detém militares por alegado envolvimento em massacres
Lusa | tms
10 de agosto de 2020
Sete oficiais do Exército e um polícia foram detidos pela justiça militar congolesa, acusados de envolvimento nos massacres cometidos na região do Kasai, em 2016. À época, milhares de deslocados refugiaram-se em Angola.
Publicidade
De acordo com a agência noticiosa France-Presse, uma comissão rogatória do Ministério Público Militar do Kasai-Central instruiu o Ministério Público a interrogar 16 oficiais atualmente destacados nas províncias de Kivu Norte (a que pertence Beni) e Ituri pela sua participação em massacres cometidos no Kasai-Central.
Após o interrogatório, "sete destes agentes foram detidos desde 22 de julho", tendo o responsável do Ministério Público Militar de Kivu Norte apontado um coronel da polícia que também foi detido em 7 de agosto.
"São suspeitos de participar nos massacres da população no Kasai-Central entre 2016 e 2017. Mas, nesta fase, existe uma presunção de inocência. A justiça militar deteve-os para não dificultar a investigação", afirmou uma fonte do departamento da justiça militar do Kasai-Central, citada pela France-Presse.
Refugiados da RDC procuram abrigo em Angola
01:28
Violência e deslocados
A região do Kasai-Central, no sudoeste da RDC, foi palco, entre 2016 e 2017, de um conflito violento que começou após a morte, em 12 de agosto de 2016, do líder tribal Kamuina Nsapu.
Os responsáveis detidos são acusados de ter fornecido uniformes da polícia ao exército, dirigir operações contra civis e esconder corpos em valas comuns.
Em junho de 2018, um relatório de especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) referia que os confrontos entre milicianos Kamuina Nsapu e as forças de segurança, apoiadas, segundo o documento, pelas milícias Bana Mura, é de mais de três mil mortes e 1,4 milhões de deslocados - muitos dos quais buscaram abrigo em Angola.
Atrocidades
Os investigadores da ONU, que então foram autorizados a visitar a RDC, afirmaram, num relatório, que "algumas das atrocidades cometidas pelas forças de defesa e segurança, milícias Bana Mura e milícias Kamuina Nsapu constituem crimes contra a humanidade ou crimes de guerra, bem como violações dos direitos humanos".
Expulsão de congoleses de Angola vitima crianças
01:25
This browser does not support the video element.
Segundo o relatório, os ataques por parte das forças de defesa e segurança, das milícias Kamuina Nsapu e Bana Mura, "foram realizados contra a população civil de forma generalizada e sistemática, como política de Estado ou de organização que tinha como fim tais ataques".
Esses factos constituem crimes contra a humanidade, de acordo com especialistas, que citaram assassínios, violações, escravidão - inclusive sexual -, perseguição e outros atos desumanos.
A sueca Zaida Catalan e o norte-americano Michael Sharp, dois peritos da ONU que investigavam a existência de valas comuns no Kasai-Central, foram mortos na região.
Angola: Congoleses denunciam horrores vividos
A província da Lunda Norte, em Angola, está a acolher diariamente centenas de congoleses que continuam a fugir à violência na região do Kasai, na República Democrática do Congo.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Mais de um milhão de deslocados
Estima-se que, pelo menos, 3.300 pessoas tenham já morrido na sequência do conflito que, desde agosto de 2016, se tem desenrolado nas região do Kasai e Kasai Central, na República Democrática do Congo, (RDC). 1,3 milhões de congoleses foram obrigados a fugir da região devido à violência da milícia Kamuina Nsapu.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Millhares no Campo de Kakanda
Germaine Alomba tem 29 anos e é uma das congolesas que conseguiu atravessar a fronteira rumo a Angola, estando abrigada, atualmente, no centro provisório de Kakanda. Como ela, cerca de 30 mil congoleses estão refugiados em Angola. A este campo chegam, todos os dias, cerca de 500 pessoas, muitas delas transportadas em camiões e autocarros cedidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Acusações a Kabila
Segundo as autoridades católicas no Congo, já foram encontradas mais de 40 valas comuns na região do Kasai. Congoleses em Angola ouvidos pela DW África, revelam que a violência contínua tem sido alimentada pelo Governo de Kabila. "[Ele] está a organizar uma guerra, está a entregar armas aos civis para matar a população. O sofrimento neste momento é muito", denuncia Jimba Kuna, um dos refugiados.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Familiares desaparecidos
Odia Rose é outra das vítimas deste conflito. A sua filha adolescente, de 15 anos, desapareceu quando ambas tentavam fugir à violência no seu país. Hoje, conta à DW, "reza todos os dias para a reencontrar com vida".
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Repetem-se as atrocidades
Mbumba-Ntumba é o espelho das atrocidades que sucedem na região do Kasai. "Estava em minha casa e um grupo de pessoas entrou e começou a bater-me. Cortaram o meu braço com uma catana e bateram-me na cabeça", contou em entrevista à DW África o congolês de 65 anos. Ntumba foi resgatado inconsciente por voluntários da Cruz Vermelha que o levaram até à fronteira com Angola.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Violência sem fim
As atrocidades não ficam por aqui. Recentemente, o Conselho de Direitos Humanos da ONU voltou a enviar peritos para a região para investigar as denúncias de abusos, incluindo decapitações. Há relatos de refugiados que contam que foram forçados a enterrar vítimas em valas comuns e que afirmam que as milícias terão atacado e mutilado bebés e crianças.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Crianças sozinhas
Dados da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) indicam que mais da metade dos deslocados são menores e que, em muitas ocasiões, foram separados dos seus pais e familiares - como é o caso das quatro crianças na fotografia, atualmente refugiadas no Campo em Kakanda, Angola.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Aulas de Língua Portuguesa
Tanto no Campo de Mussunga, onde se encontram alguns refugiados, como em Kakanda, onde está a maioria, foram criadas escolas improvisadas onde é ensinada às crianças a língua portuguesa.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Necessária mais ajuda
Em Angola, os centros de acolhimento improvisados estão já sobrelotados. Em entrevista à DW África, o bispo da diocese da Lunda Norte, Estanislau Chindecasse, explicou que é necessária “mais ajuda para que as pessoas possam ter, pelo menos, duas ou três refeições. O que estamos a fazer é o mínimo, porque não há outras possibilidades”, deu conta.