Reuters | Eric Topona | Friederike Müller-Jung | nn
6 de julho de 2018
Violações em grupo, episódios de canibalismo e civis desmembrados. O cenário de terror na província de Kasai, na República Democrática do Congo, é denunciado por investigadores das Nações Unidas. Governo promete agir.
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A província de Kasai, que fica na fronteira da República Democrática do Congo (RDC) com Angola, está a ser palco de um massacre, segundo um relatório de investigadores das Nações Unidas citado pela agência de notícias Reuters.
O relatório, apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, inclui testemunhos de rapazes obrigados a violar as próprias mães ou casos de meninas forçadas a prostituírem-se para sobreviver. As mulheres que resistem são executadas.
O documento adianta que alguns militares usam genitais femininos como medalhas ao pescoço. Outras testemunhas contam ter visto pessoas a cortar, cozinhar e a comer carne humana. Os grupos armados entram impiedosamente nas vilas e executam populações inteiras. Os cadáveres são depois deixados em valas comuns.
Atacantes: milícias e Exército
Tshiamala Biaya é ativista e responsável do Centro de Direitos Humanos em Kasai e depara-se diariamente com atrocidades.
"Em Kasai Oriental, os corpos são encontrados em todo o lado, aqui e acolá. Os defensores dos direitos humanos que descobrem esses corpos são ameaçados", afirma Biaya.
"Esses acontecimentos relatados [pelo relatório] acontecem entre a população autóctone e o exército. A polícia, que é o carrasco da população, não quer saber se existe um sítio onde se encontraram corpos ou que se descobriu algo que é suspeito."
A equipa de peritos das Nações Unidas que monitoriza o conflito em Kasai garante que todas as partes envolvidas são responsáveis por crimes de guerra. A milícia Kamuina Nsapu, o grupo armado Bana Mura e as forças governamentais congolesas, comandadas pelo Presidente Joseph Kabila, são os autores materiais das atrocidades relatadas.
"Os abusos não ficarão impunes"
A ministra congolesa dos Direitos Humanos garante, no entanto, que a situação acalmou.
"A violência diminuiu significativamente", diz. "É verdade que existem alguns elementos indisciplinados das Forças Armadas da RDC e da polícia que cometeram abusos. Mas isso não significa que toda a polícia nacional e todos os membros das FARDC [Forças Armadas da República Democrática do Congo] sejam apenas bandidos. Aqueles que são culpados destes abusos já estão a ser processados pela Justiça militar. Os abusos não ficarão impunes".
O Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos expressou esta semana preocupação com a deterioração das condições de segurança na RDC.
Zeid Ra'ad al-Hussein sublinhou o impacto dramático que a violência exerce sobre a população e, simultaneamente, levantou dúvidas sobre a credibilidade do processo eleitoral marcado para 23 de dezembro, devido aos relatos de repetidas ameaças à liberdade de expressão e detenção de opositores.
Estima-se que pelo menos cinco mil pessoas foram mortas na província de Kasai desde 2016. O conflito já fez 1,4 milhões de refugiados, segundo a organização não-governamental Human Rights Watch.
Angola: Congoleses denunciam horrores vividos
A província da Lunda Norte, em Angola, está a acolher diariamente centenas de congoleses que continuam a fugir à violência na região do Kasai, na República Democrática do Congo.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Mais de um milhão de deslocados
Estima-se que, pelo menos, 3.300 pessoas tenham já morrido na sequência do conflito que, desde agosto de 2016, se tem desenrolado nas região do Kasai e Kasai Central, na República Democrática do Congo, (RDC). 1,3 milhões de congoleses foram obrigados a fugir da região devido à violência da milícia Kamuina Nsapu.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Millhares no Campo de Kakanda
Germaine Alomba tem 29 anos e é uma das congolesas que conseguiu atravessar a fronteira rumo a Angola, estando abrigada, atualmente, no centro provisório de Kakanda. Como ela, cerca de 30 mil congoleses estão refugiados em Angola. A este campo chegam, todos os dias, cerca de 500 pessoas, muitas delas transportadas em camiões e autocarros cedidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Acusações a Kabila
Segundo as autoridades católicas no Congo, já foram encontradas mais de 40 valas comuns na região do Kasai. Congoleses em Angola ouvidos pela DW África, revelam que a violência contínua tem sido alimentada pelo Governo de Kabila. "[Ele] está a organizar uma guerra, está a entregar armas aos civis para matar a população. O sofrimento neste momento é muito", denuncia Jimba Kuna, um dos refugiados.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Familiares desaparecidos
Odia Rose é outra das vítimas deste conflito. A sua filha adolescente, de 15 anos, desapareceu quando ambas tentavam fugir à violência no seu país. Hoje, conta à DW, "reza todos os dias para a reencontrar com vida".
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Repetem-se as atrocidades
Mbumba-Ntumba é o espelho das atrocidades que sucedem na região do Kasai. "Estava em minha casa e um grupo de pessoas entrou e começou a bater-me. Cortaram o meu braço com uma catana e bateram-me na cabeça", contou em entrevista à DW África o congolês de 65 anos. Ntumba foi resgatado inconsciente por voluntários da Cruz Vermelha que o levaram até à fronteira com Angola.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Violência sem fim
As atrocidades não ficam por aqui. Recentemente, o Conselho de Direitos Humanos da ONU voltou a enviar peritos para a região para investigar as denúncias de abusos, incluindo decapitações. Há relatos de refugiados que contam que foram forçados a enterrar vítimas em valas comuns e que afirmam que as milícias terão atacado e mutilado bebés e crianças.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Crianças sozinhas
Dados da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) indicam que mais da metade dos deslocados são menores e que, em muitas ocasiões, foram separados dos seus pais e familiares - como é o caso das quatro crianças na fotografia, atualmente refugiadas no Campo em Kakanda, Angola.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Aulas de Língua Portuguesa
Tanto no Campo de Mussunga, onde se encontram alguns refugiados, como em Kakanda, onde está a maioria, foram criadas escolas improvisadas onde é ensinada às crianças a língua portuguesa.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Necessária mais ajuda
Em Angola, os centros de acolhimento improvisados estão já sobrelotados. Em entrevista à DW África, o bispo da diocese da Lunda Norte, Estanislau Chindecasse, explicou que é necessária “mais ajuda para que as pessoas possam ter, pelo menos, duas ou três refeições. O que estamos a fazer é o mínimo, porque não há outras possibilidades”, deu conta.