Cidadãos abrangidos pelo recolher obrigatório que visa travar a Covid-19 na capital de Moçambique acreditam que a medida pode não funcionar, devido à falta de transportes. E temem novos abusos da polícia.
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Cidadãos que residem na periferia de Maputo afirmam que não vão conseguir cumprir o recolher obrigatório, das 21h00 as 04h00 horas, decretado pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, na quinta-feira (04.02), para conter o avanço da Covid-19. A medida abrange a zona metropolitana de Maputo, que corresponde às cidades de Maputo e Matola, o município de Boane e a vila de Marracuene.
Alguns citadinos afirmam que a rotina diária os obriga a chegar às suas residências depois das 21h00, tempo limite determinado pelo recolher obrigatório, devido aos problemas de transporte. Muitos destes cidadãos saem entre as 17h00 e 20h00 dos seus postos de trabalho e têm de se deslocar aos terminais rodoviários, onde permanecem uma ou mesmo duas horas à espera de transporte.
"Temos que ir à baixa e lá ficamos à espera dos TPM [Transportes Públicos de Maputo] que muitas vezes não aparecem a tempo", diz João Uambo, residente no bairro Patrice Lumumba, a cerca de 25 km do centro da capital. E o problema não acaba aqui, conta: "Depois de conseguir o transporte, temos o problema dos engarrafamentos e acabamos levando muito tempo".
Uma eventual solução poderá estar nas mãos do Governo, "se melhorar os transportes e os 'chapas' levarem quatro pessoas em cada assento", sugere.
Os bairros de expansão em Maputo e Matola, onde muitos jovens residem, estão a mais de 25 km do centro da cidade, local onde trabalham.
Cidadãos temem abusos
Jorge Banze, residente na cidade da Matola, acredita que o recolher obrigatório será uma oportunidade para a polícia moçambicana extorquir os cidadãos ou mesmo violar os seus direitos.
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"Chego a casa por volta das 22h00, dependendo do transporte. Na hora de ponta, de fazer ligações, chegamos às 22h00, 23h00, às vezes meia-noite. Acho que vamos levar porrada, porque a polícia vai fazer o seu papel e vão-se aproveitar, isso já é sabido", afirma. "Há-de ser difícil justificar que eu venho do serviço, não temos esses comprovativos".
Filimone Cossa, residente no município de Boane, a mais de 30km de Maputo, também não tem dúvidas de que este recolher obrigatório das 21h00 às 04h00 vai criar transtornos aos cidadãos: "Não há como essa pessoa ir à sua casa, quando chega ao terminal às 20h50 e tem de caminhar 10 minutos. Se for interpelado pela polícia às 21h05 será um transtorno muito grande".
Crise dos transportes em Maputo aproxima estranhos
08:31
"Talvez pudéssemos voltar ao passado, quando era exigido o cartão de trabalho para se confirmar se o indivíduo em causa está mesmo a voltar do local de trabalho", afirma.
Uma medida impraticável?
O jurista e jornalista Ericino de Salema acredita que o recolher obrigatório pode mesmo não ser praticável, uma vez que os trabalhadores dos restaurantes - que devem fechar às 20h00 - não terão tempo para chegar às suas residências.
"Por um lado, podem legalmente encerrar às 20h00; por outro, têm de estar em casa até às 21h00... Todos conhecemos o nosso sistema de transporte, quem estiver na baixa da cidade dificilmente chegará, em tempo útil, à Matola, Zimpeto, Albazine. Será um desafio de maior", considera.
Salema lamenta que o Presidente da República não tenha falado muito, na sua comunicação à nação, sobre a responsabilidade da polícia, que muitas vezes atropela o estado de calamidade. Na opinião do analista, faltou "uma mensagem aos agentes da polícia, que muitas vezes têm atuado de forma desproprocional e sem respeitar os direitos fundamentais do cidadão".
"Eu acho que, depois do que verificámos nos últimos 21 dias, era de esperar que ele se dirigisse em particular a este grupo alvo que tem o hábito de violar os direitos fundamentais e de agir sempre com excesso de zelo", afirma.
Entretanto, já esta sexta-feira, o Presidente moçambicano dirigiu-se diretamente às forças policiais, pedindo-lhes que imponham o cumprimento das medidas de prevenção da Covid-19, que entraram em vigor, visando "salvar vidas" face à gravidade da situação.
O fardo da Covid-19 para as famílias de Inhambane
Milhares de famílias estão a sofrer na província de Inhambane, no sul de Moçambique, desde que eclodiu a pandemia do novo coronavirus. Há pessoas sem emprego, em isolamento, obras paralisadas e os bens escasseiam.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Famílias sofrem por causa da Covid-19
Muitos habitantes da província moçambicana de Inhambane perderam os postos de trabalho por causa da crise provocada pela Covid-19, outros foram dispensados para cumprirem o isolamento social. Por outro lado, há obras paralisadas e faltam vários produtos, principalmente nas zonas rurais. Muita gente está a migrar para as cidades e vilas.
