Regime camaronês reage com mão de ferro a protestos
Henry-Laur Allik
31 de janeiro de 2019
O regime do Presidente camaronês Paul Biya enfrenta uma longa lista de problemas. Mas o líder octogenário só sabe reagir a todas as situações com intransigência e mão de ferro. A insatisfação dos camaroneses cresce.
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Maurice Kamto afirma ter ganhado as eleições de outubro passado, que resultaram na reeleição para um sétimo mandato consecutivo do Presidente octogenário, Paul Biya. O regime em Yaoundé ameaça banir o maior partido da oposição, Movimento para o Renascimento dos Camarões (MRC), que acusa de fomentar o desacato. As autoridades respondem com violência aos protestos em curso desde o controverso escrutínio. Pelo menos seis pessoas foram feridas, algumas atingidas por balas. Entre os mais de cem detidos estão várias figuras de destaque da oposição.
A Organização das Nações Unidas (ONU) manifestou preocupação com a crescente violência no país. Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU, condenou a atuação das forças de ordem e a prisão de Kamto e outros políticos. "Pedimos às autoridades camaronesas que respeitem a liberdade de expressão. O secretário-geral reitera a necessidade de todas as partes interessadas dos Camarões se envolverem num diálogo político inclusivo e genuíno para fazer face aos desafios que o país enfrenta”.
Embaixadas em Paris e Berlim tomadas de assalto
Os desafios são muitos e o cerco a Paul Biya está a apertar-se. No fim-de-semana (26/27.01.), os protestos ganharam uma nova dimensão com a ocupação das embaixadas dos Camarões em Berlim e Paris por camaroneses no exílio. Num vídeo publicado numa plataforma social online, Daniel Essissima, um dos 50 manifestantes que tomaram de assalto a embaixada na capital francesa, afirmou: "Os camaroneses estão fartos de ser tomados por parvos”. Em Berlim, a polícia teve que intervir para retirar dez ocupantes do recinto da embaixada dos Camarões.
Ao aumento da violência por parte das autoridades e desrespeito pela liberdade de expressão há que juntar a crise na região anglófona do país, que já se transformou num conflito armado, e pode estar perto de ganhar novas proporções.
Crise económica
Os confrontos entre os separatistas e o exército camaronês obrigam os agricultores a abandonarem os seus campos e a fugir para as cidades. O que poderá originar, em breve, uma crise alimentar, constata o economista Wifah Genevarus.
Regime camaronês reage com mão de ferro a protestos
"Os agricultores locais abandonaram as suas propriedades e aldeias e refugiaram-se nas cidades, onde obviamente não há campos de cultivo. Se a guerra continuar, caminharemos para uma situação em que não haverá comida para comprar e comer”. Segundo o senador Honoré Ngam a situação de crise compromete segurança alimentar "pelo facto dos moradores das áreas rurais, que sustentavam as suas vidas através da agricultura, estarem a fugir para os centros urbanos”.
Dependência de assistência para sobreviver
Acresce que os Camarões são, cada vez mais, alvo de ataque do grupo terrorista nigeriano Boko Haram, que alastrou o seu raio de ação violenta aos países vizinhos. Mas o papel dos Camarões na luta contra os fundamentalistas islamitas é também o que torna o ocidente reticente em condenar o regime autoritário.
No leste dos Camarões, Yaoundé tem que lidar com grupos armados da República Centro-africana, mais uma fonte de desestabilização. E em novembro, o prestígio dos Camarões sofreu mais um rude golpe, quando lhes foi retirada a organização da Copa Africana das Nações 2019 (CAN), por causa da violência e insegurança no país.
Recentemente a ONU divulgou que 4,3 milhões de camaroneses ou um em cada seis cidadãos, necessita de assistência de emergência para sobreviver.
