Refugiados congoleses em Angola testemunharam horrores
Nelson Francisco Sul (Lunda Norte)
3 de julho de 2017
Todos os dias, centenas de pessoas chegam a Angola. Fogem da violência na região de Kasai, na República Democrática do Congo. Em entrevista à DW, os refugiados falam sobre as atrocidades de que foram vítimas.
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Mbumba-Ntumba, de 65 anos, conta que, há pouco mais de dois meses, foi surpreendido por um grupo armado comandado por uma autoridade tradicional da região onde vivia.
"Estava em minha casa e um grupo de pessoas entrou e começou a bater-me. Cortaram o meu braço com uma catana e começaram a bater-me com a catana na cabeça", afirma.
O congolês foi resgatado, inconsciente, por voluntários da Cruz Vermelha, que o levaram até à fronteira com Angola. Agora está no campo de acolhimento de Kakanda, na província da Lunda Norte.
Como ele, cerca de 30 mil congoleses estão refugiados em Angola, país que partilha uma imensa fronteira com a República Democrática do Congo (RDC). A Kakanda chegam 500 pessoas por dia, muitas delas transportadas em camiões e autocarros cedidos pelas Nações Unidas.
Kanuma Kassassa, de 57 anos, trabalhou como voluntário da Cruz de Vermelha, mas, com o aumento da violência, não teve outra saída senão abandonar o seu país. Kassassa testemunhou muitas mortes: "Até um comandante militar que todos conhecem e muita gente que trabalhava na Cruz Vermelha acabaram por ser mortos, e eu enterrei-os", afirma.
Refugiados congoleses em Angola testemunharam horrores
Kabila tem alimentado o conflito?
Segundo a Igreja Católica, mais de três mil pessoas foram mortas na região de Kasai desde o início do conflito, em meados de 2016. Milícias congolesas têm atacado as populações indefesas perante a passividade do regime do Presidente Joseph Kabila, um amigo e parceiro de longa data do chefe de Estado angolano José Eduardo dos Santos. Até agora, já foram encontradas mais de 40 valas comuns.
Alguns dos congoleses que atravessam a fronteira angolana revelam que a violência contínua tem sido alimentada pelo Governo de Kabila, que supostamente tem armado civis para combater os seus contestatários. "O Kabila-filho está a organizar uma guerra, está a entregar armas aos civis para matar a população. O sofrimento neste momento é muito", denuncia Jimba Kuna, um dos refugiados.
Campos sobrelotados
Neste momento, os centros de acolhimento improvisados estão sobrelotados. Mas, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), está em curso a construção de um campo de acolhimento no Lovua, a 35 quilómetros da fronteira. Mais de um milhão de pessoas fugiu da região de Kasai e novos refugiados chegam constantemente a Angola.
"Excedemos o limite de espaço e, por isso, estamos a preparar um novo centro de acolhimento em cooperação com as autoridades nacionais", diz Margarida Loureiro, oficial de proteção do ACNUR. "No entanto, estamos também a providenciar para que as carências atuais sejam supridas. Temos uma campanha de vacinação duas vezes por semana para as crianças que chegam. Por exemplo, hoje tivemos cerca de 500 novas chegadas e todas as pessoas tiveram acesso a cuidados básicos e segurança aqui no centro."
Sudão do Sul: Crianças da zona de guerra
No Sudão do Sul, deslocados internos são acolhidos nos campos de proteção das Nações Unidas. Muitos são crianças sem os pais. A Nonviolent Peaceforce (NP), uma organização não-governamental, tem ajudado essas crianças.
Foto: DW / F. Abreu
Entre os deslocados, pais desaparecidos
Mais de 30.000 pessoas vivem nos campos de acolhimento das Nações Unidas em Juba, capital do Sudão do Sul. Cerca de 7.000 são crianças que perderam contacto com os pais. Agora, a ONG Nonviolent Peaceforce está tentando reunir as famílias.
Foto: DW / F. Abreu
Encontrando as famílias
O primeiro passo é definir a identidade da criança. Em seguida, recolhe-se o máximo de informações possíveis que possam ajudar a localizar os pais. Os dados ficam então disponíveis na internet e podem ser acessados por todas as organizações que trabalham pela protecção das crianças no Sudão do Sul. Se uma família não pôde ser localizada, as crianças são encaminhadas para adoção.
Foto: DW / F. Abreu
Forças de Paz femininas
No Sudão do Sul, a Nonviolent Peaceforce protege mulheres e crianças. Esses grupos raramente participam dos conflitos armados, mas são muito afetados. Por isso, a organização está a criar equipas femininas de luta pela paz. Essas mulheres são especialmente treinadas para combater a violência sexual e de gênero nas comunidades.
Foto: DW / F. Abreu
Mulheres pela Paz
Além de treinamento, as equipas de Mulheres pela Paz recebem acompanhamento constante. Elas ajudam outras mulheres vulneráveis nas comunidades contra a violência sexual, de gênero e também a identificarem os riscos. Em contacto com as autoridades, contribuem para que os culpados sejam levados à justiça.
Foto: DW / F. Abreu
Ulang, no Estado do Alto Nilo
A guerra civil começou como uma disputa política. Entretanto, reacendeu o conflito entre as etnias Dinka, do Presidente Salva Kiir; e Nuer, liderada pelo rebelde Riek Machar. Ulang, região localizada no Estado do Alto Nilo, é dominada pelos Nuer. Em maio de 2015, foi alvo das tropas do Governo. O resultado? Dezenas de pessoas mortas. A única área de paz tornou-se palco de mais um conflito.
Foto: DW / F. Abreu
Proteção para as crianças de Ulang
Em Ulang, a Nonviolent Peaceforce desenvolve um projeto de proteção para as crianças. Esse é um dos seis projetos dessa organização não-governamental no Sudão do Sul. Tais projetos variam de acordo com as necessidades locais. Em Ulang, por exemplo, voluntários da comunidade garantem o lazer e o esporte às crianças.
Foto: DW / F. Abreu
Futebol num antigo campo de batalha
Na escola primária Kopuot, em Ulang, as crianças que participam do projeto agora podem jogar futebol. O prédio ao fundo ainda tem as marcas de balas nas paredes. Uma triste lembrança de que, durante a ofensiva de maio, essa escola foi alvo das tropas do Governo.
Foto: DW / F. Abreu
De volta à escola
Em maio, durante a ofensiva do Governo, todos os materiais escolares e muitos outros materiais foram destruídos. Agora, em salas de aula improvisadas, luta-se para que as crianças da comunidade tenham acesso à educação. Autoria: Fellipe Abreu