Reconciliação entre fiéis da IURD em Angola só por milagre?
Borralho Ndomba
20 de abril de 2022
Entendimento entre membros da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola parece estar longe de ser alcançado. A gestão da IURD e a reabertura de templos continuam a gerar conflitos e acusações entre os pastores.
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O litígio entre os "irmãos em Cristo" ganhou novos contornos em plena Páscoa com a reabertura dos templos que estavam encerrados há dois anos por decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola.
A reabertura coube ao grupo presidido pelo líder espiritual da IURD indicado por Edir Macedo, o angolano Alberto Segunda. Tudo aconteceu após o Tribunal de Luanda absolver alguns réus e condenar o bispo Honorilton Gonçalves por crimes de violência doméstica e não decidir sobre a titularidade dos bens da igreja.
O grupo de pastores que se desvinculou do fundador da IURD acusa os seus compatriotas de desrespeitarem as instituições do Estado por alegadamente não terem essa legitimidade.
"Esses indivíduos, Alberto Segunda e entre outros, à margem da lei, procederam à quebra dos selos da PGR e, consequentemente, instigando ódio contra os fiéis em ato que chamamos extremismo", disse à DW Ângelo Canga, secretário para os assuntos institucionais da ala dos dissidentes.
Reabertura dos templos à margem da lei?
Respondendo à pergunta da DW na conferência de imprensa realizada esta terça-feira (19.04), em Luanda, Marcelo Mateus, advogado constituído pela direção que se revê no fundador da IURD, diz que a reabertura dos templos não foi feita à margem da lei.
"A nossa interpretação genuína que decorreu da leitura do acórdão do Tribunal de Comarca de Luanda, é que a restituição não carecia da intervenção de terceiros, porque o tribunal não referiu. O tribunal referiu relativamente sobre os procedimentos que resultavam da apreensão das contas bancárias, mas não fez relativamente aos templos apreendidos", disse o advogado.
O Instituto Nacional dos Santos Religiosos (INAR), um departamento do Ministério da Cultura de Angola, reconhece os pastores dissidentes como a direção legítima da IURD. O diretor-geral adjunto do INAR, Ambrósio Micolo, citado pela Rádio Nacional de Angola, diz que os templos vão ser entregues aos dissidentes, por, segundo afirma, terem "legitimidade para reabrir e exercer as suas atividades".
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"Não nos retirem a marca Universal"
Em conferência de imprensa acompanhada por milhares de fiéis na catedral do Maculusso, reaberto no sábado (16.04), o líder espiritual da Universal, Alberto Segunda desvalorizou as declarações do dirigente do INAR e diz não temer pela perda dos templos.
"Se o Estado decidir que fiquemos sem património, espero que não nos retirem a marca Universal, porque ela pertence ao homem chamado bispo Edir Macedo. Estamos a lutar por uma questão justa. De quem é esta marca? Quem fundou a Igreja Universal? Pela fé que temos, nem que começássemos do zero, continuaríamos a pregar o evangelho. O que está em jogo não é o património. O que está em jogo é uma questão de justiça", disse o bispo Alberto Segunda.
Sobre o processo de reconciliação, as partes desavindas alegam estarem disponíveis para o entendimento, mas nenhum dos lados quer dar o primeiro passo para o diálogo. Alberto Segunda espera que os pastores que se "desligaram" da liderança de Edir Macedo, reconheçam que falharam para com a igreja.
"Eles afastaram-se da Igreja Universal. Eles quebraram o vínculo com a IURD. Se hoje entendem que deve haver reconciliação, pois, a igreja está aberta para esta reconciliação, mas que reconheçam que houve crimes, que houve erros e excessos porque tem de ser colocado em pauta", afirma o líder espiritual da IURD, indicado por Edir Macedo.
Apelo à mediação de João Lourenço
Ângelo Canga, que faz parte dos dissidentes, acusa os membros brasileiros da IURD de "boicotarem" o processo de diálogo na congregação.
"Quem inviabiliza esta vontade de diálogo e de reconciliação, são indivíduos de nacionalidade brasileira que continuam a querer perpetuar os atos criminosos, alvo de denúncia do manifesto pastoral para satisfazer objetivos inconfessos de determinadas pessoas. Infelizmente, é isso que tem criado empecilho neste processo de diálogo e reconciliação da igreja", afirma o secretário para os assuntos institucionais da Universal no grupo dos dissidentes.
Diante disso, a direção da Igreja Universal do Reino de Deus, que apoia a liderança de Edir Macedo, pede a mediação do Presidente angolano, João Lourenço, para o fim do conflito na congregação.
"Apelamos ao nosso Executivo angolano, em especial o nosso Presidente João Lourenço, como já o fiz no domingo durante o culto de Páscoa, que olhe para a aflição do povo da Igreja Universal. Povo esse que durante dois anos estava impedido de cultuar e povo esse que entende que uma das pessoas, se não a única, que pode ajudar na mediação desse conflito é a sua excelência Presidente Manuel Gonçalves Lourenço", afirmou Alberto Segunda.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.