Reforma constitucional divide partidos da Guiné-Bissau
Iancuba Dansó (Bissau)
4 de setembro de 2020
Os partidos divergem profundamente sobre a constitucionalidade do projeto instigado pelo Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló.
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Em maio, o Presidente Umaro Sissoco Embaló criou e deu posse a uma comissão técnica para trabalhar a nova Constituição guineense, cujo projeto agora se encontra nas mãos do chefe de Estado. Sissoco já garantiu que o documento "será o único a ser aplicado”, numa alusão a uma comissão da revisão constitucional rival criada pela Assembleia Nacional Popular.
Vários juristas guineenses consideram a iniciativa do Presidente anticonstitucional. Os partidos políticos com assento parlamentar, ouvidos pela DW África, divergem na matéria. O Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que não reconhece Umaro Sissoco Embaló como Presidente da República, disse que não vai participar no debate do projeto da nova Constituição.
PAIGC rejeita iniciativa presidencial
O terceiro vice-presidente do PAIGC, Califa Seidi, justificou assim a posição: "É uma iniciativa do senhor Umaro Sissoco Embaló, mas que não se enquadra de forma alguma naquilo que é a sua competência, de acordo com a nossa Constituição. Portanto, não tem cabimento mesmo enviar isso (o projeto da Constituição) para Assembleia Nacional Popular, a não ser que venha em forma de uma contribuição”, como "qualquer cidadão”.
Para este parlamentar, a contribuição presidencial poderia então ser tomada em consideração pela comissão criada na Assembleia Nacional Popular, "dentro do quadro legal e dos trabalhos da comissão eventual da revisão constitucional”.
O Movimento para Alternância Democrática (MADEM G-15), partido que suportou a candidatura de Sissoco, apoia a revisão da Constituição proposta pelo Presidente.
Nelson Moreira, líder da pancada parlamentar e dirigente da formação política disse à DW África: "Eu não sei se a iniciativa da revisão da Constituição da República foi assumida pelo Presidente da República. O que eu sei é que o Presidente da República criou uma comissão para dar um subsídio, que depois será submetido à Assembleia Nacional Popular. Somos eleitos como deputados para estar na Assembleia e tudo que tem a ver com a matéria da competência Assembleia não há problema nenhum em participarmos e dar a nossa contribuição. Por isso, fomos eleitos para estar na Assembleia e não para fugir ao debate parlamentar”.
CEDEAO quer reforma constiticional
A revisão constitucional foi várias vezes recomendada pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem mediado a crise política na Guiné-Bissau. Mas os atores políticos guineenses nunca se entenderam sobre a matéria, cuja iniciativa é reservada aos deputados, segundo o artigo 127 da Constituição.
A União para a Mudança (UM) é outro partido que não reconhece o projeto da Constituição elaborado pela comissão técnica nomeada pelo Presidente da República.
O líder do partido, Agnelo Regala, frisou a proposta da criação do Tribunal Constitucional apresentada pelo projeto da nova Constituição para defender a sua posição: "Quando o autoproclamado Presidente se arroga o direito de nomear os membros do Tribunal Constitucional, isso denota claramente as intenções ditatoriais do dito. Portanto, nós não entendemos como é que em democracia, alguém se pode arrogar o direito de ser ele a nomear os juízes”.
De acordo com o projeto da nova Constituição, seria o presidente do Tribunal Constitucional quem passa a investir o chefe de Estado. A Constituição em vigor outorga essa competência à assembleia nacional. Os juízes do órgão seriam nomeados pelo Presidente da República, que também teria a competência de presidir à reunião do conselho de ministros.
Guiné-Bissau: O país onde nenhum Presidente terminou o mandato
Desde que se tornou independente, a Guiné-Bissau viu sentar na cadeira presidencial quase uma dúzia de Presidentes - incluindo interinos e governos de transição. Conheça todas as caras que passaram pelo comando do país.
