Com lançamento previsto para novembro, o novo álbum de Bonga é um recado para Angola. Em entrevista à DW, ele fala sobre suas músicas e a saudade que sente de seu país.
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A "saudade” é uma das palavras mais presentes nas poesias de amor da língua portuguesa. E também o título de uma música brasileira que o cantor angolano Bonga traz para seu novo álbum: "Recados de Fora”. Pois, além de palavra, a saudade é o sentimento que o acompanha nos palcos dos continentes por onde tem passado, levando consigo as lembranças de Angola.
"Essa saudade está na alma, no mais profundo de nós próprios. Quando eu piso no palco, não estou a ver que estou em Nova Iorque, em Paris, ou em Londres; mas sim a representar o meu país, a minha tradição e a minha cultura”.
Aos 74 anos, a história de Bonga se entrelaça à história de seu país. A conhecida carreira musical de intervenção, que começa em 1972, ainda em Angola, para ele persiste apesar dos diferentes momentos históricos.
Críticas ao colonialismoO ícone da música angolana, nascido como José Adelino Barceló de Carvalho, foi forte crítico ao colonialismo português com canções de protesto no contexto das independências em África, em meados dos 70, e posteriormente ao seu próprio povo:
"Esses recados tem a ver com a continuidade de um artista, que é o Bonga, de intervenção sócio-política na minha terra. Por uma questão de coêrencia, eu disse aos meus patrícios de Angola que a Independência não foi para lutarmos irmão com irmão, mas sim enfrentarmos uma situação complicada porque temos petróleo, e com isso, os interesseiros vão para lá e mudam as diretrizes".
As primeiras canções de sua vida, ele aprendeu ainda na infância, com o pai pescador e também músico. Vivendo na Europa há mais de 30 anos, o cantor agora endereça recados aos angolanos com a publicação do novo álbum, que tem lançamento previsto para 04 de novembro.
Apesar dos diferentes momentos históricos, ele mantém-se crítico ao colonialismo e aos efeitos desse ainda hoje sentidos pelo povo africano. Por isso, as músicas que agora canta falam sobre diferentes tempos e continentes, mas com histórias que se passaram num mesmo lugar, num mesmo oceano:
"O oceano Atlântico fez com que as coisas transbordassem. De um lado, os escravos levados para outra margem. E, do outro lado, os que se vangloriaram como os descobridores - a 'super civilização' que nos educou, que nos transformou, mas que também nos pôs em perigo, a lutar uns com os outros”.
Influências
Como influências musicais, Bonga ouve do tango argentino às músicas de Ray Charles; mas para compor o novo álbum manteve-se fiel às suas raízes, aos ritmos de Angola. "São composições minhas, de música angolana, onde a base fundamental é o semba, com seu ritmo bem ritmado esfuziante. E ainda há aquela música 'nostalgicazinha', que o americano chama negro espiritual.”
A alegria e a melancolia que se alternam com as músicas de seu novo álbum, diz ele, tem a ver com a sua própria história de vida. Como seu último recado, o ícone da africanidade pós-colonial, termina por dizer que, para manter uma carreira musical de intervenção, é preciso mais do que apenas a música:
27.10. 2016 'Recados de Fora' - Bonga - MP3-Mono
"Firmar a sua personalidade e não se alinhar em jogadas obscuras, complicadas, partidos, seitas, preconceitos. É preciso ter firmeza nos propósitos, e cada um dos propósitos alinhado com qualquer coisa que seja forte, que tenha povo atrás e que esteja conosco. A partir daí não temos medo. Vamos em frente”.
Dez anos de paz em Angola
No dia 4 de Abril de a 2002 foi assinado o acordo de paz entre o governo do MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola - e a UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola - , as duas formações políticas que mais influência tinham e têm no país. Dez anos depois, o que como está o país em termos de democracia, desenvolvimento humano, económico e social?