Presidentes africanos para sempre
Vários presidentes africanos governam há tanto tempo, que muitos cidadãos não conhecem outro líder do seu país. Teodoro Obiang Nguema é o líder africano há mais tempo no poder: governa a Guiné Equatorial desde 1979.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Alamba
Guiné Equatorial: Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo é atualmente o líder africano há mais tempo no poder, depois de, em 2017, José Eduardo dos Santos ter deixado o cargo de Presidente de Angola, que ocupava também desde 1979. Neste ano, Obiang chegou ao poder através de um golpe de estado contra o seu tio, Francisco Macías. Nas últimas eleições no país, em 2016, Obiang afirmou que não voltaria a concorrer em 2020.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Lecocq
Camarões: Paul Biya
Com o seu nascimento no ano de 1933, Paul Biya é o Presidente mais idoso do continente africano e apenas ultrapassado em anos no poder pelo líder da vizinha Guiné Equatorial. Biya chegou ao poder em 1982. Em 2008, uma revisão à Constituição retirou os limites aos mandatos. Em 2018, Biya, foi declarado vencedor das eleições. Os Camarões atravessam uma crise com a rebelião na parte anglófona.
Foto: picture-alliance/AA/J.-P. Kepseu
Uganda: Yoweri Museveni
Com mais de 30 anos no poder, Yoweri Museveni é, para uma grande parte dos ugandeses, o único Presidente que conhecem. 75% dos atuais 35 milhões de habitantes nasceram depois de Museveni ter subido ao poder em 1986. Em 2017, foi aprovada a lei que retira o limite de idade (75 anos) para concorrer à Presidência. Assim sendo, Museveni já pode concorrer ao sexto mandado, nas eleições de 2021.
Foto: picture alliance/AP Photo/B. Chol
República do Congo: Denis Sassou Nguesso
Foi também uma alteração à Constituição que permitiu que Denis Sassou Nguesso voltasse a candidatar-se e a vencer as eleições em 2016 na República do Congo (Brazzaville). Já são mais de 30 anos à frente do país, com uma pequena interrupção entre 1992 e 1997. Denis Sassou Nguesso nasceu no ano de 1943.
Foto: picture-alliance/AA/A. Landoulsi
Ruanda: Paul Kagame
Paul Kagame lidera o Ruanda desde 2000. Antes, já teve outros cargos influentes e foi líder da Frente Patrifótica Ruandesa (FPR), a força que venceu a guerra civil no Ruanda. Em 2017, Kagame ganhou as eleições com 98,8% dos votos. Assim poderá continuar no poder até, pelo menos, 2034. Assim ditou a consulta popular realizada em 2015 que acabou com o limite de dois mandatos presidenciais.
Foto: Imago/Zumapress/M. Brochstein
Burundi: Pierre Nkurunziza
Em 2005, Pierre Nkurunziza chegou ao poder no Burundi. Em 2015, o terceiro mandato de Nkurunziza gerou uma onda de protestos entre a população que, de acordo com o Tribunal Penal Internacional, terá causado cerca de 1.200 mortos e 400.000 refugiados. Em maio de 2018, teve lugar um referendo para alterar a Constituição, que permitiu ao Presidente continuar no cargo até 2034.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Gabão: Ali Bongo Ondimba
Ali Bongo ainda está longe de quebrar o recorde do pai, que esteve 41 anos no poder, mas já vai no terceiro mandato, ganho em 2017, no meio de muita contestação. Em 2018, a Constituição do Gabão foi revista para acabar com o limite de mandatos. A nova versão da Constituição também aumentou os poderes do Presidente para tomar decisões unilateralmente.
Foto: Reuters/Reuters TV
Togo: Faure Gnassingbé
Em 2005, Faure Gnassingbé substituiu o pai, que liderou o país durante 38 anos. Ao contrário de outros países, o Togo não impunha um limite aos mandatos. Em 2017, após protestos da população contra a "dinastia" Gnassingbé, foi aprovada a lei que impõe um limite de mandatos. No entanto, a lei não tem efeitos retroativos, pelo que o ainda Presidente poderá disputar as próximas eleições, em 2020.
Foto: DW/N. Tadegnon
Argélia: Abdelaziz Bouteflika
Abdelaziz Bouteflika esteve 20 anos no poder na Argélia (1999-2019). Em 2013, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), mas nem a idade, nem o estado de saúde travaram o Presidente de anunciar que iria procurar um quinto mandato em 2019. Em abril de 2019, face a protestos públicos, anunciou a sua renúncia ao cargo. Nesta altura, já teve 82 anos de idade.