Ameaças entre o Ruanda e a República Democrática do Congo (RDC) sobem de tom, com os líderes de ambos os países a falar em "guerra". Quais as implicações dessas ameaças para a SADC?
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As ameaças entre os líderes da República Democrática do Congo (RDC) e do Ruanda subiram de tom nas últimas semenas, deixando a região em alerta. O Governo congolês de Félix Tshisekédi mantém a acusação de que o Ruanda apoia o grupo M23, responsável pelo terror e pela mortandade entre populares.
O Presidente angolano João Lourenço tem sido um dos mediadores deste conflito que, no ano passado, foi enviado, juntamente com o ex-presidente do Quénia, Uhuru Kennyatta, a manter contactos com a liderança do movimento rebelde, M23, e acompanhar o processo de pacificação da RDC.
Quais são as implicações para a região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) dessas trocas de ameaças, que sobem de tom, entre a RDC e o Ruanda? Em entrevista à DW, o cientista político angolano David Sambango explica:
David Sambango (DS): Claramente que as implicações são catastróficas, porquanto nós estamos a falar de uma região que é bastante importante. E África passou por várias situações de golpe de Estado, vários conflitos. Seria necessário se apaziguar esses conflitos a nível interestatal. E a falta de uma solução pacífica dos problemas no norte da RDC, com o alegado envolvimento também do Ruanda, acaba sendo um tanto quanto nefasto para a região.
Sabe-se, por exemplo, da questão [ligada] também à exploração de recursos minerais, sobretudo o coltan, que é uma substância fundamental que se explora [na região]. O Ruanda não detém este recurso natural, mas acaba sendo um dos maiores exportadores deste recurso.
[Além disso,] pensamos que o mediador escolhido para resolver esse problema, o Presidente da República de Angola, João Lourenço, à quem também foi atribuído o título de "campeão da paz", ou seja, defensor da paz, aquele que devia lutar para que a região conseguisse alcançar a sua paz... Infelizmente, os mecanismos de negociação, de apaziguamento, de resolução do problema não estão a ser eficazes por conta de não se contactar os atores dos do conflito.
DW África: E porque é que a mediação do Presidente angolano, João Lourenço não está a dar resultados?
DS:A mediação do Presidente João Lourenço seria uma mediação real, não fossem as medidas que parecem mais "cosmética" que se faz neste conflito. Ele pega, portanto, o legado do antigo Presidente [falecido] José Eduardo dos Santos, que também foi muito considerado como o homem que seria o líder africano a pacificar a região dos Grandes Lagos, a SADC. Mas, infelizmente, isso não passou de "charme político".
Quem são os principais atores no conflito na RDC?
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DW África: Há mais uma certa incapacidade diplomática do líder angolano, ou o fracasso se deve às dificuldades que a natureza deste conflito impõem?
DS: Na qualidade de pessoa formada em História, diz que tem um mestrado em História, ele deveria estudar, porque a história ajuda muito nessa compreensão. Deveria estudar a origem e, portanto, as causas dos problemas. Seria mais pragmático se conseguisse juntar, ter uma negociação a parte com os rebeldes e depois conseguisse então, dentro dos rebeldes, tirar aquilo aqueles que são, portanto, a liderança máxima para negociar (mesmo que fosse nos bastidores da política) com o Presidente Kagame, e com o presidente da RDC.
E, apesar de parecer uma questão subregional, deveria também estar a União Africana (UA) a trabalhar neste processo. Teríamos assim claramente uma medida mais eficaz, uma resolução, uma pacificação no quadro deste conflito.
DW África: O líder congolês, Félix Tshisekedi, afirmou que uma guerra entre a RDC e o Ruanda "é possível". Na semana passada Kagame disse que o Ruanda está "pronto para lutar". Quais as implicações de uma guerra pode ter na região?
DS: Uma guerra entre o RDC e o Ruanda afeta Angola, a República do Congo, afeta todos os países que fazem parte desta região. E, haverá com certeza, para os países que têm alguma estabilidade, maior pressão em termos de deslocação dos refugiados - e isso não é bom para a região. Um conflito, uma guerra interestatal, seria um descalabro total e um retrocesso enorme em relação aos pequenos progressos que se assiste em alguns territórios desta região.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.