O Presidente angolano propôs um "acordo de paz duradoura" para o conflito no leste da RDC. Analista acredita que a credibilidade de João Lourenço é crucial para o sucesso desta iniciativa, mas adverte para alguns riscos.
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O Presidente angolano, João Lourenço, apresentou recentemente uma nova proposta de "acordo de paz duradoura" destinada a ser analisada pelo Ruanda e pela República Democrática do Congo (RDC). Esta iniciativa insere-se nos esforços de Angola para mediar o conflito no leste da RDC, que tem sido palco de intensas tensões e violência, envolvendo grupos armados, como os rebeldes do M23, apoiados pelo Ruanda, e disputas por recursos minerais.
Em entrevista à DW África, o investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, Eugénio Costa Almeida, avalia a iniciativa angolana, destacando o potencial do acordo para trazer estabilidade, mas alertando para a necessidade de boa vontade das partes envolvidas. Costa Almeida sublinha que o respeito internacional por João Lourenço e a capacidade de Angola em influenciar as partes são pontos a favor para a implementação do acordo.
DW África: Como avalia a proposta de "acordo de paz duradoura" apresentada pelo Presidente angolano João Lourenço? Quais seriam os principais desafios para sua implementação, considerando o histórico na região?
Eugénio Costa Almeida (ECA): Na minha perspetiva, o acordo de paz assinado a 30 de julho e que entrou em vigor a 4 de agosto - e que parece ter, inclusivamente, a anuência do M23, porque pararam os conflitos - tem todas as condições para ser [bem sucedido].
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DW África: O que distingue essa proposta de acordos anteriores? Quais seriam os sinais de sucesso?
ECA: O acordo propriamente dito não foi disponibilizado, mas não me parece que haja diferenças substanciais de acordos anteriores. Talvez alguns [pontos] tenham sido limados, mas não me parece que haja diferenças substanciais.
DW África: Qual é a sua visão sobre o papel de Angola e as motivações por trás dessa mediação? Angola tem capacidade de influenciar positivamente as partes?
ECA: Sim, enquanto país, Angola tem capacidade para influenciar as partes. O Presidente João Lourenço, enquanto mediador oficial da União Africana, tem mostrado capacidade para ser mediador. Pode não ter mostrado capacidade para mediar os conflitos sociais internos no seu país - isso é outra questão - mas, internacionalmente, João Lourenço é respeitado.
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Nesse ponto de vista, ele tem conseguido levar as coisas a bom termo. Agora, é preciso ver uma coisa: não basta haver boa vontade do mediador se não houver a mesma boa vontade das duas partes, neste caso, Kinshasa e Kigali.
DW África: A credibilidade de João Lourenço é suficiente para ganhar a confiança do Ruanda e da RDC?
ECA: É mais do que suficiente. Se não fosse suficiente, se Angola não fosse respeitada, o acordo teria morrido passado um a dois dias. Já vamos hoje no dia 13 e, que se saiba, não há conflitualidade na área, pelo menos visível.
DW África: Quais são os riscos e recompensas para Angola para o sucesso ou fracasso do acordo de paz?
ECA: [Se for bem sucedida], Angola travaria um conflito entre um país pequenino, mas que tem boas Forças Armadas e um desenvolvimento económico credível, e um país que é um mosaico muito partido, cujas Forças Armadas são deficientes, a que sempre se chamou de "jacaré adormecido". A nós, enquanto países mais pequenos, não nos convém muito que o jacaré acorde, mas também não nos convém que o jacaré esteja muito ferido, pois se acorda demasiado ferido, é um perigo.
Em termos de reputação, a política externa angolana torna-se ainda mais forte, ainda mais reconhecida externamente, e os seus dirigentes serão mais facilmente chamados para dirimir todas essas questões.
Um dos riscos é a fuga de pessoas para Angola, refugiados. Uma coisa é certa: se este plano não der certo, ou, mais grave ainda, se ficar totalmente estilhaçado, não será só o M23 que "voltará à carga" em termos de combate, se me é permitida a expressão. Todos os outros grupos e grupelhos que têm estado adormecidos vão também aproveitar esta situação de fragilidade do poder de Kinshasa para voltar a atacar.
