Alguns cidadãos guineenses detidos em cadeias portuguesas permanecem indocumentados, não recebem visitas e não têm qualquer apoio jurídico. Embaixada da Guiné-Bissau em Lisboa diz estar a resolver a questão.
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O número de reclusos nas prisões portuguesas aumentou depois da submissão de Portugal às medidas de austeridade impostas pela comunidade internacional em 2011. No entanto, a situação de alguns dos detentos é considerada "preocupante", porque permanecem indocumentados e sem assistência jurídica, sobretudo os de origem estrangeira.
No caso dos reclusos de origem guineense, estes representam a terceira maior população nas cadeias portuguesas e "aumentaram com o desemprego [naquele período] da troika", afirmou à DW África José Carlos Baldé, presidente da Associação de Naturais e Amigos da Região de Bafatá (ANARBA). "A nossa preocupação é inteirarmo-nos da sua situação. Daí o nosso papel de ajudar na sua reintegração social", acrescentou.
O jurista guineense Carlos Pinto Pereira salienta que a falta de documentação está diretamente relacionada com o aumento dos reclusos. "Estão em Portugal indocumentados, numa situação precária que os leva a caírem mais facilmente na área, de facto, do crime organizado", comenta.
"Não tendo sequer habilitação para residência, acabam por não poder trabalhar e ter que viver de expedientes relacionados com atividades de pequena, média ou mesmo grande criminalidade", indica. "É o caso quando se envolvem no mundo da droga", exemplifica.
Embaixador "intimado"
Há três anos consecutivos que a ANARBA realiza visitas anuais às prisões autorizadas pela Direção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais de Portugal. É na sequência destas visitas que a associação propôs um encontro com Hélder Vaz, embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, para o informar dos problemas que enfrentam os reclusos que se queixam da "falta de apoio da embaixada".
"Não imaginávamos o que fomos encontrar nas cadeias. A prisão é cumprida por cinco a seis anos sem visitas. Não sabem o que fazer. Os estabelecimentos queixam-se de não haver cooperação", lamenta José Carlos Baldé.
Em entrevista à DW África, o embaixador Hélder Vaz confirma que, no ano passado, o corpo diplomático visitou alguns estabelecimentos prisionais, nomeadamente cadeias em Lisboa, Sintra e Linhó. Em todas elas, havia apenas um único funcionário que seguia os processos dos reclusos.
"Infelizmente esse funcionário já aqui não se encontra e nós temos limitações em termos de contratação. Nós não podemos ultrapassar os quatro funcionários de contratação local pagos pela embaixada", referiu. "Por isso é que nós decidimos propor à ANARBA que façamos uma parceria para que, enquanto associação de guineenses que se preocupa muito com estas questões de assistência aos reclusos, possa apoiar a embaixada a fazer a extensão da assistência aos cidadãos que estão em reclusão", disse.
A pandemia causada pelo novo coronavírus adiou a vinda a Portugal de uma missão parlamentar da Guiné-Bissau, que tinha incluídas na sua agenda visitas aos centros prisionais onde existem cidadãos detidos de origem guineense.
O diplomata admite que, ao abrigo dos instrumentos de cooperação judiciária entre os dois países, os processos de alguns dos reclusos poderão ser transferidos para a Guiné-Bissau. "Esta será uma decisão individual. Caso a caso, os defensores dos reclusos poderão avaliar quais são os instrumentos que podem ser mais úteis à defesa dos direitos dos seus constituintes", precisou.
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Embaixada poderia intervir mais
O jurista Carlos Pinto Pereira considera que a embaixada da Guiné-Bissau em Lisboa, mesmo com as limitações que tem, "pode fazer alguma coisa", a começar pelo apoio à regularização dos visados, de modo a saírem da situação de clandestinidade. Outra forma de apoio passaria pelo aconselhamento na procura de meios de subsistência para uma melhor inserção na sociedade.
"Esse caminho passa necessariamente por tentarem criar, sozinhos ou em grupo, atividades empresariais próprias em micro, pequenas e médias empresas, para que, de uma forma mais sustentável, se integrem na sociedade portuguesa", sugeriu.
Por outro lado, o advogado guineense considera que a embaixada pode providenciar "algum apoio legal, moral e social" aos condenados, pondo à sua disposição equipas de juristas nacionais a residirem em Portugal ou com nacionalidade portuguesa "que poderiam estar disponíveis para ajudar os seus compatriotas".
Estilistas africanas em Portugal cada vez mais empreendedoras
África está na moda. 40 anos depois das independências das ex-colónias, de onde vieram muitos imigrantes, alguns dos seus filhos, nascidos em Portugal ou naturalizados portugueses, afirmam-se como estilistas e criadores.
Foto: DW/J. Carlos
"Nónó", a pioneira
Quando em 1986 a guineense Leonor Delgado, mais conhecida por "Nónó" (à esq.), começou a produzir, em Portugal, roupas inspiradas nos trajes tradicionais africanos, ainda não estava em voga o interesse pelas produções inspiradas nos padrões dos tecidos oriundos de África. Quase 30 anos depois, são já muitas as criadoras que confecionam peças diversas e atraentes não só para o mercado português.
