Um ano depois de terminar o mandato do Presidente Joseph Kabila, e com Kabila ainda no poder, observadores temem escalada de violência na RD Congo. Dizem ainda que é preciso começar a pensar em alternativas a sanções.
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Se o Papa reza por um país é porque a situação é grave. Há semanas, Francisco orou pela República Democrática do Congo, afirmando que é necessário plantar no país a "semente da paz". Mas, na RDC, prossegue o braço-de-ferro entre o Presidente Joseph Kabila e oposição.
Esta terça-feira, 19 de dezembro, os opositores pretendem voltar às ruas para protestar contra o chefe de Estado, Joseph Kabila. É uma data simbólica: a 19 de dezembro de 2016, Kabila deveria ter deixado a Presidência, após cumprir dois mandatos. A Constituição não permite um terceiro. Mas Kabila continua no poder. O Presidente pode manter-se cargo até que um sucessor tome posse e novas eleições tardam a chegar. As presidenciais deveriam ter tido lugar em novembro do ano passado, mas o Governo congolês já as adiou várias vezes.
Medo de violência
É uma "tática dilatória à congolesa", critica o analista Gregor Jaecke, da Fundação Konrad Adenauer em Kinshasa, ligada à União Democrata-Cristã (CDU), partido conservador da chanceler alemã Angela Merkel. Jaecke acredita que os protestos previstos para terça-feira não serão muito diferentes dos de novembro, em que as forças de segurança usaram gás lacrimogénio para dispersar os manifestantes e várias pessoas foram detidas. Segundo a Igreja Católica congolesa, mais de cinquenta pessoas foram mortas em manifestações entre abril e outubro, e mais de 100 ficaram feridas. A organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch acusou o Governo de recrutar antigos milicianos para reprimir manifestações.
Aproximam-se "dias turbulentos" no Congo, alerta Phil Clark, da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. O politólogo avisa que, ao longo dos próximos seis a doze meses, "a oposição vai continuar a convocar protestos", que serão reprimidos de forma "violenta" pelas forças de segurança. "Creio que o receio de muitos congoleses é que isso leve à morte de muitos civis."
Novo adiamento?
A 23 de dezembro de 2018 deverão realizar-se novas eleições. A comunidade internacional tem pressionado Kinshasa para que assim seja e a Bélgica, antigo poder colonial, ofereceu-se para ajudar a financiar o escrutínio. No entanto, a oposição está farta de esperar e exige a Joseph Kabila que saia da Presidência até ao final de 2017.
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01:28
Os opositores temem um novo adiamento das eleições. "Depois da divulgação da data das eleições, a chamada 'Comissão Eleitoral Independente' esclareceu que ainda havia muitos obstáculos logísticos, financeiros e legais que poderiam influenciar o calendário", diz Gregor Jaecke. "Se já se enumeram razões para o não cumprimento da data, a questão que se coloca é se há realmente uma vontade séria de realizar eleições."
Sanções pouco eficazes
A União Europeia insiste na realização de eleições daqui a um ano. Simultaneamente, prolongou as sanções contra 16 membros do Governo de Kabila, interditados de viajar para a União Europeia e cujas contas deverão ser congeladas. O Presidente não ficou contente: "Querem influenciar a nossa política e impõem sanções completamente ilegítimas. A nosso ver, só o Conselho de Segurança das Nações Unidas tem competência para impor sanções contra Estados e funcionários estatais", disse o porta-voz do Executivo da RDC, Lambert Mende.
O politólogo congolês Bob Kabamba não acredita, porém, na eficácia das sanções. "A maioria dos políticos afetados não tem bens na Europa e não quer necessariamente viajar para território europeu", afirma Kabamba em entrevista à DW.
RDC: Medo de novos protestos violentos
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A oposição também não tem conseguido enfraquecer Kabila. Em fevereiro, morreu Etienne Tshisekedi, a cara mais conhecida da oposição ao Presidente. Nos últimos meses, falharam todas as tentativas de unir a oposição, segundo o politólogo Phil Clark. "Kabila enfraqueceu a oposição por meio das suas nomeações ministeriais e de outras estratégias". Até agora, não se sabe qual dos candidatos da oposição concorreria contra Kabila nas presidenciais.