Foto: DW/B. Darame
Luís de Almeida Cabral (1973-1980)
Luís de Almeida Cabral foi um dos fundadores do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e também o primeiro Presidente da Guiné-Bissau - em 1973/4. Luís Cabral ocupou o cargo até 1980, data em que foi deposto por um golpe de Estado militar. O antigo contabilista faleceu, em 2009, vítima de doença prolongada.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-T0111-320/Glaunsinger
João Bernardo Vieira (1980/1994/2005)
Mais conhecido por “Nino” Vieira, este é o político que mais anos soma no poder da Guiné-Bissau. Filiado no PAIGC desde os 21 anos, João Bernardo Vieira tornou-se primeiro-ministro em 1978, tendo sido com este cargo que derrubou, através de um golpe de Estado, em 1980, o governo de Cabral. "Nino" ganhou as eleições no país em 1994 e, posteriormente, em 2005. Foi assassinado quatro anos mais tarde.
Foto: picture-alliance/dpa/L. I. Relvas
Carmen Pereira (1984)
Em 1984, altura em que ocupava a presidência da Assembleia Nacional Popular, Carmen Pereira assumiu o "comando" da Guiné-Bissau, no entanto, apenas por três dias. Carmen Pereira, que foi a primeira e única mulher na presidência deste país, foi ainda ministra de Estado para os Assuntos Sociais (1990/1) e Vice-Primeira-Ministra da Guiné-Bissau até 1992. Faleceu em junho de 2016.
Foto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral
Ansumane Mané (1999)
Nascido na Gâmbia, Ansumane Mané foi quem iniciou o levantamento militar que viria a resultar, em maio de 1999, na demissão de João Bernardo Vieira como Presidente da República. Ansumane Mané foi assassinado um ano depois.
Foto: picture-alliance/dpa
Kumba Ialá (2000)
Kumba Ialá chega, em 2000, à presidência da Guiné-Bissau depois de nas eleições de 1994 ter sido derrotado por João Bernardo Vieira. O fundador do Partido para a Renovação Social (PRS) tomou posse a 17 de fevereiro, no entanto, também não conseguiu levar o seu mandato até ao fim, tendo sido levado a cabo no país, a 14 de setembro de 2003, mais um golpe militar. Faleceu em 2014.
Foto: AP
Veríssimo Seabra (2003)
O responsável pela queda do governo de Kumba Ialá foi o general Veríssimo Correia Seabra, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Filiado no PAIGC desde os 16 anos, Correia Seabra acusou Ialá de abuso de poder, prisões arbitrárias e fraude eleitoral no período de recenseamento. O general Veríssimo Correia Seabra viria a ser assassinado em outubro de 2004.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Bordalo
Henrique Rosa (2003)
Seguiu-se o governo civil provisório comandado por Henrique Rosa que vigorou de 28 de setembro de 2003 até 1 de outubro de 2005. O empresário, nascido em 1946, conduziu o país até às eleições presidenciais de 2005 que deram, mais uma vez, a vitória a “Nino” Vieira. O guineense faleceu, em 2013, aos 66 anos, no Hospital de São João, no Porto.
Foto: AP
Raimundo Pereira (2009/2012)
A 2 de março de 2009, dia da morte de Nino Vieira, o exército declarou Raimundo Pereira como Presidente da Assembleia Nacional do Povo da Guiné-Bissau. Raimundo Pereira viria a assumir de novo a presidência interina da Guiné-Bissau, a 9 de janeiro de 2012, aquando da morte de Malam Bacai Sanhá.
Foto: AP
Malam Bacai Sanhá (1999/2009)
Em julho de 2009, Bacai Sanhá foi eleito presidente da Guiné Bissau pelo PAIGC. No entanto, a saúde viria a passar-lhe uma rasteira, tendo falecido, em Paris, no inicio do ano de 2012. Depois de dirigir a Assembleia Nacional de 1994 a 1998, Bacai Sanhá ocupou também o cargo de Presidente interino do seu país de maio de 1999 a fevereiro de 2000.
Foto: dapd
Manuel Serifo Nhamadjo (2012)
Militante do PAIGC desde 1975, Serifo Nhamadjo assumiu o cargo de Presidente de transição a 11 de maio de 2012, depois do golpe de Estado levado a cabo a 12 de abril de 2012. Este período de transição terminou com as eleições de 2014, que foram vencidas por José Mário Vaz. A posse de “Jomav” como Presidente marcou o regresso do país à ordem constitucional no dia 26 de junho de 2014.