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Relação Moçambique-Rússia incomoda parceiros ocidentais

2 de junho de 2022

A relação entre Maputo e Moscovo está a incomodar os ocidentais, no contexto da guerra na Ucrânia, diz Calton Cadeado. Mas de que lado está Moçambique? Para o analista, o país "confia em todos que lhe deem vantagens".

Presidente Filipe Nyusi durante encontro com o seu homólogo russo, Vladimir Putin, em Moscovo (2019)Foto: Reuters/Sputnik/A. Nikolsky

Esta semana, em visita a Maputo, a presidente do Conselho da Federação Russa (Senado), Valentina Matviyenko, classificou Moçambique como um "parceiro confiável". E lembrou o apoio da Rússia em todas as etapas históricas que o país africano atravessou.

Embora Moçambique mantenha a neutralidade sobre a guerra na Ucrânia, a boa relação entre Maputo e Moscovo incomoda os parceiros ocidentais, segundo o analista político moçambicano Calton Cadeado.

No entanto, em entrevista à DW, o analista considera que o interesse nacional de Moçambique enquanto Estado é fazer amigos com todos e projetar o desenvolvimento do país.

"A Rússia e a União Europeia têm um diferendo, mas Moçambique não tem diferendo com eles", defende Cadeado, acrescentando que "Moçambique confia em todos que lhe deem vantagens na defesa dos seus interesses nacionais".

Calton Cadeado: "Moçambique perde por estar a ser asfixiado por esta pressão dos dois lados"Foto: Privat

DW África: Acha que a boa relação entre Maputo e Moscovo poderia incomodar parceiros ocidentais?

Calton Cadeado (CC): Esta relação incomoda sem dúvida os parceiros ocidentais, neste momento preciso, por causa da guerra na Ucrânia. Os parceiros ocidentais estão a pressionar Moçambique para posicionar-se a favor da causa ucraniana, que está a ser apoiada pelos mesmos.

DW África: O que Moçambique ganha ou perde no atual contexto, nesta relação ou aproximação com Moscovo?

CC: A curto prazo, não tenho dúvidas que Moçambique perde por estar a ser asfixiado por esta pressão dos dois lados. Não era interesse para Moçambique neste momento estar a ser asfixiado, quer pelo lado da Rússia quer pelo lado da União Europeia.

DW África: Pensando concretamente sobre a questão da energia, Moçambique aposta que o gás do país contribuirá para a transição energética mundial. Estas foram as palavras do próprio Ministro das Finanças, Max Tonela. Acha que neste aspecto, concretamente, Moçambique conseguirá manter neutralidade?

CC: O gás de Moçambique, para defesa dos seus interesses nacionais, há-de ser para todos. Este é o principio. Mas temos de esperar para ver o que o Governo formalmente vai dizer. Agora, a Rússia não pode nos impor que nós não vendamos o nosso gás à União Europeia ou alguns países da Europa que precisem, sem nos dar garantias de que isso não prejudica o nosso interesse nacional. O interesse nacional de Moçambique, enquanto país, é fazer amigos com todos e projetar o desenvolvimento para Moçambique.

DW África: Mas acha que é possível, ao longo prazo, manter o interesse com todos?

CC: O que está em causa agora é que a Rússia e a União Europeia têm um diferendo, mas Moçambique não tem diferendo com eles. O problema não é Moçambique. Eles é que estão a pressionar Moçambique a assumir um posicionamento favorável a um dos lados. E acho que é isso que o Estado está tentar fazer - ser fiel a este princípio para evitar que a médio ou longo prazo possamos ver o próprio país asfixiado com necessidades que não podem ser satisfeitas pelos nossos parceiros por causa desta guerra.

Nyusi também mantém boa relação com os parceiros ocidentais de MoçambiqueFoto: Lafargue Raphael/ABACA/picture alliance

DW África: Acredita que o Presidente Filipe Nyusi está mesmo satisfeito com a relação com a Rússia ou será algo como "amigos amigos, negócios à parte"?

CC: Este é um bom princípio que está a ser cada vez mais solidificado aqui em Moçambique. Quando aconteceu a violência terrorista em Cabo Delgado, embora o Governo não diga formalmente, esteve aqui o Grupo Wagner e foi a primeira opção que o Estado teve. Isso pode para alguns simbolizar a grande confiança que o Estado tem para com os russos.

Mas depois vieram aqui os ruandeses, os europeus, os sul-africanos, os suanas, a SADC, por aí adiante. Isso só para ver mais uma vez que Moçambique não se prende a um único país, não se prende a um único bloco e não confia em um único parceiro. Moçambique confia em todos que lhe deem vantagens na defesa dos seus interesses nacionais.

DW África: Moçambique almeja ser membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Acha que aproximação com a Rússia poderá pôr em causa os interesses de Moçambique junto à ONU?

CC: Este é o elemento que hoje asfixia o Estado moçambicano. O Estado Moçambicano não queria estar nesta situação. Queria ir para votação do Conselho de Segurança tranquilo e saber que tem apoio dos dois [lados]. Este é o grande teste que vamos ver sobre a posição dos outros em relação a Moçambique. A posição de Moçambique em relação aos outros está clara. 
 

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