Cabo Delgado: Dinheiro para calar comunidades descontentes?
12 de setembro de 2025
Há cidadãos que acusam a multinacional francesa do gás de trazer a guerra para o norte de Moçambique e de dividir as comunidades. A 5 de setembro, as comunidades de Palma, em reunião com uma delegação da Procuradoria-Geral de República (PGR), teceram duras críticas à TotalEnergies que explora gás na região. Mas antes disso, em evento semelhante, outras comunidades também manifestaram semelhante desagrado.
As lideranças locais chegam a culpar a multinacional francesa pela sua desgraça. "Outra coisa que nos está a criar conflito perante a empresa Total, enquanto população, essa guerra de insurgência só aparece quando a Total chega a Palma. Até nós podemos determinar dizendo que esta guerra quem traz é a Total", critica um líder local.
Na reunião com a Associação dos Amigos e Naturais de Palma (ANAPAL), notou-se que o sentimento é generalizado nas comunidades. Outro líder vai pela mesma linha: "O grande problema que temos é com a empresa Total. A empresa Total veio nos dividir, nos dividiu entre Governo e comunidade".
Segurança é privilégio de poucos
As comunidades lembram que, antes da exploração do gás, praticavam as suas atividades e circulavam pela província sem nenhuma perturbação, mas hoje a paz foi sequestrada pelos insurgentes. A segurança hoje é privilégio de quem está dentro das fronteiras da TotalEnergies, mas as oportunidades de geração de renda estariam comprometidas, potenciando ao máximo a exclusão que estaria na origem da insurgência, alerta o pesquisador Borges Nhamire.
"Há estabilidade numa pequena zona e isso exclui o resto das pessoas que não estão dentro daquela zona verde beneficiária dos recursos. Não podem ir trabalhar lá, mesmo que seja para pequenos trabalhos de limpar o chão, de guarnecer ou cortar estacas, porque aquela zona está vedada", explica o investigador.
Segundo Borges Nhamire, "agora a situação vai ser pior ainda, porque até as empresas subcontratadas serão obrigadas a ficar dentro do acampamento. Mesmo quem tem uma pequena pousada já não tem como vender serviços de alojamento, porque estão no alojamento onde a segurança está reforçada, o que cria uma grande exclusão de benefícios, naquilo que é conhecido por local content."
Acordo com ADIN para cumprir Lei do Mecenato?
Uma escalada da insurgência certamente não beneficiaria a TotalEnergies. Coincidência ou não, poucos dias depois das queixas das comunidades, a multinacional assinou um memorando de entendimento com a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN), alocando 10 milhões de dólares para beneficiar as comunidades.
O diretor da ADIN, Jacinto Loureiro, explica que "esse valor vai ser servir para projetos que visam incrementar emprego nos jovens dos distritos de Palma e Mocímboa da Praia. É um projeto que vai incrementar o desenvolvimento destas duas regiões através de atividades que vão promover emprego, quer na área da agricultura, indústria, turismo, construção de estradas, que se vai empregar muitos jovens."
A multinacional opera no país na esteira da Lei do Mecenato, obrigando-a proporcionar benefícios às comunidades onde está inserida. Por exemplo, em 2021, deu duas clínicas móveis às comunidades afetadas pela insurgência e recentemente financiou a construção da estrada Quitunda-Senga, avaliada em cerca de 2,5 milhões de euros.
O presidente da ADIN louva este tipo de contribuições, referindo-se especificamente à doação dos 10 milhões: "Este valor reflete a intenção da Total de contribuir para o desenvolvimento destas regiões. Penso que este é o maior motivo e nós como ADIN agradecemos e temos a responsabilidade de fazer de tudo para que este valor seja empregue nas melhores condições, com transparência e dedicação."