Conflito no leste da RDC domina campanha eleitoral
Philipp Sandner
11 de dezembro de 2023
O conflito na província do Kivu do Norte é o principal tema da campanha eleitoral para as eleições presidenciais de 20 de dezembro. Nos bastidores, as atenções estão voltadas para a formação de alianças políticas.
Publicidade
Os obstáculos à realização de eleições livres e justas na República Democrática do Congo (RDC) são grandes. Isto porque as condições para as eleições agendadas para 20 de dezembro não são as ideais.
A dimensão do país - com mais de dois milhões de quilómetros quadrados - e problemas com as infraestruturas - como por exemplo as más condições das estradas - dificultam o processo. O recenseamento dos eleitores ou a distribuição dos documentos e urnas de voto pelas diferentes regiões, que é algo demorado em qualquer país, exige ainda mais tempo na RDC.
No entanto, numa entrevista recente à DW, a Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) mostra-se otimista.
"Se Deus quiser, vai correr tudo bem. Afinal de contas, todos os candidatos presidenciais estão a fazer as suas campanhas. E até agora, não vimos nenhum obstáculo de maior que pudesse levar a que as eleições não se realizassem", garantiu Didi Manara Linga, vice-presidente da comissão eleitoral.
Leste como prioridade
De repente, as províncias do leste da RDC, palco de conflitos armados há décadas, passaram a merecer toda a atenção da classe política. Vários candidatos presidenciais lançaram a sua campanha eleitoral na província de Kivu do Norte, realizando comícios em cidades como Goma, Beni e Butembo. O conflito tornou-se o tema da campanha eleitoral.
Moïse Katumbi, visto como um dos mais fortes concorrentes do Presidente Félix Tshisekedi, promete trazer a paz ao leste em seis meses. Também o seu concorrente e Prémio Nobel da Paz, Denis Mukwege, afirma que levar a paz ao leste do país é a prioridade máxima. "Vamos acabar com a guerra", escreveu Mukwege na plataforma X, antigo Twitter, após a sua visita ao Beni e Goma.
O grupo rebelde M23 ("Movimento 23 de março"), que a ONU e outras fontes dizem ser apoiado pelo vizinho Ruanda, controla neste momento os territórios de Masisi e Rutshuru no Kivu do Norte - motivo pela qual não se realizarão eleições nestes territórios.
Em entrevista à DW, o analista político Onesphore Sematumba, afirma que o foco dos candidatos presidenciais nesta região é bastante contraditório.
"Isto é paradoxal, porque estes territórios estão excluídos do processo eleitoral por causa da insegurança e da presença do M23. Mas são precisamente estes dois territórios que estão em destaque no debate."
Também conhecido por Fatshi, o Presidente Felix Tshisekedi justifica a exclusão dos cerca de um milhão de eleitores elegíveis nestes territórios com a necessidade de realizar as eleições dentro do calendário previsto.
"Tudo gira à volta desta incerteza relativa ao M23. O resto está a ser esquecido - não há programa, não se fala em objetivos, e mesmo para um Presidente que está no poder há cinco anos, não se fala de fazer um balanço”, lamenta Onesphore Sematumba.
De facto, e apesar das inúmeras tentativas de organizar apoio externo, o Presidente Félix Tshisekedi não conseguiu pôr fim ao conflito durante os seus cinco anos de mandato.
A missão da ONU no país, conhecida como MONUSCO, há muito que perdeu a confiança da população e assinou um acordo de retirada no final de novembro. E o mandato das tropas da Comunidade da África Oriental expirou a 8 de dezembro, a pedido de Tshisekedi.
Nestas eleições, há uma dinâmica diferente. Enquanto nas anteriores, vários líderes proeminentes da oposição foram impedidos de concorrer, nestas o objetivo de Tshisekedi foi, desde o início, "dispersar a oposição”.
"Foi por isso que o sistema permitiu a participação de todos os candidatos. Quanto mais houver, melhor", explica Sematumba.
