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Recuperação dos manuscritos de Timbuktu pode preencher lacunas na história

Dircke Köpp11 de julho de 2014

Radicais islâmicos pretendiam destruir os manuscritos, mas alguns cidadãos voluntariamente salvaram o material, transportando as relíqueas para Bamako. Estima-se que existam mais de 350 mil documentos antigos.

Foto: DW/Sandrine Blanchard

Eva Brozowsky já está novamente a caminho de Bamako. A alemã de 34 anos é uma especialista em restauração de documentos. Há quase um ano ela está instalada no Mali, especificamente na capital do país, Bamako. Beozowsky pertence a uma equipe de cientistas alemães que trabalha na restauração de manuscritos escritos há séculos - das grandes bibliotecas de Timbuktu, no norte do Mali.

Os restauradores trabalham no resgate de uma vasta documentação. Trata-se da mais importante coleção de registros escritos na África Ocidental e foi escolhida para Patrimônio Mundial pela Unesco em 1988. Na idade média, a cidade de Timbuktu, a mil quilômetros ao norte de Bamako, era o centro espiritual do islão. É um conteúdo de até 1200 anos de idade, dedicado à alquimia, astrologia ou medicina, a interpretar o corão ou explicar a história.

Tesouro cultural

Para Eva Brozowsky, o material é uma espécie de tesouro cultural de valor inestimável, que pode ser comparado ao inventário de todas as bibliotecas na Alemanha. A previsão é de acomodar os escritos de Timbuktu de uma forma técnica e profissional em um edifício construído com o propósito de servir de arquivo em Bamako – na intenção de ser não somente catalogado, mas também digitalizado. Assim, todo o material poderá ficar disponível para pesquisadores locais e internacionais.

Brozowsky diz que serão examinados de 280 mil a 1,5 milhão de manuscritos. “Nem todos precisam ser restaurados. Existem alguns que ainda estão em bom estado de conservação. No entanto, quase a metade está tão deteriorada e frágil que precisa ser recuperada e não pode ser digitalizada.”

Em sua fuga dos soldados malineses e franceses, os rebeldes islâmicos incendiaram em 28 de janeiro de 2013 o Instituto Ahmed Baba. O edifício, de traços modernos, havia sido inaugurado somente quatro anos antes, numa obra que custou vários milhões de euros.

Os milhares de manuscritos guardados na biblioteca do instituto eram tidos como especialmente valiosos, por fazerem parte do Patrimônio Cultural da Unesco. A Biblioteca Ahmed Baba é apenas uma das cerca de 80 bibliotecas particulares de Timbuktu.

Devido ao clima seco do deserto, muitos dos manuscritos ficaram frágeis. Muitas folhas acabaram sendo danificadas por cupins e outros insetos. O ácido contido na tinta usada para escrever os manuscritos também contribuiu para causar algum dano ao material.

Deterioração

O que já foi corroído ou comido pelos cupins não pode mais ser restaurado. Especialistas apelam à comunidade internacional a trabalhar para garantir recursos suficientes para salvar os manuscritos disponíveis. Foram resgatados mais de 200 mil documentos.

“Agora a situação é de bastante pressa para resgatar os manuscritos. Nada é tão vulnerável como um tesouro esquecido”, afirma a restauradora.

A princípio, não era conhecida a amplitude da destruição durante a fuga dos radicais. Mesmo cientistas do Tomboctou Manuscript Project, da Universidade da Cidade do Cabo, encarregada do arquivamento dos documentos, não conseguiram precisar quanto foi destruído dos tesouros.

Dos 30 mil manuscritos que estavam guardados na Biblioteca Ahmed Baba, nem mesmo um terço estava catalogado, segundo informações divulgadas após o incêndio, classificado por muitos meios de comunicação como um "crime cultural". O projeto de restauração é apoiado pelo Ministério do Exterior da Alemanha, por doadores internacionais e pela fundação alemã Gerda Henkel. Até agora, a fundação de Düsseldorf forneceu 500 mil euros para salvar os antigos escritos, que contam com centenas de estudos islâmicos como material principal.

Recipientes especiais

Os milhares de manuscritos guardados na biblioteca do instituto eram tidos como especialmente valiosos. A Biblioteca Ahmed Baba é apenas uma das cerca de 80 bibliotecas particulares de Timbuktu. Michael Hanssler é o presidente da fundação Gerda Henkel ele diz que a fundação tem um programa especial sobre o Islão.

“A linha de apoio já financiou vários projetos na África nos últimos quatro anos. Causa especial expectativa para nós, como fundação, é que somente pequenas partes do material foi avaliado. A grande parte está totalmente inexplorada”, explica

Atualmente, a maioria dos manuscritos ainda é armazenada em caixas de metal. Assim, eles também estão expostos ao risco de manchas de ferrugem, além de tantas outras influências nocivas. Os restauradores querem transportar todo o material para caixas especiais o mais rápido possível.

