Relatório das organizações alemãs Misereor e Erlassjahr.de publicado nesta quinta-feira (15.03) diz que o país tem dos piores indicadores económicos e fala em sinais de nova crise nos países em vias de desenvolvimento.
Moçambique é o país africano avaliado com nível “mais crítico” em termos de sobreendividamento - segundo umrelatório publicado nesta quinta-feira (15.03) pelas organizações Misereor e Erlassjhar.de, uma aliança alemã de 600 organizações da sociedade civil, igreja e políticas, que defendem o alívio da dívida dos países mais pobres.
Sete países – entre eles Angola e Moçambique – pagam as suas dívidas apenas parcialmente ou já deixaram de pagar. O relatório destaca ainda sinais de uma nova crise nos países em desenvolvimento.
É que enquanto a África torna-se um continente cada vez mais atrativo para investidores privados, especialmente por causa das baixas taxas de juros europeias, a dívida de países africanos que contraem empréstimos cresce drasticamente.
De país modelo a país mais crítico
Barcos da EMATUM em MoçambiqueFoto: EMATUM
Há dois anos, Moçambique era considerado um país africano modelo. Até que veio à tona o escândalo das dívidas ocultas. Três empresas públicas - a Ematum, a Proindicus, e a MAM - obtiverem, com aval do Estado, um empréstimo de mais de 1,2 mil milhões Euros. Seguiu-se a crise no país face a incapacidade de pagar a dívida e, entre as consequências, a moeda nacional perdeu valor e os preços subiram drasticamente.
Moçambique é um caso extremo e representa uma tendência. Segundo o recente "Relatório da Dívida de 2018" das organizações Misereor e Erlassjahr.de, o país tem um dos piores indicadores e é avaliado em situação "muito crítica" em termos de sobreendividamento.
"Há alguns alguns anos já observamos uma nova crise, que se reflete em indicadores de dívida crescentes. A crise é avaliada pela relação entre dívida e desempenho económico, ou seja, ganhos de exportação ou o produto interno bruto, que é a riqueza produzida por um país", explica Jürgen Kaiser, coordenador da organização Erlassjahr.de.
"Situação drástica"
"Relatório da Dívida de 2018": Moçambique é dos "mais crítico" em sobreenvididamento
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A aliança de entidades alemãs adverte para uma situação drástica: 119 dos 141 países pesquisados estão criticamente endividados. O estudo classificou os países de acordo com o nível de sobreendividamento, referindo entre os piores indicadores a situação "muito crítica" ou "crítica". De acordo com o relatório, a dívida total quase dobrou desde o início da crise financeira de 2008, que atualmente representa US$ 6.877 biliões, e a situação piorou em 87 países.
Em África, existem dez países classificados como "criticamente" ou "muito criticamente" endividados, e a tendência é piorar. Angola, Moçambique, Gâmbia, Chade, República Democrática do Congo, Somália e Zimbabué pagam as suas dívidas apenas parcialmente ou já deixaram de pagar.
Angola, país fortemente afetado pela crise do petróleo, é avaliado numa situação "crítica" de sobreendividamento. Entre os demais PALOP, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, Cabo Verde também desponta entre os países entre situação "crítica" e "muito crítica", segundo informa o relatório, devido à sua vulnerabilidade a catástrofes naturais.
"Há muito dinheiro disponível nos mercados de capitais, que buscam oportunidades de investimento. Eles não encontram essas oportunidades de investimento no Ocidente, mas em países africanos ricos em commodities e potencialmente lucrativos", diz Kristina Rehbein, especialista em assuntos africanos na Erlassjahr.de.
Fatores externos estorvam
De fato, investir em África faz sentido. Especialmente se o dinheiro for destinado a projetos de infraestrutura urgentes - como estradas, portos ou ferrovias. Mas a situação torna-se crítica para os países que fazem empréstimos quando fatores externos os impedem de pagar as dívidas.
Exemplos são os países com grandes recursos minerais que ficam indefesos quando expostos às flutuações de preços nos mercados mundiais. E ainda há os desastres naturais e os efeitos das mudanças climáticas, que podem levar países já vulneráveis à falência.
"Desde a década de 80, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e as Nações Unidas discutem o direito de perdão da dívida para países em bancarrota. Isso, por meio de um mecanismo que, num sistema como o nosso, garanta ao credor receber. Mas que, em todas as circunstâncias, garanta ao devedor o direito de sair de sobreendividamento a custos sociais sustentáveis", diz Jürgen Kaiser.
Entretanto, para já, não é provavél que um "perdão" para os países endividados se torne realidade. É que propostas nesse sentido já são feitas desde a década de 80, e até agora não foram implementadas.
Moçambique: O que foi feito ao dinheiro destas obras?