Foto: Luciano da Conceição/DW
A culpa é do coronavírus
Dulce Eugénio, mãe de dois filhos e residente no bairro Sarrene, na cidade de Maxixe, disse que antes da pandemia o negócio corria muito bem, mas depois ficou sem dinheiro: "Consegui comprar o meu terreno e já estava a construir a minha casa de blocos com este pequeno negócio de vender tomates, cebola, pepino e cenoura, mas essa doença veio atrapalhar toda a situação."
Foto: Luciano da Conceição/DW
"Coronavírus trouxe mais fome"
Com o confinamento obrigatório decretado em abril de 2020, a situação da fome agravou em Inhambane. Os cidadãos consideram que a pandemia do novo coronavírus "trouxe mais fome e miséria às comunidades". O desespero continua a imperar.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Viver de hortaliças é para quem pode
Há cada vez mais pessoas desempregadas, muitas famílias tiveram de adaptar as receitas em casa e passaram a consumir mais verduras, por exemplo. Mesmo assim, nem todos conseguem comprar, porque as hortaliças também já começam a escassear. Marta Alberto diz que não foi registada para receber o subsídio da Covid-19, concedido pelo Estado, e pede ajuda.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Produção agrícola em queda
Não é só a pandemia que tem sido um problema. Não tem chovido e muitas pessoas abandonaram a atividade agrícola. Os camponeses pedem ao Estado sementes, que estão cada vez mais caras no mercado. Em Inhambane, nem todos os camponeses vão receber o subsídio de dois mil meticais mensais (cerca de 23 euros) para suprir as suas necessidades durante seis meses.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Abandonada pela família e sem apoio
Joana Cândido foi abandonada pela família. Vivia com os netos, mas, com a pandemia, o filho solicitou aos netos que residissem juntos noutro bairro, deixando assim a idosa à sua sorte. Com problemas na perna e dores constantes na coluna, não lhe é fácil ter três refeições por dia. Afirma que não foi selecionada pelo Instituto Nacional de Ação Social (INAS) para receber o subsídio da Covid-19.
Foto: Luciano da Conceição/DW
"Estamos a sofrer e precisamos de apoio"
Laura Simão foi registada pelo INAS, na cidade de Maxixe, mas ainda não recebeu o dinheiro e afirma não ter comida suficiente. Em situação semelhante estão muitas outras pessoas carenciadas, que foram inscritas mas ainda não receberam os subsídios.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Excluída dos apoios, com a panela vazia
Maria João revela que não foi contemplada pelos apoios da Covid-19. Ficou surpreendida, porque não trabalha, tem filhos a seu cargo e a panela vazia. E pede apoio ao Estado.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Enganar a fome
Teresa António trabalhava como doméstica em Inhambane, numa residência, mas, com a pandemia, teve de deixar de trabalhar para os seus patrões. Agora desempregada, diz que é difícil ter arroz na mesa e, muitas vezes, tem de misturar o arroz com tapioca (farinha de mandioca) para conseguir enganar a fome.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Vender mangas para sobreviver à pandemia
Cândida Maurício fazia venda ambulante no centro da cidade da Maxixe, mas - impossibilitada de continuar o negócio na rua por causa da pandemia - teve de se adaptar. Faz agora revenda de mangas na sua residência, mas soma prejuízos e não recebe apoio do Governo.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Perdeu o emprego com a Covid-19
Com o encerramento dos estabelecimentos comerciais em cumprimento do decreto do estado de emergência, João Saul foi demitido do serviço de guarda. Afirma que a pandemia lhe trouxe efeitos negativos que jamais irá esquecer. Sobrevive com o subsídio que recebe por ser desmobilizado - não superior a 50 euros - valor que considera insuficiente.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Sonho perdido?
Nina Cumbe concluiu o 12º ano de escolaridade em Inhambane, em 2019. Antes da eclosão da pandemia, queria concorrer a uma escola técnica profissional, mas não conseguiu, porque muitos estabelecimentos de ensino tiveram que encerrar com a declaração do estado de emergência no país. Agora, tenta ganhar a vida fazendo tranças a amigas.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Resta fé e esperança
No meio de tanto sofrimento provocado pela pandemia do novo coronavírus, as famílias estão a lutar para superar a crise. Ilda Joaquim, residente de Inhambane, afirma que o confinamento social agravou a maneira de viver e que está a ser difícil adaptar-se às novas medidas. Reza muito para que consiga ultrapassar esta crise, porque está difícil receber apoios.
Foto: Luciano da Conceição/DW
À espera de dias melhores
Antes da chegada do novo coronavírus, Maria Alberto fazia trabalhos para terceiros e produzia mandioca para fabricar e vender farinha. Hoje, é uma simples dona de casa que deixa as panelas limpas à espera que o marido traga alguma coisa dos seus biscates diários. Lamenta o sofrimento provocado pela Covid-19, mas vive na esperança de que tudo voltará à normalidade.