Relatório dos EUA aponta execuções e corrupção em Angola
Lusa
13 de abril de 2022
Angola registou execuções arbitrárias, desaparecimentos, restrições graves à liberdade de expressão e à imprensa, corrupção e violência baseada no género, segundo o relatório anual dos EUA sobre direitos humanos.
Publicidade
O documento do Departamento de Estado norte-americano, que faz uma análise à situação dos direitos humanos em 200 Estados, apresenta uma longa lista de abusos registados em Angola, nomeadamente por funcionários governamentais.
Entre estes abusos estão o desaparecimento forçado, casos de tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante por parte das forças de segurança governamentais, condições duras e ameaçadoras das prisões, detenção arbitrária, prisioneiros políticos ou prisioneiros, restrições graves à liberdade de expressão e à imprensa, incluindo violência, ameaças de violência ou detenções injustificadas contra jornalistas e leis de difamação criminosa.
A vasta lista inclui ainda a interferência na liberdade de reunião pacífica, atos graves de corrupção, falta de investigação e responsabilização pela violência baseada no género e crimes envolvendo violência ou ameaças de violência contra lésbicas, homossexuais, bissexuais, transexuais e intersexuais.
Os autores do relatório referem que "o Governo tomou medidas significativas para identificar, investigar, processar e punir os funcionários que cometeram abusos, bem como aqueles que estiveram envolvidos em corrupção". Mas concluíram que "a responsabilização pelos abusos dos direitos humanos foi limitada devido à falta de controlos e equilíbrios, falta de capacidade institucional, uma cultura de impunidade e a corrupção governamental".
O relatório, apresentado na terça-feira pelo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, refere que "as autoridades civis mantiveram um controlo efetivo sobre as forças de segurança", indicando que "houve relatos credíveis de que membros das forças de segurança cometeram alguns abusos".
Caso Cafunfo
E recorda a situação registada em 30 de janeiro, na aldeia de Cafunfo, "uma área rica em diamantes na província da Lunda Norte", quando "300 indivíduos armados com paus, catanas e armas de fogo tentaram entrar à força numa esquadra da polícia".
"Isto provocou a polícia local a usar força mortal resultando em seis mortes, 20 feridos e mais de duas dúzias de detenções. Algumas organizações não governamentais (ONGs) e fontes dos meios de comunicação social enquadraram o ataque como uma manifestação pacífica de protesto contra a falta de acesso à água, educação e serviços sociais e relataram números de mortes muito mais elevados (não substanciados)".
"O grupo foi organizado pelo Movimento Protetorado Lunda Tchokwe, que procura independência para a região. O governo encarou o confronto como uma insurreição armada e justificou o uso da força em autodefesa", prossegue o documento.
Os autores escrevem que, na sequência destes confrontos entre manifestantes e as forças de segurança em Cafunfo, "houve vários relatos de pessoas desaparecidas".
Os partidos da oposição relataram "o desaparecimento de 10 pessoas", a Amnistia Internacional divulgou "relatórios não confirmados, alegando que muitos ativistas desaparecidos foram mortos e os seus corpos atirados para o rio Cuango" e "um respeitado jornalista que visitou Cafunfo, entre março e junho, relatou o desaparecimento de seis pessoas envolvidas no confronto".
Tortura e força excessiva da polícia
Sobre tortura e tratamento ou castigo cruel, o relatório dá conta de relatos de "espancamentos e outros abusos, tanto a caminho como dentro das esquadras de polícia, durante os interrogatórios". "O governo reconheceu que, por vezes, os membros das forças de segurança utilizavam força excessiva quando apreendiam indivíduos".
Angola: 10 anos de protestos antigovernamentais
03:22
O documento também aponta às forças de segurança a utilização, em certas ocasiões, de "força excessiva quando aplicaram restrições para fazer face à pandemia de covid-19", ressalvando que "o Governo responsabilizou as forças de segurança por estes abusos em vários casos e forneceu alguma formação para reformar as forças de segurança".
Em relação às condições das prisões e dos centros de detenção, estas são apresentadas como "duras e ameaçadoras devido à superlotação, falta de cuidados médicos, corrupção e violência".
"As prisões tinham uma capacidade total para 21.000 reclusos, mas detinham aproximadamente 25.000 reclusos, dos quais aproximadamente 10.000 se encontravam detidos em prisão preventiva".
Publicidade
Liberdade de expressão desrespeitada
No capítulo da liberdade de expressão, este relatório indica que o governo nem sempre respeitou este direito. "Os meios de comunicação social estatais continuaram a ser a principal fonte de notícias e geralmente refletiam uma visão pró governamental". As pessoas optaram cada vez mais pela utilização de "meios de comunicação social privados e plataformas de comunicação social para criticar abertamente as políticas e práticas governamentais".
A cobertura de casos de corrupção foi "a principal razão para os ataques contra jornalistas, que ocorreram impunemente". A este propósito, os autores indicam que o Governo implementou "eficazmente" a lei contra a corrupção por funcionários do Governo, recordando que "demitiu e processou ministros de gabinete, governadores provinciais, oficiais militares superiores e outros funcionários por corrupção e crimes financeiros".
"Houve numerosos relatos de corrupção governamental durante o ano. A Procuradoria-Geral da República continuou as investigações de corrupção e apresentou acusações criminais contra vários funcionários. No entanto, a impunidade oficial e a aplicação uniforme da legislação anticorrupção continuaram a ser um problema grave", lê-se no relatório.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.