As caixas para o armazenamento adequado foram projetadas pela restauradora Eva Brozowsky. Ela diz que o recipiente é feito de um material que permite a troca de ar. Um material que protege os manuscritos em mudanças de temperatura.

“As caixas serviriam como envelopes para o material, de modo que à primeira vista sabe-se que elas realmente contêm uma relíquia, não um livro europeu. O material é ideal para proteger os manuscritos da mudança de clima, da poeira e dos insetos. Deve ficar claro que você tem um manuscrito de Timbuktu ali. Tudo é amarrado com uma fita, assim como os manuscritos anteriormente foram colocados juntos também com uma fita.”, diz Brozowsky

Uma nova história

Como Brozowsky - que também trabalhou com os manuscritos da chamada Rota da Seda, na China – o pesquisador Dmitry Bondarev também é bastante experiente. Ele integra o Centro de Pesquisa Colaborativa “Manuscritos Culturais da Ásia, África e Europa”, da Universidade Hamburgo, fica ainda na África Ocidental. Ele é o diretor do projeto para resgatar os manuscritos do Timbuktu e não esconde a fascinação pelos documentos.

Para o pesquisador, os manuscritos são um verdadeiro tesouro, quando se trata de procurar entender melhor o passado. “O material vai abrir várias janelas ainda fechadas. Em comparação com o que até agora nós sabemos nas publicações especializadas, há um potencial enorme de compreendermos melhor a história da África”, diz Bondarev.

Pesquisadores sobre a Idade Média de todas as partes da África e de outras regiões têm se encontrado em Timbuktu. A cidade estava na rota do comércio através do Saara e foi ponto de encontro de viajantes. Todo o material tem sido recolhido de vários setores e locais mais ou menos preservados, conforme explica Dmitry Bondarev.

“Os especialistas concordam que a leitura e publicação desses escritos poderiam até mesmo levar a história africana a ser reescrita em algumas partes”, diz Bondarev.

Bondarev enfatiza que a história recente do islão e as ações de grupos islâmicos no norte do Mali poderiam ser interpretados melhor com a ajuda dos manuscritos. Quase que o acervo acabou sendo danificado completamente por radicais islâmicos. Depois de um golpe militar em 2012, os radicais tomaram o controle de todo o norte do país – incluindo as cidades de Timbuktu e Gao.

O resgate

Os grupos chegaram a destruir o material. Mais tarde, entenderam o valor que o acervo tem para todo o mundo ocidental e queriam pregar a sua destruição.
Graças a Abdel Kader Haidara e vários voluntários, os manuscritos foram transferidos para Bamako e já podem ser restaurados.

Haidara e outras pesoas assumiram o compromisso de cuidar da conservação dos manuscritos. Eles arriscaram suas vidas para isso. Ele é diretor da Livraria do Memorial de Mamma-Haidara – uma das maiores bibliotecas em Timbuktu. Ele também é presidente de uma associação que visa preservar a herança manuscrita da cidade.

Ele coordenou uma ação perigosa para resgatar as relíquias. “Nós formamos vários comitês: um em Bamako, um em Timbuktu e outro num ponto intermediário da rota. Alguns se encarregaram de fazer com que o material fosse acomodado e permanecesse inteiro dentro do carro. Outros o acompanharam a Bamako, e lá os manuscritos foram retirados do terceiro comitê de recepção e colocados em casas onde eles ficariam seguros. Claro que foi tudo um processo difícil e lento”, explica.

O transporte em completo segredo de todo o material durou seis meses. Abdel Kader Haidara está feliz por ter conseguido resgatar tão valiosos documentos que estavam prestes a desaparecer. “Alguns manuscritos estão realmente muito velhos. Alguns estão já frágeis e outros já rompidos. Estamos no limite do tempo para que eles sejam restaurados. A digitalização vai nos dar a possibilidade de fazermos cópias, facilitar o acesso às escrituras e poder avaliá-los”, salienta Haidara.

Mas ainda há muito a fazer. A restauradora Eva Brozowsky treina funcionários do projeto. Alguns aprendem técnicas para conservar o papel de base dos manuscritos. Outros assumem a limpeza e montam as caixas de proteção. Brozowsky está estabelecido em uma oficina. O projeto avança, mas de forma gradual, como explica a restauradora.

“Se alguém fizesse isto, teríamos mais de um século de trabalho. Quanto mais pessoas possam colaborar, maior é a necessidade financeira e mais rápido se chega o resultado. Mas, muito provavelmente, você tem que contar com uma ou mais décadas”, afirma Brozowsky.

Resta esperar que os financiadores do projeto não percam o fôlego em pouco tempo.

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Novas descobertas sobre a história.Foto: CSMC
Equipe que participa do resgate dos documentosFoto: CSMC
Caixas protetoras dos manuscritosFoto: CSMC
Manuscritos são acondicionadosFoto: CSMC
Um exemplar do manuscritoFoto: CSMC
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