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Refugiados na Alemanha transformam música em protesto político

20 de junho de 2012

A banda Strom & Wasser, de Hamburgo, encabeça o CD We Are One em que os músicos convidados são refugiados na Alemanha. A diversidade de sons, com gente do mundo todo, ajuda a contar histórias tristes em um disco alegre.

Heinz Ratz e Sam dividem o palco em uma mistura de sons
Heinz Ratz e Sam dividem o palco em uma mistura de sonsFoto: autofocus videowerkstatt

Tem gente que nasce para os esportes. Outros nascem com talento musical e fazem dos ritmos a sua vida. Há ainda quem se engage politicamente e use sua voz para chamar a atenção para aqueles que não podem gritar. E há Heinz Ratz, um músico alemão multifacetado que faz tudo isso ao mesmo tempo. Ele lidera a banda Strom & Wasser - que significa energia elétrica e água: um nome para lá de certo para quem não sabe ficar parado. E nessa ânsia de se mexer sempre, Heinz Ratz achou que fazer sucesso com sua banda de rock não era o bastante e percorreu a Alemanha de bicicleta, fazendo shows em cada parada, mas sobretudo visitando abrigos para refugiados. Nas cidades onde tocou durante essa jornada, descobriu que o eldorado europeu não se aplica a quem, para as leis, vive em seu país de favor.

O músico conheceu histórias e pessoas: da África, da Ásia, do Oriente Médio. Cidadãos do mundo. Em comum, todos refugiados na Alemanha, músicos de talento, mas de um futuro incerto. Histórias de vida cantadas em poesia, como a canção Und die Freiheit in Europa, sobre a liberdade no Velho Mundo. “Liberdade na Europa é um texto que escrevi, porque acredito que é importante que as pessoas que estão sentadas nos escritórios vejam o que estão a fazer, que têm a atribuição de decidir o destino de outras pessoas”, explica Ratz.

A liberdade na Europa

Heinz Ratz percorreu a Alemanha de bicileta e conheceu os abrigosFoto: Gerhard Loehr

O texto da poesia musicada diz, em um dos trechos, mais ou menos isso: “Ele se chama Ahmed ou Isaac, ou Naji ou Sam. E por isso não se vai adiante em dizer de onde cada jovem vem. Em casa, a mãe disse: precisas correr agora! Corre jovem! Não para o Leste! É somente no Oeste que o sol nasce. E então o jovem percorre mil milhas e em cada milha há uma dor. Mas, por outro lado, ele anseia em, finalmente, ver a liberdade”. A história prossegue dizendo: “E essa liberdade é suja e eu vou morrer por isso. Mãe, por que eu vivo tão longe? E a liberdade na Europa é, para os estrangeiros, apenas uma palavra.”

Heinz Ratz explica que a inspiração para o CD nasceu de um outro projeto. “No começo do ano passado, eu fiz uma viagem de bicicleta pela Alemanha. À noite eu fazia concertos e, durante o dia, eu visitava abrigos de refugiados. Fiquei em choque ao ver as condições em que eles vivem.” O músico garante que o projeto nasceu não pensando no dinheiro ou nos concertos, mas em fazer alguma coisa positiva para essas pessoas que vivem em uma situação tão triste. “Eu conheci muitos músicos talentosos nesses abrigos e muitos deles nem sequer tinham instrumentos para tocar suas músicas. Então, os levei para Hamburgo, para gravarmos um CD”, lembra.

Uma Babel no estúdio

No estúdio, o tempo era pouco, mas a vontade de cantar foi maiorFoto: autofocus videowerkstatt

Uma Babel se formou no estúdio, em Hamburgo, e Heinz Ratz perdeu as contas de quantas línguas foram faladas durante a produção das 16 faixas do CD, mas colocou algumas delas em uma mesma canção, Alle Bleiben, que traduzindo quer dizer "todos ficam".  Entre as diferentes nacionalidades, contou 16. Filho de mãe peruana, ele próprio tem um pé no Novo Mundo, mas seus projetos não têm nacionalidade. A preocupação de Ratz nunca foi a de contar quantos eram ou de onde vieram os músicos. “Eu acho que ao todo 32 ou 35 estiveram no estúdio”, conta Ratz.

A matemática ficou restrita aos compassos e ritmos bem marcados. A influência árabe em muitas faixas é clara. As percussões na batida do coração africano também. Do folclore ao rap, do pop às canções de contemplação espiritual. Histórias tristes se transformaram em um disco alegre e a mistura musical é tão eclética quanto as cores e traços da gente que as gravou. O resultado é mais do que uma produção musical. É um manifesto político com letras fortes e palavras de ordem que exigem direito, liberdade e, sobretudo, respeito.