O mesmo analista acrescenta que o próprio Tshisekedi "assegurou uma espécie de controlo geográfico do país ao aliar-se a pessoas que são vistas como pesos pesados da política nas suas regiões”. São exemplos Jean-Pierre Bemba, que tem uma forte base no norte, Vital Kamerhe e outros do Kivu do Norte e o seu primeiro-ministro Sama Lukonde de Katanga.
As eleições de 20 de dezembro têm ainda um elemento surpresa: não está prevista a realização de uma segunda volta. Ou seja, uma ligeira vantagem pode ser suficiente para garantir a presidência.
O dia-a-dia no leste do Congo
Há cinco anos, os rebeldes do M23 invadiram Goma, no leste da República Democrática do Congo. Na região multiplicavam-se os confrontos entre o grupo e o exército congolês e milícias de autodefesa. Hoje é muito diferente.
Foto: DW/Flávio Forner
Amanhece em Goma
Amanhece cedo em Goma, a capital de Kivu do Norte, no leste da RD Congo. As ruas enchem-se de comerciantes e do vaivém das motos. Esta é uma área de comércio junto à fronteira com o Ruanda. Muitos congoleses e ruandeses atravessam diariamente a fronteira para compras e trabalho. Goma vive um relativo clima de paz desde que o grupo rebelde de origem tutsi M23 foi desmantelado em 2013.
Foto: DW/Flávio Forner
Peixes do Lago Kivu
Ao nascer do sol, começa a azáfama em Goma. Nesta foto, mulheres colocam ao sol peixes frescos do Lago Kivu para preparar a refeição do dia num abrigo que acolhe crianças e adolescentes que estiveram envolvidos em grupos armados no leste do Congo. O abrigo fica num subúrbio de Goma, numa área populosa chamada Keshero.
Foto: DW/Flávio Forner
Trabalho de braços
O sol está a pique, mas o trabalho não pára. Junto à vila de Sake, trabalhadores retiram areia de um canteiro em redor da base militar da Missão de Paz das Nações Unidas na República Democrática do Congo, a MONUSCO. A vila de Sake, com uma população empobrecida, fica a uma hora (25km) a leste de Goma. Muitos dos seus habitantes dependem do comércio na cidade.
Foto: DW/Flávio Forner
Estrada de volta à vida
Estrada de terra que liga Goma a Kiwanja. Camiões cheios de trabalhadores e militares percorrem diariamente os 70km que separam as duas cidades. O trajeto demora em média quatro horas. Há menos de cinco anos, a estrada que corta a zona sul do Parque Nacional Virunga era extremamente perigosa devido aos ataques das milícias Mai-Mai e do grupo rebelde M23.
Foto: DW/Flávio Forner
Estradas esburacadas
Área rural junto à vila de Sake. As estradas que ligam as vilas e as cidades em Kivu do Norte estão esburacadas. Só veículos todo-o-terreno são capazes de passar por aqui, mesmo para trajetos curtos. Nesta foto, uma carrinha transporta passageiros e, no tejadilho, um homem aconchega-se entre um colchão e maços de folhas de mandioca que são vendidas em mercados em Goma.
Foto: DW/Flávio Forner
Fonte de sustento
Mulheres e crianças vendem folhas de mandioca na beira da estrada. A cidade de Kiwanja é circundada por áreas de cultivo de legumes. Muitas famílias dependem da venda de alimentos para garantir o seu sustento.
Foto: DW/Flávio Forner
Trabalho social
Militares do Batalhão de Operações Especiais da Guatemala, que integram a Missão de Paz da ONU no Congo, ajudam igrejas e centros comunitários na vila de Sake, a 25km de Goma. As crianças da vila recebem material escolar e brinquedos.
Foto: DW/Flávio Forner
Desnutrição infantil e materna
Bebés que sofrem de desnutrição são internados no Hospital Muungano La Résurrection, nos arredores de Goma. O hospital depende de doações e tem falta de medicamentos e suplementos alimentares. Muitas mães também estão desnutridas e chegam a ficar internadas dez dias.
Foto: DW/Flávio Forner
No hospital
Nos corredores do Hospital Panzi, em Bukavu, capital de Kivu do Sul. Fundado pelo conhecido ginecologista congolês Denis Mukwege, o hospital fica na zona de Ibanda e tornou-se uma referência no tratamento de vítimas de violência sexual e reparação de fístulas obstétricas. Desde que foi fundado em 1999, a equipa médica já tratou 85.000 pacientes, incluindo 50.000 vítimas de violência sexual.
