Credores aprovaram a reestruturação da dívida da EMATUM. Mas investigadora do CIP diz que há outras prioridades: "proteger o povo moçambicano" e "recuperar os ativos desviados" no processo das dívidas ocultas.
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Os moçambicanos podem ter de pagar uma fatura pesada por causa da dívida da EMATUM. É a conclusão a que chegam os analistas ouvidos pela DW África, ao olhar para o plano de reestruturação da dívida da empresa.
Para Inocência Mapisse, investigadora no Centro de Integridade Pública (CIP), o Governo "está a adiar os ganhos dos benefícios da exploração do gás para o povo moçambicano, para além de trazer um aperto para o orçamento do Estado."
O plano de reestruturação foi aprovado na semana passada pelos detentores de 99,5% da dívida e foi divulgado esta semana pelo Executivo.
Os credores dão a Moçambique mais oito anos para pagar a dívida da EMATUM, até 2031. Ao mesmo tempo, a dívida aumenta de 726 milhões para 900 milhões de dólares. Primeiro, a taxa de juro será de 5%, mas aumentará para 9% a partir de 2024 - uma altura em que se espera que Moçambique já esteja a produzir gás natural na costa norte.
Segundo Inocência Mapisse, não há coincidências: "Vendeu-se uma ideia de que esta proposta de reestruturação das dívidas não envolve o instrumento de uso de receitas do gás para o pagamento das dívidas. Mas, numa análise profunda, vê-se claramente que existe uma forte relação entre essa proposta de reestruturação das dívidas e as receitas do gás", afirma a pesquisadora em entrevista à DW África.
Uma questão de prioridades
Contudo, o dinheiro destinado ao pagamento da dívida poderia ser investido noutras áreas, comenta o economista Elcidio Bachita - por exemplo, na construção de escolas, de hospitais ou na melhoria de infraestruturas.
Além disso, poderia ser usado "para criar pequenos investimentos que poderiam garantir algumas oportunidades de emprego para a maior parte da população jovem moçambicana, que sai das instituições de ensino superior e técnico-profissional e não consegue ter espaço no mercado laboral", acrescenta Bachita.
Por outro lado, o especialista deixa um alerta: o pagamento da dívida da EMATUM poderá prejudicar a economia e ter impacto direto no bolso dos moçambicanos, "porque vamos ter um grande 'outflow' de capital em moeda externa para o exterior, e essa situação vai desvalorizar a moeda".
"A desvalorização da moeda nacional em relação ao dólar norte-americano, ao euro e ao rand sul-africano vai criar pressões inflacionárias dentro da economia", avisa Bachita.
Reestruturação da dívida da EMATUM "adia ganhos do gás"
Credibilidade e recuperação dos ativos
Para Maputo, a reestruturação da dívida da EMATUM é uma tentativa de recuperar a credibilidade de Moçambique junto dos credores.
Mas, segundo Elcidio Bachita, isso só resultará com algumas instituições financeiras privadas. Para o economista, Moçambique ganharia mais credibilidade se o Governo se recusasse a fazer a reestruturação, até porque, em junho, o Conselho Constitucional anulou a dívida e as garantias do Estado emitidas em 2013 a favor da EMATUM.
"Do lado do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, a credibilidade do nosso país continua beliscada. E a nível interno também, a FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique, no poder] pode ser crucificada por causa desta situação. Porque todos os moçambicanos já estão a par desta situação das dívidas ocultas", lembra o economista Elcidio Bachita.
Para Inocência Mapisse, do CIP, a prioridade não deveria ser reestruturar as dívidas da EMATUM, mas recuperar o dinheiro perdido.
"A reestruturação não pode ser um instrumento para tornar a dívida legal", salienta Mapisse. "Agora, tendo em conta os argumentos usados pelo Ministério da Economia e Finanças, esperava-se que, no mínimo houvesse ações paralelas que mostrem que, sim, o grande objetivo neste momento é recuperar a confiança do mercado financeiro internacional, e, por via disso, ter o mercado mais aberto para o país, mas que se vai seguir por outros caminhos, para conseguir proteger o povo moçambicano e recuperar os ativos que foram desviados neste processo."
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)