Em Lisboa, José Marcos Mavungo critica a prisão de 29 pessoas, no passado sábado (16.12), em Cabinda, fala em expetativa positiva perante o Governo de João Lourenço, mas diz que nada mudou no enclave.
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Em entrevista à DW África, em Lisboa, o ativista cabindês, José Marcos Mavungo, critica, de forma veemente, a repressão e as interdições aos direitos humanos, particularmente no território de Cabinda.
O ativista fala de uma certa expectativa criada pelas recentes medidas e exonerações desencadeadas pelo Presidente de Angola, João Lourenço, no sentido de salvar o regime. Mas, lamenta, nada mudou no enclave.
"O espírito despótico, a repressão, as perseguições republicanas, as interdições continuam e de uma maneira muito particular a nível de Cabinda, durante os 42 anos [de Governo do MPLA]", declara.
Mavungo reage assim às recentes detenções, pela Polícia Nacional, de 29 ativistas dos direitos humanos que saíram à rua, no passado sábado (16.12), para participar numa marcha de protesto. Os manifestantes presos foram libertos no mesmo dia.
"A leitura que se pode fazer destas prisões é que o regime não mudou e não está predisposto a corrigir o que está errado e a melhorar o que está bom no tocante a Cabinda", avalia.
"Cabinda é um país sob a governação de um Estado colonizador de tipo feudal. É um território que tem muitas riquezas e potencialidades, mas toda a riqueza explorada – o petróleo, a madeira, ouro e diamante – é levada [pelo regime de Luanda]. E o mais agravante ainda é, sobretudo, a falta de vontade política para resolver o diferendo que o Governo tem com as populações de Cabinda", afirma.
Críticos sob pressão
Marcos Mavungo esteve preso no enclave durante 436 dias. Saiu da prisão no dia 20 de maio de 2016, tendo sido considerado prisioneiro de consciência no ano anterior, pela Amnistia Internacional. Diz que se vive um clima de tensão e de detenção desde 1 de dezembro, quando se fez o anúncio da manifestação do dia 16.
"Logo no dia 2, prenderam seis jovens. Foram presos às 11 horas da manhã e libertos às 19 horas. Também, no dia 16, os 29 ativistas presos foram libertos paulatinamente. O primeiro grupo foi liberto às 18:30 horas e e o segundo grupo foi liberto às 23 horas. Tudo isto é uma estratégia do regime para fazer pressão psicológica sobre os ativistas, para poder torturar os ativistas, conforme fizeram com todos aqueles que tentaram levantar a cabeça, que tentassem imprimir uma nota crítica à governação em Cabinda", avalia.
Marcos Mavungo cita várias vítimas, entre as quais o Padre Raul Tati, Francisco Luemba e Aarão Bula Tempo. Muitas delas pagaram com as próprias vidas. "Uns são mortos, outros são levados à cadeia", acrescenta, denunciando a estratégia do regime para calar as vozes que se levantam contra a opressão e a situação alienante em que vivem as populações de Cabinda.
Cabinda - presos - MP3-Stereo
Falta de interesse governamental
Quanto aos sinais de mudança imprimidos pelo Governo do Presidente João Lourenço, o ativista de Cabinda espera que seja revisto o Memorando de Entendimento e o estatuto do enclave. Lembra a visita do Presidente ao território e recente encontro entre o Governador local e os jovens, “onde se discutiu [a situação] sem tabu e sem medo”.
"Mas tudo deixa a crer que não há uma vontade séria. Há uma certa má fé no Governo. O Governo não está interessado", avalia.
"Se não se resolvem os problemas atuais da governação em Cabinda, pelo menos [que] se crie um clima em que cada vez mais se vai eliminando as tensões. E eu creio que este clima deve passar por uma pacificação dos espíritos. E essa pacificação dos espíritos supõe um diálogo franco, o respeito pelos direitos humanos, o respeito pela própria Constituição, o respeito pela lei", defende.
E um dos itens contemplado pela lei, lembra, é o direito à manifestação, que não carece de autorização. O Parlamento angolano votou a lei e Mavungo considera que não faz sentido as pessoas que a aprovaram serem as que a estão a violar. "Esta falta de cultura [de respeito] da lei mostra que o regime não está predisposto às mudanças", afirma o ativista.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.