Foto: DW/Flávio Forner
Festa no hospital
Este adolescente congolês vestiu-se a rigor para participar nas atividades culturais do Hospital Heal Africa, no centro de Goma. Esta foto foi tirada no Dia Internacional da Criança Africana (16 de junho). O hospital promoveu neste dia uma série de apresentações de dança e teatro.
Foto: DW/Flávio Forner
Publicidade "VIP"
Nas ruas de Bukavu, Kivu do Sul, destaca-se a publicidade de um cabeleireiro para homens. O 'Salon VIP' tem nas paredes uma pintura com o rosto de Patrice Lumumba (à esq.) e Nelson Mandela (à dir.). Mandela simbolizou a luta anti-apartheid na África do Sul; Lumumba foi o pai da independência do Congo Belga e primeiro-ministro do recém país independente, tendo sido assassinado em 1961.
Foto: DW/Flávio Forner
De volta da escola
De uniforme, Pierre de 7 anos exibe o seu manual escolar e uma garrafa de plástico que serve como estojo para guardar os lápis. Tinha acabado de regressar da escola e seguia a pé para a sua casa na pequena vila de Mumosho, no interior de Kivu do Sul. O ensino público no Congo não é gratuito. Para manter uma criança na escola, as famílias têm de conseguir pagar cerca de 300 dólares por ano.
Foto: DW/Flávio Forner
Curso para mulheres no interior
Mulheres participam em cursos de empreendedorismo na vila de Mumosho, a 50 minutos de Bukavu. Muitas sofreram violência doméstica e abriram agora o seu próprio negócio, ganhando dinheiro com atividades artesanais e agricultura. Os cursos são oferecidos pela organização Women for Women International, que também realiza sessões para homens da comunidade com debates sobre o respeito pelas mulheres.
Foto: DW/Flávio Forner
Futebol em Goma
Os congoleses amam futebol. Ao final da tarde, depois do trabalho, muitos reúnem-se em campos de terra batida em bairros próximos do centro de Goma para jogar partidas de futebol.
Foto: DW/Flávio Forner
Missão de Paz
Capacetes azuis da MONUSCO são responsáveis por patrulhar as ruas de Goma. Esta foto foi tirada no alto do Monte Goma, no centro da cidade. O Uruguai tem uma base militar no topo da colina, um ponto estratégico. Ao fundo fica o vulcão Nyiragongo, 20 km a norte da cidade - o vulcão mais ativo de África. A sua última erupção foi em 2002 e arrasou Goma.
Foto: DW/Flávio Forner
Uma geração de crianças de rua
Centenas de crianças de rua deambulam pelas ruas de Goma. Segundo os Médicos Sem Fronteiras (MSF), há mais de 2.000 crianças sem tecto, muitas delas perdidas ou abandonadas pelas famílias, que vivem de esmolas e roubos. De dia, vagueiam pelas ruas do centro e, de noite, abrigam-se em terrenos baldios ou debaixo dos buracos de esgoto das principais rotundas.
Foto: DW/Flávio Forner
Clínica móvel para crianças de rua
Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) têm uma clínica móvel, o 'Bobo Mobile', para atender os meninos órfãos ou que foram expulsos de casa. "Goma é um hub humanitário, mas surpreendeu-me que não havia nenhum projeto dedicado às crianças de rua", disse Carla Melki, coordenadora deste projeto dos Médicos Sem Fronteiras na RDC (República Democrática do Congo).
Foto: DW/Flávio Forner
Inspiração para os mais novos
De farda e boina cobrindo os dreadlocks, o artista congolês Wanny S-king conversa com crianças de rua em Goma. O rapper costuma dedicar-lhes canções. Conhecido entre os mais novos, Wanny é dos poucos que, sem medo, lida diariamente com eles e faz concertos, divulgando uma mensagem de paz. Inspirados pelo rapper, muitos começaram a compor letras e sonham ter a sua própria banda.