Refugiados na Somália convivem com insegurança e habitação precárias
14 de setembro de 2013 Eles vivem em residências de emergência feitas de sacos e placas de plástico, peças de roupa velha e trapos. O campo de refugiados de Darwish, no centro de Mogadíscio, diferencia-se bastante de outros campos na cidade.
Cerca de 400 pessoas dividem uma casa de banho – os padrões internacionais estabelecem que deveriam ser 50 para situações de desastre.
Em Mogadíscio, a situação é muito pior. Há algum tempo, já não se fala mais por aqui em catástrofe. Este já é o cotidiano para 300 mil pessoas por aqui. "Nós somos ao todo dez na minha família. Uma destas pessoas é uma senhora idosa que é cega. Nós todos temos que dividir apenas duas cabanas", diz a refugiada Abay Nur Ibrahim.
Ela tem um dos seus cinco netos nos braços. A sua filha teve trigêmeos no mês passado. As crianças estão em uma das barracas, deitados sobre uma esteira. A idosa cega a qual ela se refere é a sua mãe. Felizes por terem um interlocutor para conversar, ela e a sua filha, Nimo Mohamed Maahi, respondem cada pergunta praticamente juntas.
"Nós mulheres não temos qualquer emprego. Meu marido recebe também pouco dinheiro. Dependemos de ajuda. Eu não tenho nem idéia de como devo conseguir mandar meus filhos para a escola. Eu quase não consigo prover o suficiente para eles comerem e vestirem. Eu estou muito preocupada", desabafa Nimo.
Sem renda
O medo do futuro não faz com que ela fuja do desafio de cuidar dos cinco filhos. "Os trigêmeos têm somente um mês. Nós vivemos como refugiados e o futuro é sombrio."
Os trigêmeos precisam de alimentação especial para crianças recém nascidas. Conforme Abay, a sua filha não produz leite suficiente e não há dinheiro para alimentação suplementar. A família vive do dinheiro que o pai consegue diariamente.
Em dias bons, ele consegue ganhar o suficiente para duas refeições com feijão, milho e farinha. Nos dias ruins, eles não comem nada. A família se refugiou quando houve a última grande crise alimentar na capital há dois anos. Os seus pertences se resumem as esteiras, os colchões, a rede mosqueteira, uma placa de plástico e os utensílios de cozinha.
Tudo foi doado pela organização humanitária internacional "Save the Children". A organização e algumas outras perfuraram poços e construíram latrinas, além de dispor de auxílio médico básico. Conforme explica Susan Collyer, da Save the Children, trata-se de uma emergência devido a todos os indicadores, como as taxas de subnutrição.
"A situação melhorou nos últimos dois anos quando se acentuou a crise alimentar que atingiu várias regiões da Somália. As pessoas dizem que têm recebido agora menos ajuda das agências internacionais do que recebiam há um ano", explica Collyer.
Falta de financiamento é ameça
Para Susan Collyer, da Save the Children, a atual barreira da ajuda humanitária na região é o financiamento para a prestação do serviço. "Há um ano, nós tínhamos financiamento de diferentes doadores e da comunidade internacional para distribuição de comida nos acampamentos, para dar regularmente ração alimentar para toda a família. Nós não conseguimos fazer isto agora porque o financiamento parou", revela a técnica da organização.
Outro problema é a segurança. Em agosto, uma das organizações humanitárias mais ativas na Somália, os "Médicos Sem Fronteiras" (MSF), anunciou a sua retirada da Somália devido aos ataques que os seus funcionários estão a sofrer naquele país.
Muitas famílias precisam de apoio regularmente. O financiamento ainda não é suficiente também para manter os centros de saúde, onde seriam preparados alimentos especiais para as crianças e assistência médica. "Eu sei que muito foi construído em Mogadíscio, que as pessoas estão voltando do exterior para reconstruir o país, constata a refugiada Nimo Mohamed Maahi.
Os planos inquietantes do Governo da Somália
As organizações de ajuda humanitária estão alarmadas com os planos do Governo de mudar os refugiados de assentamento. A questão também inquieta os próprios refugiados, principalmente por questões de segurança.
"Isto me inquieta bastante. Seriamos reassentados num lugar como este? Muitos refugiados em outras áreas da cidade são ameaçados, mulheres são sexualmente atacadas. Se o governo garantir a nossa segurança, estaremos prontos para partir", afirma a refugiada Abay Nur Ibrahim.