Congoleses em fuga de Angola: RDC promete retaliação
Mais de 270 mil congoleses foram obrigados a abandonar Angola. Em retaliação, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês deu dois meses aos angolanos ilegais para abandonarem a RDC. ACNUR teme nova crise humanitária.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Ao ritmo de 1.000 imigrantes por hora
Imigrantes congoleses chegam à localidade fronteiriça de Kamako, já do lado da República Democrática do Congo (RDC), ao ritmo de 1.000 pessoas por hora. Mais de 270 mil imigrantes ilegais congoleses foram obrigados a abandonar Angola, após um decreto do Presidente João Lourenço que visa acabar com a imigração ilegal no país, sobretudo nas regiões diamantíferas das Lundas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
RDC promete retaliação
O Governo em Kinshasa utiliza o termo "expulsos" quando se refere aos imigrantes que Angola diz estarem a "sair de forma voluntária" do país. Como represália, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês definiu um prazo de dois meses para que todos os angolanos em situação irregular saiam da RDC. A tensão levou os Governos e representações diplomáticas dos dois países a iniciarem conversações.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Detidos com documentos angolanos falsos
Em colaboração com o ACNUR e com organizações não-governamentais, as autoridades congolesas estão a vigiar a pente fino as entradas no país. Entre os cidadãos obrigados a abandonar Angola, há portadores de documentação da nação vizinha. Porém, o porta-voz da "Operação Transparência" anunciou a detenção de imigrantes com "documentos angolanos falsos" que serão julgados em Luanda.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Congoleses dedicavam-se ao garimpo ilegal
O comandante da Polícia Nacional de Angola, António Bernardo, garante que os imigrantes que estão a abandonar o país "não se coíbem de dizer" que se deslocaram para Angola "para ganhar dinheiro na exploração ilegal de diamantes". Com o encerramento das cooperativas e casas ilegais de venda e compra de pedras preciosas, "os imigrantes decidiram voluntariamente sair do país", diz o responsável.
Foto: Reuters/G. Paravicini
ACNUR não confirma mortes
Apesar das denúncias de mortes e maus-tratos perpetrados por agentes da Polícia Nacional de Angola, no âmbito da "Operação Transparência", o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) não confirma essas informações "por falta de dados". Philippa Candler, representante do ACNUR em Angola, diz que os imigrantes estão a sair de Angola pelo próprio pé, mas sob pressão do Governo.
Foto: Omotola Akindipe
Cerca de 35 mil refugiados legais em Angola
Dados do ACNUR indicam que há 35 mil refugiados legais em Angola. Estão, sobretudo, na Lunda Norte, inseridos num assentamento em Lóvua ou distribuídos pelas povoações. No entanto, a ONU denunciou a expulsão de 50 migrantes com estatuto de refugiados. O ACNUR está a verificar a informação. A escalada do conflito tribal no Kasai levou milhares de congoleses a procurar refúgio fora de portas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
A pé ou à boleia de motorizadas e bicicletas
Os migrantes congoleses que estão em viagem de regresso ao país de origem escolheram vários meios para fazê-lo. Alguns aceitaram a ajuda do Governo angolano que disponibilizou camiões para transportar os congoleses até à fonteira. Outros preferem fazê-lo pelo próprio pé ou socorrendo-se de bicicletas e motorizadas. Consigo carregam os seus pertences.
Foto: Reuters/G. Paravicini
De regresso às antigas rotinas
Ainda em viagem, mulheres e crianças lavam roupas nas margens do rio junto à localidade de Kamako, na província de Kasai. O objetivo é regressarem às suas povoações outrora ameaçadas ou reiniciarem uma nova vida longe da sua última morada na RDC. No entanto, a situação nesta província congolesa é instável. A falta de infraestruturas está também a preocupar as Nações Unidas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Nova crise humanitária iminente
A ONU expressou preocupação sobre a saída forçada de Angola nas últimas semanas de centenas de milhares de cidadãos. Para as Nações Unidas, as "expulsões em massa" são "contrárias às obrigações" da Carta Africana e, por isso, exortou os Governos em Luanda e em Kinshasa a trabalharem juntos para garantirem um "movimento populacional" seguro e evitarem uma nova crise humanitária.