É a pergunta de vários cidadãos de Massinga, província moçambicana de Inhambane. Cada vez há mais obras na vila, que nunca chegam ao fim.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras atrasadas
As obras arrastam-se no município de Massinga, sul de Moçambique, e os cidadãos querem saber porquê. Os empreiteiros ganham obras de construção civil na região, mas muitas são abandonadas após ser pago 50% do dinheiro para a sua execução, segundo o Conselho Municipal. A Justiça já notificou alguns empreiteiros para explicarem os atrasos, mas as estradas e avenidas continuam em péssimas condições.
Foto: DW/L. da Conceição
Mercado por construir
A União Europeia e a Suécia financiaram a construção de um mercado grossista em Massinga. Segundo a placa de identificação, as obras começaram a 28 de setembro de 2017 e deviam ter terminado a 28 de janeiro, mas até agora estão assim. O município remete as responsabilidades para o empreiteiro; contactada pela DW, a empresa negou explicar o motivo do atraso nas obras.
Foto: DW/L. da Conceição
Jardim perdido
O Conselho Municipal de Massinga gastou mais de 1,5 milhões de meticais (20.000 euros) para construir aqui um jardim etnobotânico - um projeto com a participação do Governo central e da Universidade Eduardo Mondlane. Mas as plantas colocadas aqui desapareceram e o terreno está abandonado. O Município promete que o jardim voltará a funcionar em breve, embora falte água para regar as plantas.
Foto: DW/L. da Conceição
Estrada sem fim à vista
Os trabalhos neste troço de cinco quilómetros duram há mais de três anos. O município de Massinga culpa o empreiteiro pela demora; a DW tentou contactar a empresa, sem sucesso. Segundo o município, aos 4,8 milhões de meticais (63 mil euros) pagos inicialmente ao empreiteiro foram acrescentados outros 3,9 milhões (51 mil euros) para continuar as obras, que deviam ter terminado em outubro.
Foto: DW/L. da Conceição
Estrada acabada?
25 de setembro de 2017 era a data de "entrega" desta estrada, segundo a placa de identificação. Mas a via, que parte da EN1 até ao povoado de Mangonha, continua em estado crítico. A obra está orçada em cerca de 1,9 milhões de meticais (quase 25 mil euros). Tanto a Administração Nacional de Estradas, delegação de Inhambane, como o Conselho Municipal recusaram comentar este assunto.
Foto: DW/L. da Conceição
Mais obras por acabar
Os trabalhos da pavimentação desta avenida também já deviam ter terminado, mas as obras continuam. O custo: cerca de 3,9 milhões de meticais (cerca de 51 mil euros). Mas a avenida continua por pavimentar. A DW tentou perguntar o motivo da demora à empresa Garmutti, Lda, responsável pela execução da obra, sem sucesso.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta transparência
Segundo o regulamento de contratação de empreitadas de obras públicas, nos locais de construção devem constar as datas de início e do término dos trabalhos. Mas não é isso que acontece aqui. Segundo um relatório do governo local, um ano depois desta obra começar, só 30% dos trabalhos foram concluídos. O empreiteiro está incontactável; a empresa não tem escritório em Inhambane.
Foto: DW/L. da Conceição
Fatura sobre fatura
O orçamento inicial para os trabalhos de reabilitação no Hospital Distrital de Massinga rondava os dois milhões de meticais (cerca de 26 mil euros), mas, meses depois, o custo aumentou 600 mil meticais (8.000 euros).
Foto: DW/L. da Conceição
Edifício milionário
Este edifício custou à edilidade mais de 40 milhões de meticais (acima de 500 mil euros), sem contar com os equipamentos novos - cadeiras, secretárias ou computadores. Alguns empreiteiros acham estranho que tenha custado tanto dinheiro, porque o material de construção foi adquirido na região. Em resposta, o município justifica os custos com a necessidade de garantir o conforto dos funcionários.
Foto: DW/L. da Conceição
Adjudicações continuam
O município de Massinga continua a adjudicar novas empreitadas apesar de muitas obras não terem terminado. Vários residentes dizem-se enganados pelo edil, Clemente Boca, por não cumprir as promessas eleitorais.
Foto: DW/L. da Conceição
Campo por melhorar
Todos os anos, a Assembleia Municipal de Massinga aprova dinheiro para melhorar este campo de futebol, mas o campo continua a degradar-se. Segundo membros da assembleia, o dinheiro "sai" dos cofres públicos, mas nada muda e os jogadores "sempre reclamam". Em cinco anos, terão sido gastos 30 mil meticais (cerca de 400 euros). Nem o edil, nem os gestores do campo dizem o que foi feito ao dinheiro.
Foto: DW/L. da Conceição
"Fazemos sozinhos"
Devido à demora na construção de mercados e bancas, os residentes da vila de Massinga têm feito melhorias por conta própria, para manterem os seus produtos em boas condições. Questionados pela DW, os vendedores disseram que preferem "fazer sozinhos", porque se esperarem pelo município nunca sairão "do sol, da chuva e da poeira".