Relatório da AI denuncia execuções na Guiné Equatorial
1 de abril de 2015 No ano passado, 22 países executaram 607 pessoas condenadas à morte. A maior parte das execuções ocorreu na China, Irão, Arábia Saudita, Iraque e Estados Unidos da América (EUA). Em África, houve execuções em três países: Guiné Equatorial, Somália e Sudão.
No caso da Guiné Equatorial, o relatório da Amnistia, publicado esta quarta-feira (01.04), sublinha que, após as nove execuções de janeiro de 2014, o país do Golfo da Guiné, que adotou uma moratória duas semanas após a adesão à CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), não voltou a aplicar a pena de morte.
João Paulo Batalha, da Transparência e Integridade – Associação Cívica (TIAC), uma ONG que fez parte do Movimento por uma Comunidade de Valores e que sempre se posicionou contra a adesão da Guiné Equatorial à CPLP, disse, em entrevista à DW África, que é “uma vergonha e um absurdo” que um país membro da organização lusófona esteja na lista dos Estados que executaram pessoas condenadas à morte.
DW África: Não acha uma vergonha e um absurdo a CPLP ter no seu seio um país que continua a aplicar a pena de morte, como é o caso da Guiné Equatorial?
João Paulo Batalha (JPB): É uma vergonha e um absurdo, mas infelizmente não inesperados. A Guiné Equatorial aplicou uma suposta moratória à pena de morte no ano passado, para remover um obstáculo à entrada na CPLP, mas, na verdade, segundo este relatório da Amnistia Internacional, executou nove pessoas na semana antes de formalizar essa adesão, e a tal moratória que foi criada não tem verdadeiro peso e pode ser removida a qualquer momento por vontade do Presidente. Infelizmente, os países da CPLP compactuaram com um regime que tem dos piores registos do continente africano em matéria de Direitos Humanos, e que tem dos piores registos do mundo em matéria de corrupção, e fizeram-no de forma consciente.
DW África: Mas será possível que a comunidade internacional exerça pressões junto da CPLP, no sentido de convidar a Guiné Equatorial a deixar de ser membro da comunidade lusófona?
JPB: Seria mais provável e mais desejável que fosse a própria CPLP a exigir aos seus membros, a começar pela Guiné Equatorial, que cumpram o próprio estatuto da organização lusófona, que exige não apenas moratórias com valor jurídico duvidoso, mas que a pena de morte seja verdadeiramente abolida. Seguramente seria útil que a comunidade internacional fizesse pressão sobre a Guiné Equatorial, mas a liderança neste processo tem de ser da CPLP. Os países da comunidade têm de ser muito mais vigilantes, críticos e exigentes, não só no registo de Direitos Humanos, mas na promoção das liberdades políticas, que estão brutalmente condicionadas, e que permitem que o regime continue impunemente a roubar as riquezas naturais do país e a oprimir os cidadãos.
DW África: Mas nas reuniões internacionais as autoridades de Malabo têm dito que estão a trabalhar na aplicação dos direitos do Homem. Isso não corresponde à verdade, e a comunidade internacional não tem criticado como devia. Será que existem interesses por detrás de tudo isto?
JPB: Claramente existem interesses económicos, desde logo petrolíferos, que são, na verdade, a grande razão para a adesão da Guiné Equatorial à CPLP, e que justificam também não só algum silêncio mas muita cumplicidade da parte da comunidade internacional em relação a este regime. Nós estamos a seguir na CPLP e em muitos outros fóruns da comunidade internacional uma política de trocar petróleo por Direitos Humanos, e portanto tem-se fechado os olhos aos abusos e à corrupção do regime. A Guiné Equatorial não tem sequer um ambiente de negócios que permita que estes interesses económicos se materializem, porque muitos dos investidores que fecham os olhos aos Direitos Humanos do país para lá poderem fazer negócio, acabam por ser eles próprios vítimas da corrupção desenfreada e alvo de abusos por parte do próprio regime. Isto tem acontecido com investidores internacionais que se aliam à família presidencial e que depois vêem os seus investimentos retirados das suas mãos para o enriquecimento de alguns membros do governo. Os parceiros da Guiné Equatorial na CPLP, e todos os outros que têm relações com a Guiné, têm que ser exigentes e críticos para que, naquele país, se criem verdadeiramente as estruturas de uma democracia, para que os Direitos Humanos sejam respeitados e para que se crie um ambiente de negócios que seja capaz de fazer prosperar o país, e essa prosperidade seja partilhada com o povo da Guiné Equatorial e com os seus parceiros comerciais.
DW África: Observadores no espaço lusófono duvidam das reais intenções das autoridades de Malabo. Será que existe um compromisso verdadeiro para a Guiné Equatorial abolir a pena de morte?
JPB: Eu não tenho dúvidas de que não existe qualquer compromisso nem qualquer vontade da Guiné Equatorial em abolir a pena de morte, e não existe qualquer vontade dos países da CPLP em pressionar para que isso aconteça. Acho que essas intenções são claras: pretendem ir ganhando tempo e não fazer verdadeiramente nenhuma reforma, quer em matéria de Direitos Humanos, quer no combate à corrupção. Por isso, é fundamental que sejam os parceiros deste país, desde logo a CPLP, a fazer esta pressão de forma muito exigente, para que este regime não encontre na CPLP aquilo que procura: a legitimidade internacional que lhe tem sido negada, por ser um regime com o qual não se pode fazer negócios, e em cuja palavra não se pode confiar.