Em gesto histórico, rei da Bélgica pede desculpa ao Congo
mc | Lusa
30 de junho de 2020
O rei da Bélgica apresentou pela primeira vez na história os "mais profundos arrependimentos pelas feridas" causadas durante o período colonial no Congo”. Gesto ocorre dias depois de declaração polémica de príncipe.
Este pedido de desculpas público, inédito na história do país, deu-se através de uma carta enviada esta terça-feira (30.06) ao presidente da RDC, Félix Tshisekedi, onde o rei da Bélgica escreveu:
"Gostaria de expressar os mais profundos pesares por essas feridas do passado, cuja dor agora é reacendida pela discriminação ainda presente nas nossas sociedades".
Controverso Leopoldo II
"Na época do Estado Independente do Congo [quando este território africano era propriedade do ex-rei Leopoldo II], foram cometidos atos de violência e crueldade que ainda pesam na nossa memória coletiva", assegurou Filipe, que reina desde 2013.
"O período colonial que se seguiu [o do Congo Belga de 1908 a 1960] também causou sofrimento e humilhação", acrescentou.
O rei Filipe afirmou o compromisso de "combater todas as formas de racismo": "Encorajo a reflexão iniciada pelo nosso parlamento para que a nossa memória seja definitivamente pacificada", continuou.
Por décadas, o monarca Leopoldo II é acusado por alguns ativistas anticoloniais de matar milhões de congoleses. Muitos congoleses foram mutilados ou mortos, quando eles ou os seus familiares não conseguiram produzir as quantidades impostas pelos colonizadores para a produção de borracha.
Príncipe discorda?
Esta carta do rei Filipe sucede a uma declaração polémica proferida pelo seu irmão mais novo, o príncipe Laurent, que diz não acreditar que o rei Leopoldo II "tenha feito sofrer a população" da atual República Democrática Congo.
Numa entrevista ao jornal local Sudpresse citada pela agência belga de notícias a 12 de junho, o príncipe adiantou que Leopoldo II nunca esteve pessoalmente no Congo, pelo que não compreende as acusações dirigidas ao antigo rei da Bélgica.
"Devem saber que houve muitas pessoas que trabalharam para Leopoldo II e que realmente abusaram, mas isso não significa que Leopoldo II tenha abusado. Ele nunca foi pessoalmente ao Congo, por isso não vejo como ele poderia fazer sofrer as pessoas de lá", disse Laurent.
O príncipe acrescentou ainda que "pede sempre desculpa" pelas ações dos europeus quando se reúne com chefes de Estado africanos.
A derrocada de símbolos coloniais e racistas
A morte do afro-americano George Floyd incentivou um movimento de derrube de símbolos coloniais em todo o mundo. Manifestantes consideram que as estátuas em homenagem a líderes escravocratas são inapropriadas.
Foto: picture-alliance/empics/B. Birchall
Um gesto contra a escravatura
Uma das primeiras estátuas a serem derrubadas nas manifestações do movimento "Black Lives Matter" ("As vidas negras importam") foi a de Edward Colston, comerciante de escravos do século XVII. Erguido em 1895 no centro de Bristol, no Reino Unido, o monumento de bronze foi jogado ao rio que corta a cidade.
Foto: picture-alliance/empics/B. Birchall
Estátua de Leopoldo II retirada
A cidade de Antuérpia, no norte da Bélgica, retirou uma estátua vandalizada do rei Leopoldo II depois de protestos contra o racismo. Leopoldo II protagonizou muitas das piores atrocidades do colonialismo europeu em África, nomeadamente na atual República Democrática do Congo (RDC).
Foto: Reuters/ATV
Colombo derrubado
Estátuas do explorador italiano Cristóvão Colombo foram derrubadas em várias cidades dos Estados Unidos da América. Na cidade de Richmond, no estado norte-americano da Virgínia, os manifestantes jogaram uma estátua ao chão e envolveram-na numa bandeira em chamas, lançando-a depois a um lago.
Foto: Reuters/Instagram/Videoguns
Estátua de Colombo decapitada
Em Boston, a estátua de Cristóvão Colombo ficou sem cabeça. O monumento no coração da capital do estado de Massachussetts é motivo de controvérsia há muitos anos e já tinha sido vandalizado no passado.
Foto: Reuters/B. Synder
Graffiti em memória de Floyd
Em Miami, no estado norte-americano da Flórida, além de uma estátua de Cristóvão Colombo, um monumento de Juan Ponce de León, outro conquistador espanhol, foi grafitado, incluindo com o nome de George Floyd.
Foto: picture-alliance/AA/E.-A. Uzcategui Trinkl
Manifestantes foram mais rápidos
Em Richmond, nos EUA, os manifestantes derrubaram uma estátua de Jefferson Davis, que foi presidente dos Estados Confederados da América durante a guerra civil. A cidade já tinha planeado retirar a estátua, mas os manifestantes foram mais rápidos.
Foto: Getty Images/AFP/P. Michels-Boyce
Proprietário de escravos
Ainda na cidade de Richmond, manifestantes usaram cordas para derrubar a estátua do general confederado Williams Carter Wickham do seu pedestal, em Monroe Park. O líder pró-confederação norte-americana era proprietário de escravos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/A. W. Edlund
Contra jornalista italiano
A estátua do jornalista Indro Montanelli, em Milão, norte da Itália, também foi alvo dos protestos antirracistas. O italiano reconheceu que, nos anos 1960, teve uma "noiva" de 12 anos de idade, vinda da Eritreia.
Foto: Reuters/F. Lo Scalzo
Winston Churchill blindado
Em Londres, manifestantes grafitaram a estátua do antigo primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill. O monumento foi depois blindado para evitar novos ataques. No lugar do nome de Churchill, os participantes dos protestos escreveram "was a racist" ("era um racista").
Na Nova Zelândia, a escultura de bronze do comandante militar colonial John Fane Charles Hamilton foi removida da cidade de Hamilton. A iniciativa foi da própria edilidade. As autoridades locais afirmaram que a retirada da estátua se enquadra num esforço mais vasto para eliminar monumentos "considerados representativos de desarmonia e opressão cultural".
Foto: Getty Images/AFP/M. Bradley
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Estátua retirada
A estátua de Leopoldo II em Antuérpia, no norte da Bélgica, foi uma das muitas figuras de colonizadores que foram vandalizadas um pouco por todo o mundo na sequência dos protestos que se seguiram à morte de George Floyd – o segurança morto por policiais nos Estados Unidos.
A estátua teve de ser retirada de uma praça pública da cidade e movida para um museu local, o Middelheim, a 9 de junho, segundo foi noticiada pela agência AFP.
Apesar de a transferência do monumento estar prevista para 2023, as autoridades da cidade tiveram de antecipa-la porque a estátua foi "seriamente vandalizada”, segundo Johan Vermant, porta-voz do presidente da câmara de Antuérpia.
Acerto de contas com o passado colonial da Bélgica no Congo