Foto: DW/J. Carlos
Roselyn Silva: aposta forte no destino
O espírito empreendedor, o suporte financeiro e a criatividade são determinantes para o sucesso. Mas as jovens que se lançaram neste desafio sabem que nem sempre é possível triunfar ou sobreviver no mercado europeu quando os principais consumidores são aliciados com uma vasta gama de ofertas. Ainda assim, Roselyn Silva, natural de São Tomé e Príncipe, desafiou o destino e apostou no seu sonho.
Foto: DW/J. Carlos
Londres foi rampa de lançamento
A jovem, formada em engenharia civil e amante do desporto, foi sempre uma rapariga de paixões. "O gosto pela moda sempre esteve visível desde pequenina", diz. Em 2013 começou a expor as suas criações no Facebook. Tudo começou como um passatempo, até que, por intermédio de uma amiga, fez uma apresentação em Londres. "As pessoas começaram a gostar do meu conceito". E os convites começaram a surgir.
Foto: DW/J. Carlos
Fusão afro-europeia
A opção pelos tecidos africanos é claramente indiscutível. No entanto, a estilista, que diz ser uma mulher moderna, não ficou presa ao conceito de traje tradicional. Por ter crescido na Europa desde os 8 anos, juntou o útil ao agradável, criando o seu próprio estilo, depois de ter percebido que este era uma mercado a explorar. Foi uma longa aventura, depois da sua primeira coleção.
Foto: DW/J. Carlos
Encomendas exclusivas
Do seu design também faz parte o estilo clássico. Como o acesso ao tecido africano era difícil, conseguia matéria-prima em pouca quantidade. Foi então que decidiu fazer peças exclusivas para encomendas exclusivas, inclusivé para homens, posicionando-se no mercado de gama luxo. Mas, adianta Roselyn Silva, a exclusividade também exige custos que compensem o investimento.
Foto: DW/J. Carlos
Tecidos importados de África
Hoje, no seu atelier num centro comercial localizado numa das ruas nobres da cidade de Lisboa, as peças são confecionadas manualmente por uma equipa de trabalho integrada por uma modista e uma costureira. Assim, tem acesso direto à produção e poupa nos custos, evitando subcontratar serviços. Os panos, de padrões africanos, são agora importados de Angola, Moçambique, Senegal e África do Sul.
Foto: DW/J. Carlos
Internacionalização depois de Portugal
Graças ao seu espírito empreendedor, a marca Roselyn Silva tem conquistado espaço, destacando-se a participação em eventos como o "Porto Fashion Week" e o "Black Fashion Week", em Lisboa. A batalha é consolidar posição em Portugal e internacionalizar-se, já com os olhos postos em países como a Alemanha e Angola. Por isso, explica a estilista, "estamos atentos a tudo o que acontece lá fora".
Foto: DW/J. Carlos
Goretti Pina: 15 anos no mercado português
Há mais tempo nestas lides – já lá vão 19 anos – a também são-tomense Goretti Pina apresentou recentemente peças novas no Museu da Carris, no âmbito da mostra "África em Lisboa". Trabalha há 15 anos no mercado português e já fez apresentações fora de Portugal. Diz que cria as roupas a pensar primeira em si, imaginando as pessoas que gostaria de vestir. "Faço peças com as quais eu me identifico".
Foto: DW/J. Carlos
Encomendas sem capacidade de resposta
A coleção que apresenta nesta primavera/verão é uma transição entre as estações, associando tecidos mais quentes com os mais frios. No meio de tantas propostas, o padrão africano está sempre presente, o que atrai sempre o público-alvo. É com um sorriso que Goretti Pina diz não lhe faltarem encomendas. São tantas que recusa alguns tantos pedidos por incapacidade de resposta.
Foto: DW/J. Carlos
Na azáfama dos bastidores
Entretanto, antes da apresentação da coleção, as manequins preparam-se nos bastidores, no meio da azáfama, para mais um desfile. Todos os detalhes são observados, desde o arranjo dos penteados à maquilhagem, de modo a condizer com a ideia global concebida pela estilista.
Foto: DW/J. Carlos
Clientes fiéis de Londres a Luanda
A escolha de modelos que deem beleza às roupas também é determinante para que o resultado final seja o mais elegante possível. Há que seduzir o público, seja ele europeu ou africano. Tanto é que, além do mercado português, Goretti Pina tem produzido para clientes fiéis em Londres (Inglaterra), Paris (França) e Luanda (Angola).
Foto: DW/J. Carlos
Oportunidade para expansão internacional
Dividindo o seu tempo entre a moda, a escrita literária e a jurisdição, a estilista já tem em agenda a mostra de uma nova coleção, no âmbito das comemorações do 40º aniversário da independência do seu país natal, que se assinala em julho. Mais uma oportunidade para mostrar o seu talento, com a promessa de trabalhar mais para a projeção internacional da sua marca. Autor: João Carlos (Lisboa)