Divulgação de bens recuperados significará transparência?
5 de maio de 2023
Após críticas da sociedade e da oposição, Procuradoria-Geral da República de Angola diz que vai passar a divulgar informações sobre a recuperação de bens arrestados. O que isto significa na prática?
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Após várias críticas da sociedade civil e dos partidos políticos da oposição, a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola anunciou que vai passar a divulgartodas as informações sobre a recuperação de bens arestados no âmbito do combate à corrupção, através de um sítio na Internet - a ser criado.
No dia 27 de abril, a PGR completou 47 anos de existência, inaugurou uma nova sede e viu Hélder Pitta Gróz reconduzido ao cargo como Procurador-Geral da República e Inocência Pinto indicada como a vice. Toda esta dinâmica foi justificada com a necessidade de "continuar a luta contra a corrupção, ou seja, acabar com o ninho dos marimbondos".
A União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), principal partido da oposição, chegou a acusar a PGR de conduzir o processo de forma muito "parcial" e pouco transparente. À DW África Armindo Laureano, jornalista e diretor do Novo Jornal, de Angola, explicou a importância da disponibilização da informação, mas não poupou críticas.
DW África: Acha que esta é a maneira mais adequada de mostrar transparência no combate à corrupção?
Armindo Laureano: Há aqui dois princípios, o da transparência no processo e o do acesso à informação pelos cidadãos. E isso tem todo um histórico, porque há uma pressão muito grande e críticas, alegadamente feitas pelo partido UNITA e outros visados neste processo. Criticam a PGR por estar alegadamente a conduzir este processo de combate à corrupção de forma seletiva. Esta é a resposta que encontraram para as várias críticas, que recebem desde 2017, quando o Presidente João Lourenço apresentou o combate à corrupção como uma das suas bandeiras. Então, a PGR vai passar a publicar essa informação no âmbito do Serviço Nacional de Recuperação de Ativos.
DW África: Mas o processo de divulgação dos ativos apreendidos já começou?
AL: Ainda não começou a ser feito e eles dizem que é para breve. Mas garantem que as pessoas poderão ter acesso ao que foi recuperado, onde está localizado e a quem foi dada a responsabilidade da sua gestão - além de uma série de informações neste sentido. Muitos visados, os seus constituintes e famílias, têm reclamado que este processo tem sido feito de forma pouco transparente. Não se sabe a quem se entrega os bens recuperados ou quem está a gerir. E há, por isso, um conflito muito grande de interesses muito grande.
DW África: E por que só agora a PGR decidiu avançar para esta via?
AL: Boa pergunta. A resposta que posso dar é que esta medida peca apenas por ser tardia. Resulta da pressão que foi feita pelos partidos de oposição - nomeadamente, da UNITA e também de visados e dos seus advogados. Posso recordar que, no mês de fevereiro, o Novo Jornal entrevistou Zenú dos Santos, filho do ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Em pormenores, [ele] falava também do combate à corrupção e da forma seletiva como estava a ser feito. Dizia que estava a ser julgado neste processo, então em prisão domiciliar, por ser filho de José Eduardo dos Santos. O mesmo também aconteceu com Irene Neto, filha do ex-Presidente Agostinho Neto, e esposa de São Vicente, que neste momento está detido. Alegam que este processo foi apenas para se apropriarem de certas pessoas e dos bens que São Vicente tinha.
Esta medida vem também no âmbito de criar uma certa transparência e deixar cair por terra muitas acusações e alegações sobre o fato de altas figuras do poder judicial estarem muito envolvidas num conflito de interesses em ficar com a propriedade destas pessoas que estavam alegadamente indiciadas pelo crime de corrupção. Até o mês de abril, a informação que nós tínhamos é que foram recuperados, segundo as autoridades angolanas, seis mil milhões de dólares e que foram apreendidos mais de 20 mil milhões de kwanzas (cerca de 40 milhões de dólares) em ativos no país.
Angola: A luta contra a corrupção falhou?
08:11
DW África: Resumindo, coloca-se aquela questão – será que este processo de combate à corrupção falhou?
AL: Estes números que apontei-lhe, por exemplo, era preciso discriminar-se para onde é que foram - para Portugal, ou onde estão? Qual é o caminho, já estão nos cofres do Estado? [Foram recuperados] pelo Banco Nacional? Havia toda esta necessidade. Também há a questão do sujeito que leva a cabo este combate à corrupção. Esta responsabilidade tem sido muito atribuída ao Presidente João Lourenço. E os seus correligionários do partido dizem "o combate à corrupção levado a cabo pelo Presidente João Lourenço" – é aí que deve ser discutido e fere um bocado o princípio da separação dos poderes.
DW África: É desta que os angolanos terão mais informações? Haverá transparência neste processo com esta nova dinâmica da PGR em passar informação, em criar esta página na internet?
AL: Que tipo de informação e como vai ser passada? Será passada toda a informação que as pessoas precisam? Este é o grande problema, o grande dilema da transparência. É perceber o quê e a quem se recuperou. E onde está e quem está a fazer esta gestão. Por exemplo, na questão dos imóveis que foram recuperados - estão entregues às mesmas pessoas que foram atrás e perseguiram aquelas pessoas. Acabaram ficando com estes imóveis e não declararam. Este processo é pouco transparente. As críticas já vêm há muito tempo, os visados e as famílias têm feito isso. É isso o que nós vamos explorar. N]ao acredito, tenho minhas reservas. Mas, na realidade, é um bom princípio dizerem que vão publicar, tornar disponível, em nome da transparência. Porque a informação é um direito que o cidadão tem.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.