Foto: AP
À terceira foi de vez
A 4 de abril de 2002, o chefe das forças armadas do governo do MPLA, General Armando da Cruz Neto (esq.), e o chefe do estado-maior da UNITA, General Abreu Muengo Ukwachitembo Kamorteiro, trocam o acordo de paz assinado na Assembleia Nacional, em Luanda. Foi o terceiro acordo entre estas duas frações da guerra civil em Angola depois de Bicesse (Portugal) em 1991 e Lusaka (Zâmbia) em 1994.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
Como tudo começou
A guerra começou com a luta contra o poder colonial. Em 1961 vários grupos lutaram contra os portugueses. O MPLA, apoiado pela ex-União Soviética e por Cuba foi um desses grupos, assim como a UNITA que, inicialmente, teve o apoio da China, e a FNLA que teve o apoio de Mobuto Sese Seko, na altura presidente do então Zaire. Na foto: soldados portugueses em Angola no ano de 1961.
Foto: AP
Guerra entre iguais
Após a saída dos portugueses e a independência formal, a 11 de novembro de 1975, os três movimentos de libertação MPLA, UNITA e FNLA entraram em conflito. O MPLA de orientação marxista contou com apoio soviético e cubano. A UNITA recebeu apoio dos Estados Unidos da América e de tropas sul-africanas.
Foto: picture-alliance/dpa
Refugiados de guerra
Segundo dados do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 600 mil angolanos refugiaram-se no estrangeiro e cerca de 4 milhões dispersaram-se pelas regiões do próprio país. Na fotografia: refugiados angolanos num acampamento próximo do Huambo no ano de 1999.
Foto: picture-alliance / dpa
Retirada dos soldados cubanos
O general cubano Samuel Rodiles, o general brasileiro Péricles Ferreira Gomes, chefe de um grupo de observadores da ONU e o general angolano Ciel Conceição, a 10 de janeiro de 1989 (da esq. a dt.). Dia em que os primeiros três mil soldados cubanos sairam do país. A retirada foi fixada num acordo assinado em 1988, entre a África do Sul, Cuba e Angola. Cuba orientava o MPLA militarmente desde 1975.
Foto: picture-alliance/dpa
Apoio da ex-República Democrática da Alemanha ao governo do MPLA
O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, visitou no dia 14 de outubro de 1981 o Muro de Berlim do lado da Alemanha Oriental (RDA). Na Porta de Brandemburgo, recebeu as saudações das tropas de fronteira da República Democrática da Alemanha do Tenente-General Karl-Heinz Drews.
Foto: Bundesarchiv
Primeira tentativa falhada em 1991 e 1992
Depois do acordo de paz de Bicesse (Estoril, Portugal) de 1991, realizaram-se as primeiras eleições presidências do país em 1992. O candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos, saiu vencedor, mas sem maioria absoluta na primeira volta. Jonas Savimbi, o líder da UNITA, não aceitou o resultado e nunca chegou a haver uma segunda volta das eleições. A guerra continuou.
Foto: dapd
Segunda tentativa falhada em 1994
Depois do acordo falhado de Bicesse (Portugal) de 1991, houve uma segunda tentativa em Lusaka, na Zâmbia, no ano de 1994. O presidente da Zâmbia, Frederick Chiluba (centro), levanta as mãos do presidente angolano, José Eduardo dos Santos (esq.), e do chefe do movimento de guerrilha UNITA, Jonas Savimbi. Eles celebram o protocolo de Lusaka, mas o país acabou por entrar novamente em guerra.
Foto: picture-alliance/dpa
A morte de Jonas Savimbi
Fevereiro de 2002: Jonas Savimbi, o líder da UNITA, é morto pelos soldados governamentais no leste de Angola. Com a morte da pessoa, que era considerada a mais carismática da oposição em Angola, abriu-se uma nova oportunidade para a paz.
Foto: AP
Paz sem satisfação
Desde 2011 jovens saem às ruas, um pouco por todo o país, para protestar contra os 32 anos de governo do MPLA. Exigem eleições livres e transparentes e o fim do governo de José Eduardo dos Santos. Na imagem: manifestantes em Benguela.
Foto: DW
Petróleo e pobreza
Após 10 anos de paz, petróleo e pobreza abundam no país. De acordo com as Nações Unidas, o petróleo representa 96% das exportações do país. No entanto, de acordo com o Banco Mundial, em 2010, uma em seis crianças morria nos primeiros cinco anos de vida e grande parte da população angolana continua a viver na pobreza. (Autora: Carla Fernandes; Edição: Johannes Beck)