Angola: Nova lei ameaça expulsar pessoas das suas terras
António Cascais
29 de abril de 2021
Organizações angolanas querem a revogação das alterações à lei das áreas de conservação ambiental. Em risco está o bem-estar dos cidadãos que podem ser obrigados a abandonar as suas terras.
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O Parlamento angolano aprovou no final de março alterações à Lei das Áreas de Conservação Ambiental, com votos favoráveis do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) e a oposição a reprovar o que diz ser uma iniciativa que autoriza a "agressão à biodiversidade".
As alterações aprovadas permitem a exploração de recursos minerais, petróleo e gás nas reservas naturais parciais, nas reservas naturais especiais e nos parques nacionais, facto contestado pela oposição. Ambientalistas e outros atores da sociedade civil angolana que integram o Movimento Tchota são igualmente contra a legislação, posicionamento expresso num abaixo-assinado remetido às autoridades.
A DW África falou com Carlos Cambuta, responsável da Ação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), uma das organizações integrantes do movimento Tchota.
DW África: Após a alteração da lei em Angola, quais são as reservas mais ameaçadas pela exploração de petróleo?
Carlos Cambuta (CC): Estamos a falar, por exemplo, do grande projeto de Okavango. Como sabemos há um grande projeto que envolve não só Angola, mas outros países. Além deste projeto, há outras reservas, como [o Parque Nacional da] Quissama. A preocupação central não tem a ver com que reservas poderão ser afetadas, porque a própria lei não especifica. Estamos a falar de todas elas. A preocupação principal tem a ver com o facto de que a exploração dessas reservas deveria resultar de uma profunda discussão pública nacional.
DW África: Os cidadãos em geral não foram ouvidos. E os habitantes das áreas em questão foram auscultados em todo este processo?
CC: Até onde sabemos, esta lei não foi alvo de auscultação pública. Nós pensamos que, dada a sua relevância – até porque o conceito de proteção está muito associado à ideia de desenvolvimento sustentável –, deveria ser alvo de uma consulta pública nacional. Até onde sabemos, isto não se verificou. A discussão restringiu-se à Assembleia Nacional.
DW África: Existem áreas protegidas em que os habitantes poderão perder as suas terras?
CC: Estamos a falar de várias áreas existentes que devem continuar a ser protegidas. Os cidadãos que nelas habitam, por exemplo na área de proteção da Quissama, que por sinal é um parque nacional, devem ser efetivamente engajados neste tipo de discussão. O facto de não terem tido a oportunidade de participarem nessa discussão não lhes permite terem informações sobre a existência dessa mesma lei.
DW África: Isso pode gerar conflitos entre as autoridades, as empresas exploradoras e as populações?
CC: Sim. Isso gera conflitos, como pode imaginar. A exploração vai provocar o deslocamento das populações residentes nessas áreas onde têm uma relação histórica muito forte, e isso mexe com as pessoas. Na nossa opinião, essas questões todas deveriam ter sido discutidas antes da aprovação da lei.
DW África: Há ainda esperança de que as vozes mais críticas, como a da ADRA, sejam ouvidas?
CC: É difícil, mas nada é impossível. Vai depender muito não somente da ADRA, mas do conjunto de vozes que se possam pronunciar sobre este assunto. Em Angola, não temos experiência de leis que tenham sido aprovadas e depois revogadas pela intervenção incisiva das organizações não-governamentais.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".