De fato, as condições nos campos de refugiados não são tão ruins ao ponto de ninguém poder viver por lá. Deve se considerar que muitas pessoas que voltam para o país querem suas terras e suas casas de volta. A questão é que muitas, neste momento, estão ocupadas por refugiados.
As agências de ajuda humanitária insistem que os refugiados são os únicos a serem reassentados em lugares com, no mínimo, latrinas, poços com água e estações de polícia. Quando os planos foram anunciados há alguns anos, pareceu que nem a infra-estrutura mínima tinha sido planejada. A pressão de doadores e das agências humanitárias fez com que os administradores públicos demorassem um pouco mais tempo para definir a situação.
Violência sexual no cotidiano
Um grande problema para os refugiados é a violência sexual cometida tanto por soldados quanto por milícias, da qual os refugiados estão totalmente vulneráveis. O assunto é tabu entre a população somali, que é muçulmana e muito religiosa.
Organizações humanitárias como a "Save Somali Women and Children" oferecem apoio às vítimas que sobreviveram e, ao mesmo tempo, tentam romper o silêncio sobre o assunto para que os violadores não fiquem impunes. Sharifa Mohamed encontra conforto na organização.
Apenas neste lugar, ela consegue falar sobre o que aconteceu há quatro meses. Ela conta que, uma noite, ela saiu para comprar comida para o filho. Era quase 10 horas porque o marido chegara tarde com o dinheiro. "Eu procurei um mercado aberto e, de repente, três homens, surgiram na minha frente e me arrastaram para uma esquina escura", explica.
Ela lutou sem qualquer chance contra os três homens muito mais fortes do que ela. Não houve quem pudesse ajudá-la. Eles a deixaram ir após uma hora e meia. Ela voltou para sua cabana chorando. "Eu tinha dores muito fortes no abdômen e nas costas, além disso me sentia abusada. Alguns dias depois eu ainda não conseguia ficar em pé devido às dores."
Polícia precária
Quando a esposa chegou em casa desesperada, o marido ficou furioso e correu atrás dos agressores, que já havia sumido há algum tempo. A idéia de ir à polícia nem sequer passou pela cabeça de Sharifa e do marido. As forças policiais somalis mal conseguem funcionar.
A polícia tem recebido apoio financeiro da Alemanha e com o governo legitimado de Sheikh Hassan Mohamud, há um ano, há um esforço institucional para evolução. Entretanto a força policial ainda é muito ineficiente e corrupta. Na consciência da população, a polícia não é um interlocutor presente e não consegue levar justiça a situações como estas.
"Na manhã seguinte, eu vi três mulheres no local. Elas perguntaram se estava tudo bem, se nós estávamos satisfeitos com a segurança, se eu tive uma noite tranquila ou se nós precisávamos de ajuda?" As três mulheres descritas por Sharifa Mohamed eram colaboradoras da organização de ajuda humanitária "Save Somali Women and Children".
Elas foram até lá na ocasião para oferecer apoio médico e psicológico. "Save Somali Women and Children" oferece também assistência legal às mulheres vítimas de violência. Fartuma Ibrahimi trabalha há cerca de um ano para a organização que opera em Mogadíscio. Desde então 1.300 mulheres foram atendidas.
Justiça impotente
Ibrahimi diz que "são de todas as idades, dos quatro aos 80 anos. Também são de todos os gêneros, garotos e meninas." A maioria vive no mais nos diversos campos de refugiados para deslocados em Mogadíscio. De acordo com diversas estimativas, 370.000 pessoas ainda não têm um abrigo apropriado, vivendo em cabanas de emergência que elas próprias construíram.
Nestes locais, as pessoas ficam entregues a própria sorte diante de criminosos armados. Sharifa Mohamed também vive com sua família em uma dessas cabanas. Os criminosos não costumam ser legalmente perseguidos. Via de regra, as mulheres mantém os crimes em segredo. Falar sobre a violação é um tabu. Mesmo quando o crime é revelado, o judiciário mantém-se impotente.
Por vezes, o caso é usado até mesmo contra as vítimas, como aconteceu no início deste ano, quando a justiça sentenciou uma mulher a um ano de prisão. A razão é que ela apontou as forças de segurança como responsáveis pelo crime. A justiça interpretou isso como um desacato às instituições do Estado.
Um jornalista que noticiou o caso foi igualmente condenado. Apenas depois da repercussão negativa e da indignação sobre o caso no exterior, ambos foram soltos. Desde então, entretanto, conforme Fartuma Ibrahimi, menos vítimas se atrevem a confiar em alguém e falar sobre o crime.