Relações entre Portugal e Angola 'não estão em risco'
Cristiane Vieira Teixeira (Berlim)
13 de março de 2017
O primeiro-ministro português sublinha que acusações de corrupção ativa contra o vice-Presidente angolano não são uma questão política. O Governo "não pode, nem deve" interferir, afirma António Costa em entrevista à DW.
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O primeiro-ministro de Portugal e secretário-geral do Partido Socialista português participou esta segunda-feira (13.03) de manhã na Convenção da Aliança Progressista, na sede do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), em Berlim.
Para António Costa, o mal-estar político, gerado pelas acusações formais de corrupção ativa contra o vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, e pelas violentas críticas do Governo angolano que se seguiram, não coloca em risco as relações entre os dois países.
Em entrevista à DW, Costa defendeu que o seu Executivo não pode, nem deve ter qualquer tipo de interferência nesta questão. E acrescentou que aguarda a marcação da sua visita oficial a Luanda - nessa visita, segundo o primeiro-ministro, os direitos humanos não estarão entre os temas prioritários.
DW: Quando pretende visitar Angola?
António Costa (AC): Para nós, Angola é um país irmão com quem temos relações excelentes. Portanto, todos os momentos são sempre bons momentos para afirmar essas relações. Estou disponível, quando as autoridades angolanas entenderem oportuna essa visita. Aguardamos a marcação da visita.
DW: Aquando das acusações formais feitas pelo Ministério Público Português contra o vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, houve uma forte reação do Governo angolano. Isso coloca em perigo as relações entre Angola e Portugal?
AC: Espero que não e seguramente que não. Em Portugal, as autoridades judiciárias são absolutamente independentes do Governo, do Presidente da República e da Assembleia da República. Não é uma questão política. É uma questão do sistema judiciário sobre a qual nós não podemos, nem devemos ter qualquer tipo de interferência. Portanto, é certo que as autoridades angolanas sabem compreender isso e sabem também separar o que é uma acusação judicial do que é um relacionamento do ponto de vista político e económico entre os dois países.
DW: Considerando as relações comerciais entre Angola e Portugal, a presença de empresários angolanos em Portugal, de empresas portuguesas em Angola e das exportações portuguesas para Angola, na sua opinião, até que ponto Portugal se faz refém de Angola devido a essas relações?
AC: Essas relações são essenciais para os dois países. Felizmente, Angola tem vindo a ultrapassar um período de crise que viveu com a baixa do preço do petróleo. Portugal, felizmente, está a ultrapassar a crise da dívida soberana. Portanto, estamos a chegar a um momento em que ambos estamos em boas condições para incrementar essas relações económicas.
DW: Numa possível visita em breve a Angola, como pensa em abordar o tema dos direitos humanos e da repressão contra ativistas, por exemplo, como Luaty Beirão?
AC: Nós procuramos manter as relações entre os dois países numa base Estado-Estado, sem interferência nas questões da política interna de cada um dos países. Tudo aquilo que temos a dizer que transcende esta dimensão, dizemo-lo diretamente em privado e não através dos órgãos de comunicação social.
DW: Mas é uma questão que pretende abordar?
AC: As prioridades da visita a Angola têm a ver com as relações entre Portugal e Angola, entre as empresas portuguesas e as empresas angolanas e a promoção de uma proposta que temos no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de reforçar a cidadania lusófona – e são essas as prioridades dos nossos temas da viagem a Angola. A promoção dos direitos humanos no mundo é um eixo fundamental da política externa portuguesa, mas relativamente a Angola temos prioridades específicas nos nossos temas de conversa.
Relações entre Portugal e Angola 'não estão em risco'
DW: Com uma possível saída do Presidente José Eduardo dos Santos nas próximas eleições, isso daria um novo impulso às relacoes bilaterais Angola-Portugal?
AC: As relações entre Portugal e Angola são, sobretudo, as relações entre os povos de Portugal e Angola e, por isso, têm sido imunes às mudanças políticas quer num país, quer noutro país. Portanto, julgamos que são relações estáveis, permanentes e independentes de quem seja Presidente ou Governo, num ou noutro país.
DW: Mas a expetativa é de que haja um impulso?
AC: Conheço o candidato [à Presidência de Angola] João Lourenço. Tive, muito recentemente, a oportunidade de recebê-lo enquanto secretário-geral do Partido Socialista. Achei bem que tem vontade de continuar a desenvolver e estreitar essas relações. Mas, insisto, as relações entre Portugal e Angola são relações, sobretudo, entre os povos. Portanto, são independentes das variações políticas num país ou noutro.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.