Os analistas acreditam que o atual Presidente tentará ficar no cargo tanto tempo quanto possível. Por um lado, a família Kabila tem grandes interesses económicos, com participações na indústria mineira e nas telecomunicações, assim como latifúndios agrícolas. "Outro motivo é o medo, não infundado, de ser chamado à justiça no próprio país ou no Tribunal Penal Internacional", diz Gregor Jaecke, da Fundação Konrad Adenauer em Kinshasa. "Possivelmente, a comunidade internacional deveria perseguir este objetivo nas negociações. Só com sanções não se chegará a bom porto, se não se tematizar uma amnistia."
Mas o analista adverte que, se o braço-de-ferro entre o Governo e a oposição continuar, a situação na República Democrática do Congo pode agravar-se: "O Congo é um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento."
O dia-a-dia no leste do Congo
Há cinco anos, os rebeldes do M23 invadiram Goma, no leste da República Democrática do Congo. Na região multiplicavam-se os confrontos entre o grupo e o exército congolês e milícias de autodefesa. Hoje é muito diferente.
Foto: DW/Flávio Forner
Amanhece em Goma
Amanhece cedo em Goma, a capital de Kivu do Norte, no leste da RD Congo. As ruas enchem-se de comerciantes e do vaivém das motos. Esta é uma área de comércio junto à fronteira com o Ruanda. Muitos congoleses e ruandeses atravessam diariamente a fronteira para compras e trabalho. Goma vive um relativo clima de paz desde que o grupo rebelde de origem tutsi M23 foi desmantelado em 2013.
Foto: DW/Flávio Forner
Peixes do Lago Kivu
Ao nascer do sol, começa a azáfama em Goma. Nesta foto, mulheres colocam ao sol peixes frescos do Lago Kivu para preparar a refeição do dia num abrigo que acolhe crianças e adolescentes que estiveram envolvidos em grupos armados no leste do Congo. O abrigo fica num subúrbio de Goma, numa área populosa chamada Keshero.
Foto: DW/Flávio Forner
Trabalho de braços
O sol está a pique, mas o trabalho não pára. Junto à vila de Sake, trabalhadores retiram areia de um canteiro em redor da base militar da Missão de Paz das Nações Unidas na República Democrática do Congo, a MONUSCO. A vila de Sake, com uma população empobrecida, fica a uma hora (25km) a leste de Goma. Muitos dos seus habitantes dependem do comércio na cidade.
Foto: DW/Flávio Forner
Estrada de volta à vida
Estrada de terra que liga Goma a Kiwanja. Camiões cheios de trabalhadores e militares percorrem diariamente os 70km que separam as duas cidades. O trajeto demora em média quatro horas. Há menos de cinco anos, a estrada que corta a zona sul do Parque Nacional Virunga era extremamente perigosa devido aos ataques das milícias Mai-Mai e do grupo rebelde M23.
Foto: DW/Flávio Forner
Estradas esburacadas
Área rural junto à vila de Sake. As estradas que ligam as vilas e as cidades em Kivu do Norte estão esburacadas. Só veículos todo-o-terreno são capazes de passar por aqui, mesmo para trajetos curtos. Nesta foto, uma carrinha transporta passageiros e, no tejadilho, um homem aconchega-se entre um colchão e maços de folhas de mandioca que são vendidas em mercados em Goma.
Foto: DW/Flávio Forner
Fonte de sustento
Mulheres e crianças vendem folhas de mandioca na beira da estrada. A cidade de Kiwanja é circundada por áreas de cultivo de legumes. Muitas famílias dependem da venda de alimentos para garantir o seu sustento.
Foto: DW/Flávio Forner
Trabalho social
Militares do Batalhão de Operações Especiais da Guatemala, que integram a Missão de Paz da ONU no Congo, ajudam igrejas e centros comunitários na vila de Sake, a 25km de Goma. As crianças da vila recebem material escolar e brinquedos.
Foto: DW/Flávio Forner
Desnutrição infantil e materna
Bebés que sofrem de desnutrição são internados no Hospital Muungano La Résurrection, nos arredores de Goma. O hospital depende de doações e tem falta de medicamentos e suplementos alimentares. Muitas mães também estão desnutridas e chegam a ficar internadas dez dias.
