"Recondução de Hélder Pitta Gróz é boa notícia para Angola"
António Cascais
25 de abril de 2023
Jurista considera positiva "para o caminho do combate à corrupção", encetado em Angola nos último anos, a recondução de Hélder Pitta Gróz como procurador-geral da República (PGR) para um novo mandato de cinco anos.
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O Presidente angolano, João Lourenço, reconduziu hoje no cargo de procurador-geral da República Hélder Pitta Gróz e nomeou Inocência Pinto como vice-procuradora-geral da República.
O chefe de Estado recebeu, na segunda-feira (24.04), os três nomes mais votados entre os nove pré-candidatos aprovados pela Comissão Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público (CSMMP).
A procuradora Inocência Pinto foi o nome mais votado pelos seus pares, recolhendo 11 votos favoráveis, enquanto Pitta Gróz obteve 10 votos, empatando com o atual vice-procurador Mouta Liz.
Em entrevista à DW África, o jurista angolano Carlos Cabaça admite que Hélder Pitta Gróz não "ficou bem na fotografia" ao afirmar, em comunicado com data de 23 de dezembro do ano passado, que não iria concorrer à renovação do seu mandato, tendo comunicado a alteração da decisão na semana passada alegando "que havia a orquestração de uma campanha" que visava denegri-lo.
No entanto, afirma o analista, "a recondução de Pitta Gróz no cargo de PGR de Angola é uma boa notícia para a justiça angolana e para o caminho do combate à corrupção", encetado nos últimos anos no país.
"Recondução de Hélder Pitta Gróz é boa notícia para Angola"
DW África: O que acha da recondução de Hélder Pitta Gróz?
Carlos Cabaça (CC): Foi uma boa escolha, na medida em que o Dr. Pitta Gróz foio homem que desenhou os meandros do combate contra a corrupção e a doutora Inocência Pinto, até então, foi a diretora da Direção Nacional de Prevenção e Combate contra a Corrupção. São os dois 'players' fundamentais no domínio do combate dos delitos económicos e outros e naminha opinião, foi uma boa escolha. Agora vamos esperar que, de facto, haja maior rigor, maior celeridade processual, para redundar então no bom andamento dos processos, quer os processos em curso quer os processos que eventualmente venham a tramitar a nível da Procuradoria-Geral da República.
DW África: Mas Hélder Pitta Gróz não foi o candidato que recebeu mais votos no Conselho Superior da Magistratura ontem...
CC:De facto, a doutora Inocência Pinto teve maior votação, mas, como sabemos, não depende inteiramente dos votos do Conselho Superior da Magistratura. Mas, sendo também o Presidente da República, tem uma palavra a dizer em relação ao quadro que vai assumir o cadeirãomáximo desse setor.
DW África: A idade de Hélder Pitta Grózem princípio, não era um fator favorável à sua recondução...
"JLo deve ser processado por medidas inconstitucionais"
02:30
CC:O Dr. Pitta Gróz está agora com 67 anos de idade. Dentro de mais três anitos, vai então passar à jubilação. Penso que daqui a três anos, a Dra. Inocência Pinto poderá assumiro cadeirão máximo da Procuradoria-Geral da República.
DW África: Quer isso dizer que Pitta Gróz não vai cumprir os cinco anos de mandato?
CC: Não. Do ponto de vista jurídico, Pitta Gróz não vai cumprir os cinco anos porque ele tem 70 ano, daqui a mais três anos. Portanto,é automático, tão logo atinja os 70 anos, vai para a jubilação e a Dra. Inocência Pinto vai substituir o Dr. Pitta.
DW África: Hélder Pitta Gróz tinha comunicado em dezembro do ano passado que não iria concorrer à renovação do seu mandato. O que é que o terá feito mudar de opinião?
CC:Do ponto de vista ético, se quisermos, eu penso que o Dr. Pitta Gróz esteve mal porque anunciou publicamente que não se ia candidatar, mas, de forma surpreendente, também tomámos conhecimento da sua candidatura. Do ponto de vista ético, não fica bem na fotografia dePitta Gróz. Mas ele ainda tinha legitimidade de concorrer.
DW África: Como procurador-geral da República, Pitta Grózfoi um procurador independente que defendeu o interesse público de Angola ou foi um PGR que obedeceu a quem o escolheu, nomeadamente ao Presidente angolano?
CC: Foi um procurador independente. Aqui em Angola há uma discussão do ponto de vista da seletividade dos processos, mas é preciso que nós percebamos que oscrimes económicos são de difícil investigação. E nós temos de perceber que, de facto, o Dr. Pitta Gróz sempre foi imparcial. Agora, o que se espera é quehaja também a criação de condições para que os magistrados possam trabalhar condignamente e ter celeridade processual.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.