RDC: Ituri lança apelo desesperado às autoridades
23 de julho de 2019É um alerta macabro, mas necessário, dirigido ao Governo. É desta forma que muitos congoleses descrevem os recentes protestos em Bunia, a capital da província de Ituri, no leste da República Democrática do Congo (RDC). Na semana passada, cinco corpos decapitados foram encontrados em Mwanga, perto da capital provincial. As vítimas pertenciam todas à mesma família. Exibindo a cabeça de uma das vítimas – segundo vídeos cuja autenticidade ainda não foi oficialmente verificada – jovens saíram à rua, pedindo medidas concretas ao Governo contra o derramamento de sangue.
Nos últimos meses, Ituri vive num constante estado de insegurança. Grupos de direitos humanos dizem que rebeldes controlam vastas áreas e instigam o medo entre a população. Os conflitos entre diferentes grupos rebeldes e forças de segurança do Estado têm sido frequentes nos últimos 20 anos.
De acordo com ativistas dos direitos humanos, mais de 60 mil pessoas, na maioria, civis, foram mortas nos confrontos, onde a ação dos grupos armados se junta às divisões étnicas entre os Hema e os Lendu. Em meados de junho, o aumento da violência levou milhares de pessoas a abandonar as suas casas e a encontrar refúgio em campos de deslocados internos e no vizinho Uganda.
Governo fala em exagero
A insegurança levou ao desespero dos habitantes que protestam nas ruas da província para pedir ao Governo central, em Kinshasa, capital do país, que tome medidas concretas.
"Eu entendo que há razão para o cansaço das pessoas, cansaço moral e psicológico face à violência contínua contra não-combatentes e contra civis", diz o diretor da Fundação dos Médicos Sem Fronteiras, Jean Hervé Bradol, que organizou em março um simpósio sobre a violência extrema na RDC, Ruanda e Síria. "Há resiliência, porque apesar do terror, as pessoas têm a vida quotidiana, há pragmatismo, mas também há pessoas que não saem de casa por causa da violência".
No entanto, apesar do grito de socorro da população, ao ponto de jovens exibirem uma cabeça decapitada durante um protesto, as autoridades de Kinshasa, a 3 mil quilómetros de Ituri, não parecem dispostas a agir. Há três semanas, numa visita à província, o Presidente Felix Tshisekedi declarou a situação de segurança sob controlo. O vice-primeiro-ministro Basile Olongo, responsável pela segurança interna, foi um dos políticos que acompanharam Tshisekedi nesta visita.
Em entrevista à DW, Olongo criticou as recentes notícias ligadas aos protestos: "Tem havido relatos exagerados dos acontecimentos em Ituri. Os vídeos que estão a ser partilhados nas redes sociais foram adulterados. Não me diga que há cabeças a andar pelas ruas”, afirmou. "Toda a gente está a falar de cabeças cortadas, mas ninguém fala dos deslocados internos que estão a voltar a casa". É um facto, disse o ministro à DW, que a situação está a melhorar.
Sociedade civil incrédula
A reação da sociedade civil às declarações dos dirigentes políticos não tardou a surgir, com críticas ao Governo pelo que ativistas e ONGs descrevem como desprezo pela população local. "A única coisa que temos estado a pedir, há anos, é que o Governo proteja os civis de Ituri, mas nada aconteceu", diz Dieudonne Lossadhekana, coordenador interino da sociedade civil de Ituri.
Quando o ministro fala de vídeos falsos, levanta-se a questão da sabotagem dos interesses e direitos do povo de Ituri, argumenta: "Um Estado que que fala de vídeos falsos quando as pessoas estão a morrer é algo chocante".
Para o analista político congolês Jean Claude Mputu, "o Congo tem na sua liderança homens e mulheres que não se importam com o que acontece com o seu povo, que estão no poder apenas para defender os seus interesses e que vivem longe do sofrimento e da miséria da população".
"É insuportável que se continue a massacrar as pessoas, que os jovens possam demonstrar a sua revolta com uma cabeça decapitada e que possa haver um silêncio culpado de mais altas autoridades, é simplesmente inimaginável", afirma.