O rei Mohammed VI, que governa Marrocos há 20 anos, deu ao país mais liberdade política e também iniciou um processo de modernização social. Mas também há críticas: especialistas dizem que o monarca não teve escolha.
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Quando o rei Hassan V morreu, a 23 de julho de 1999, a rádio e a televisão estatais interromperam a programação. Minutos antes de darem a notícia à população, preencheram as emissões com versos do Alcorão. Pouco depois, milhares de marroquinos saíram às ruas para escoltar o caixão do rei, coberto com um pano negro bordado com passagens do livro sagrado dos muçulmanos.
Também estiverem presentes no último adeus a Hassan V vários chefes de Estado como o ex-Presidente norte-americano Bill Clinton, o primeiro-ministro israelita Ehud Barak e o líder palestiniano Yasser Arafat.
Alguns dias depois, a 30 de julho, subia ao trono o filho mais velho de Hassan, Mohammed VI. Numa carruagem dourada, puxada por quatro cavalos, o jovem rei foi até à Grande Mesquita de Fes para as orações de sexta-feira. Logo no seu primeiro discurso, distanciou-se do legado político do pai.
Pelo menos esteticamente, Mohammed VI adotou as tradições e as cerimónias da monarquia marroquina. Se bem que de acordo com o historiador marroquino Nabil Mouline, os rituais de hoje não são de forma alguma tradicionais, mas vieram da década de 1930. Foram introduzidos nessa época para preservar a aparência da continuidade histórica.
Politicamente, no entanto, a monarquia depende inteiramente das exigências do presente. Os reis marroquinos sempre souberam adaptar-se aos tempos, diz o jornalista marroquino Ali Anouzla. "Em todos os temas e discussões que dividiram fortemente a opinião pública em Marrocos, a monarquia sempre escolheu um dos lados, o que lhe permitiu fazer o equilíbrio entre tradição e modernidade, mas sem decidir realmente. Acima de tudo, estão preocupados em manter o status quo", explica em entrevista à DW.
Adeus à política de mão dura
O rei de Marrocos também segue essa máxima? Nos seus vinte anos de reinado, Mohammed VI modernizou o país em várias áreas. No estrangeiro, apresenta Marrocos como um Estado cosmopolita. "Hoje, o país já não é governado com mão tão dura como nos anos 60, 70 e 80", diz em entrevista à DW a estudiosa do Islão Sonja Hegasy, vice-diretora do "Leibniz-Center Moderner Orient", com sede em Berlim.
Rei Mohammed VI: Reformador mas não tanto
Também já não há violações dos direitos humanos como as que existiam no reinado anterior. "No entanto, também as observamos no reinado de Mohammed VI - por exemplo, contra jornalistas que estão presos por expressarem as suas opiniões. A arbitrariedade jurídica já não tem a proporção que tinha na época de Hassan II, mas também não melhorou tanto quanto se desejava com Mohammed VI", afirma a investigadora alemã Sonja Hegasy.
Mohammed VI criou uma comissão de verdade em 2004, para esclarecer as violações dos direitos humanos cometidas durante o reinado do seu pai. Mas os resultados desiludiram muitas pessoas porque os responsáveis pelas violações dos direitos humanos não foram responsabilizados. "O rei Mohammed VI até pode ser mais liberal do que o seu pai", diz o jornalista Ali Anouzla. "Mas ele governa como um monarca tradicional que, tal como o pai, se agarra aos rituais."
As reformas do rei
No entanto, isso não impede o rei de modernizar o país. Mohammed VI lançou a nova lei da família, que está em vigor desde 2004, e que fortaleceu o papel das mulheres: formalmente, os dois géneros têm os mesmos direitos. Por isso, agora as mulheres já podem decidir sobre a dissolução do casamento. Até então, esse passo cabia unicamente aos homens.
Outra das prioridades do rei é a diversidade cultural. No preâmbulo de 2011 da Constituição, a identidade nacional é definida como fusão de várias identidades regionais. Desde então, o tamazight é a língua oficial e padrão em Marrocos.
Com reformas como estas, o rei conquistou a simpatia e o apoio da burguesia liberal.
Uma sociedade dividida
Mas também não faltam pessoas desiludidas em Marrocos - uma sociedade dividida, segundo Sonja Hegasy. "Na última década, o poder de compra dos mais pobres caiu de forma acentuada. E também há outros abusos", diz a investigadora.
De acordo com um estudo da Fundação alemã Friedrich Ebert, muitos jovens criticam a corrupção nos serviços de saúde marroquinos. E a política educativa também é muitas vezes alvo de críticas. "O país está dividido. Por um lado, tem uma população muito urbana. E por outro lado, ainda há áreas rurais pouco desenvolvidas, onde os jovens por vezes têm de caminhar cinco horas para chegar à escola", lembra Hegasy.
Há muito que se fala abertamente das queixas sociais. O país e as instituições estão sob forte pressão para avançarem com reformas. E o rei também não pode escapar a essas exigências.