Diversidade de gêneros

O CD The Refugees traz 16 faixas com uma mistura eclética de sonsFoto: autofocus videowerkstatt

As músicas são de diferentes gêneros. “Muitas vezes, os refugiados sugeriram o que fazer. Em outras, conversamos juntos no estúdio sobre o que faríamos. Na maioria das vezes, os refugiados tinham a autorização para ficar poucos dias fora e, com isso, pressa em decidir o que tocar, o que cantar para voltar às suas casas e não perderem o seu status", conta.

O percussionista Sam, de 29 anos, era um dos que tinham pressa. Ele vive há quatro anos em Reutlingen, no estado de Baden-Württemberg, desde que saiu da Gâmbia por razões que reserva para si. Antes de partir, perdeu as contas das vezes em que ouviu da mãe que a música não lhe traria futuro algum. “Minha mãe costumava dizer: por que você não faz outra coisa além de tocar e cantar? Mas sempre foi isso o que eu queria fazer. Eu sonhava alto, que um dia estaria diante de milhares de pessoas, cantando. Agora, eu posso ver esse sonho se tornar realidade”, festeja.

Um canto para dividir o pão

Heinz Ratz ouviu as histórias dos refugiados e teve a ideia de gravar um CDFoto: Gerhard Loehr

Sorte, destino, coincidência. O fato é que Sam e Heinz Ratz se esbarraram na hora certa, no lugar certo. Sam foi ouvir a banda Strom & Wasser a convite de amigos. Os concertos eram gratuitos para os refugiados. Foi quando Heinz Ratz ficou sabendo que havia um músico na platéia e chamou Sam para o palco. “Eu não queria ir, mas os meus amigos praticamente me carregaram. Perguntei o que eu devia tocar. Ele disse para eu tocar o que quisesse. Toquei uma música chamada Domoro, típica do meu país e quando eu terminei o público pedia mais um, mais um”, recorda.

Heinz Ratz e sua banda podem não ter entendido uma única palavra do que Sam cantou naquela noite. Mas a música típica da Gâmbia e do Senegal fala em dividir. “Falando diretamente, a música diz: você está comendo. Por que não pode me chamar também? Eu quero me juntar a você”. Para ele, a letra tem uma relação muito forte com o cenário internacional. “Por que não ajudam quem tem fome antes de usar o dinheiro para comprar armas e brigar uns com os outros? Por que não nos dão comida?”

Reverência e agradecimento

Sam finalmente pode cantar, que é o que ele mais ama na vidaFoto: autofocus videowerkstatt

Além da canção folclórica da Gambia, Sam gravou a faixa Bamba para o CD. Uma música de reverência ao líder religioso e pacifista Amadou Bamba. Feliz como nunca antes, o percussionista não esconde a emoção e se perde na hora de buscar palavras para dizer o quanto esse projeto musical é importante na sua vida. “Heinz é alguem que... Eu não sei por onde começar. Ele é um grande cara. É como um irmão para todos nós, refugiados.”

Sam faz questão de deixar claro que, sem a iniciativa de Ratz e o apoio da banda Strom & Wasser, o projeto não teria acontecido. “Ele chamou todo mundo e disse: mostrem o que sabem. Somos de diferentes países e todos temos nossos talentos, nossa música. Explorar isso era o problema”.  O músico ganense disse que o convite para ir à Hamburgo e a reunião de tanta gente, de diferentes países, foi como um sonho a se tornar realidade. “Não só para mim, mas para todos os músicos nessa banda de refugiados”, completa.

Sem o direito de ir e vir

Heinz Ratz ficou chocado com a falta de condições e direitos dos refugiados na AlemanhaFoto: Linn Marx

Mas para conseguir reunir Sam e todos os outros no estúdio de Hamburgo, o trabalho de Heinz Ratz foi além de comprar passagens e reservar hotéis. Se a música serviu como idioma comum durante a produção, o desafio foi exatamente conseguir entender a língua da burocracia. Refugiados não podem sair da cidade sem a autorização dos escritórios de estrangeiros. Não têm o direito de ir e vir dentro do país. Sam conseguiu uma autorização especial para acompanhar a banda em alguns shows. Agarrou a oportunidade com a firme certeza de que esta é a sua hora.

Em excursão pelo país, Sam segue cantando Bamba e Domoro, pedindo para que todos dividam o pão. Ele está orgulhoso por finalmente estar ocupado com alguma coisa que ama fazer. “Esta é a minha vida. Eu levo isso a sério e quero dizer para todo mundo que somos seres humanos”, enfatiza. Sam diz que, como ele, todos do projeto só querem entreter e mostrar que são talentosos. A música é, para eles, uma arma contra o preconceito. “As pessoas pensam diferente de nós: eles são refugiados, devem ser criminosos! Não, não somos isso. Somos como qualquer outra pessa. Isso é muito importante para nós. Sair, espalhar nossa mensagem de amor e felicidade”.

Autora: Ivana Ebel
Edição: António Rocha

The Refugees - para ON LINE - MP3-Mono

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