Foto: DW/Flávio Forner
No hospital
Nos corredores do Hospital Panzi, em Bukavu, capital de Kivu do Sul. Fundado pelo conhecido ginecologista congolês Denis Mukwege, o hospital fica na zona de Ibanda e tornou-se uma referência no tratamento de vítimas de violência sexual e reparação de fístulas obstétricas. Desde que foi fundado em 1999, a equipa médica já tratou 85.000 pacientes, incluindo 50.000 vítimas de violência sexual.
Foto: DW/Flávio Forner
Festa no hospital
Este adolescente congolês vestiu-se a rigor para participar nas atividades culturais do Hospital Heal Africa, no centro de Goma. Esta foto foi tirada no Dia Internacional da Criança Africana (16 de junho). O hospital promoveu neste dia uma série de apresentações de dança e teatro.
Foto: DW/Flávio Forner
Publicidade "VIP"
Nas ruas de Bukavu, Kivu do Sul, destaca-se a publicidade de um cabeleireiro para homens. O 'Salon VIP' tem nas paredes uma pintura com o rosto de Patrice Lumumba (à esq.) e Nelson Mandela (à dir.). Mandela simbolizou a luta anti-apartheid na África do Sul; Lumumba foi o pai da independência do Congo Belga e primeiro-ministro do recém país independente, tendo sido assassinado em 1961.
Foto: DW/Flávio Forner
De volta da escola
De uniforme, Pierre de 7 anos exibe o seu manual escolar e uma garrafa de plástico que serve como estojo para guardar os lápis. Tinha acabado de regressar da escola e seguia a pé para a sua casa na pequena vila de Mumosho, no interior de Kivu do Sul. O ensino público no Congo não é gratuito. Para manter uma criança na escola, as famílias têm de conseguir pagar cerca de 300 dólares por ano.
Foto: DW/Flávio Forner
Curso para mulheres no interior
Mulheres participam em cursos de empreendedorismo na vila de Mumosho, a 50 minutos de Bukavu. Muitas sofreram violência doméstica e abriram agora o seu próprio negócio, ganhando dinheiro com atividades artesanais e agricultura. Os cursos são oferecidos pela organização Women for Women International, que também realiza sessões para homens da comunidade com debates sobre o respeito pelas mulheres.
Foto: DW/Flávio Forner
Futebol em Goma
Os congoleses amam futebol. Ao final da tarde, depois do trabalho, muitos reúnem-se em campos de terra batida em bairros próximos do centro de Goma para jogar partidas de futebol.
Foto: DW/Flávio Forner
Missão de Paz
Capacetes azuis da MONUSCO são responsáveis por patrulhar as ruas de Goma. Esta foto foi tirada no alto do Monte Goma, no centro da cidade. O Uruguai tem uma base militar no topo da colina, um ponto estratégico. Ao fundo fica o vulcão Nyiragongo, 20 km a norte da cidade - o vulcão mais ativo de África. A sua última erupção foi em 2002 e arrasou Goma.
Foto: DW/Flávio Forner
Uma geração de crianças de rua
Centenas de crianças de rua deambulam pelas ruas de Goma. Segundo os Médicos Sem Fronteiras (MSF), há mais de 2.000 crianças sem tecto, muitas delas perdidas ou abandonadas pelas famílias, que vivem de esmolas e roubos. De dia, vagueiam pelas ruas do centro e, de noite, abrigam-se em terrenos baldios ou debaixo dos buracos de esgoto das principais rotundas.
Foto: DW/Flávio Forner
Clínica móvel para crianças de rua
Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) têm uma clínica móvel, o 'Bobo Mobile', para atender os meninos órfãos ou que foram expulsos de casa. "Goma é um hub humanitário, mas surpreendeu-me que não havia nenhum projeto dedicado às crianças de rua", disse Carla Melki, coordenadora deste projeto dos Médicos Sem Fronteiras na RDC (República Democrática do Congo).
Foto: DW/Flávio Forner
Inspiração para os mais novos
De farda e boina cobrindo os dreadlocks, o artista congolês Wanny S-king conversa com crianças de rua em Goma. O rapper costuma dedicar-lhes canções. Conhecido entre os mais novos, Wanny é dos poucos que, sem medo, lida diariamente com eles e faz concertos, divulgando uma mensagem de paz. Inspirados pelo rapper, muitos começaram a compor letras e sonham ter a sua própria banda.