Os chefes de Estado há mais tempo no poder
São presidentes, príncipes, reis ou sultões, de África, da Ásia ou da Europa. Estes são os dez chefes de Estado há mais tempo no poder.
Foto: Jack Taylor/Getty Images
Do golpe de Estado até hoje - Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo assumiu a Presidência da Guiné Equatorial em 1979, ainda antes de José Eduardo dos Santos. Teodoro Obiang Nguema derrubou o seu tio do poder: Francisco Macías Nguema foi executado em setembro de 1979. A Guiné Equatorial é um dos países mais ricos de África devido às receitas do petróleo e do gás, mas a maioria dos cidadãos não beneficia dessa riqueza.
Foto: DW/R. Graça
O Presidente que adora luxo - Paul Biya
Paul Biya é chefe de Estado dos Camarões desde novembro de 1982. Muitos dos camaroneses que falam inglês sentem-se excluídos pelo francófono Biya. E o Presidente também tem sido alvo de críticas pelas despesas que faz. Durante as férias, terá pago alegadamente 25 mil euros por dia pelo aluguer de uma vivenda. Na foto, está acompanhado da mulher Chantal Biya.
Foto: Reuters
Mudou a Constituição para viabilizar a reeleição - Yoweri Museveni
Yoweri Museveni já foi confirmado seis vezes como Presidente do Uganda. Para poder concorrer às eleições de 2021, Museveni mudou a Constituição e retirou o limite de idade de 75 anos. Venceu o pleito com 58,6% dos votos, reafirmando-se como um dos líderes autoritários mais antigos do mundo. O candidato da oposição, Bobi Wine, alegou fraude generalizada na votação e rejeitou os resultados oficiais.
Foto: Getty Images/AFP/I. Kasamani
"O Leão de Eswatini" - Mswati III
Mswati III é o último governante absolutista de África. Desde 1986, dirige o reino de Eswatini, a antiga Suazilândia. Acredita-se que tem 210 irmãos; o seu pai Sobhuza II teve 70 mulheres. A tradição da poligamia continua no seu reinado: até 2020, Mswati III teve 15 esposas. O seu estilo de vida luxuoso causou protestos no país, mas a polícia costuma reprimir as manifestações no reino.
Foto: Getty Images/AFP/J. Jackson
O sultão acima de tudo - Haji Hassanal Bolkiah
Há quase cinco décadas que o sultão Haji Hassanal Bolkiah é chefe de Estado e Governo e ministro dos Negócios Estrangeiros, do Comércio, das Finanças e da Defesa do Brunei. Há mais de 600 anos que a política do país é dirigida por sultões. Hassanal Bolkiah, de 74 anos, é um dos últimos manarcas absolutos no mundo.
Foto: Imago/Xinhua/J. Wong
Monarca bilionário - Hans-Adam II
Desde 1989, Hans-Adam II (esq.) é chefe de Estado do Liechtenstein, um pequeno principado situado entre a Áustria e a Suiça. Em 2004, nomeou o filho Aloísio (dir.) como seu representante, embora continue a chefiar o país. Hans-Adam II é dono do grupo bancário LGT. Com uma fortuna pessoal estimada em mais de 3 mil milhões de euros é considerado o soberano europeu mais rico.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Nieboer
De pastor a parceiro do Ocidente - Idriss Déby
Idriss Déby (à esq.) foi Presidente do Chade de 1990 a 2021. Filho de pastores, Déby formou-se em França como piloto de combate. Apesar do seu autoritarismo, Déby foi um parceiro do Ocidente na luta contra o extremismo islâmico (na foto com o Presidente francês Macron). Em abril de 2021, um apenas dia após após a confirmação da sua sexta vitória eleitoral, Déby foi morto num combate com rebeldes.
Foto: Eliot Blondet/abaca/picture alliance
Procurado por genocídio - Omar al-Bashir
Omar al-Bashir foi Presidente do Sudão entre 1993 e 2019. Chegou ao poder em 1989 depois de um golpe de Estado sangrento. O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu em 2009 um mandado de captura contra al-Bashir por alegada implicação em crimes de genocídio e de guerra no Darfur. Em 2019, foi deposto e preso após uma onda de protestos no país.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
O adeus - José Eduardo dos Santos
José Eduardo dos Santos foi, durante 38 anos (de 1979 a 2017), chefe de Estado de Angola. Mas não se recandidatou nas eleições de 2017. Apesar do boom económico durante o seu mandato, grande parte da população continua a viver na pobreza. José Eduardo dos Santos tem sido frequentemente acusado de corrupção e de desvio das receitas da venda do petróleo. A sua família é uma das mais ricas de África.
Foto: picture-alliance/dpa/P.Novais
Fã de si próprio - Robert Mugabe
Robert Mugabe chegou a ser o mais velho chefe de Estado do mundo (com uma idade de 93 anos). O Presidente do Zimbabué esteve quase 30 anos na Presidência. Antes foi o primeiro-ministro. Naquela época, aconteceram vários massacres que vitimaram milhares de pessoas. Também foi criticado por alegada corrupção. Após um levantamento militar, renunciou à Presidência em 2017. Morreu dois anos mais tarde.