A RENAMO acusa a polícia de não investigar as perseguições de que são vítimas os seus membros. O maior partido da oposição moçambicana até suspeita as forças de segurança de envolvimento em assassinatos.
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Agostinho Nicaca, membro da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), foi morto em novembro no posto administrativo de Lioma, no distrito de Gurué, província de Zambézia. Até agora, a polícia não encontrou os assassinos. Cardoso Gimo, cunhado de Nicaca disse à DW África que desde que foi cometido o crime, a polícia nada fez: "A única coisa que fez foi autorizar a enterrar o corpo.” O familiar da vítima diz que o medo já levou mais de 20 famílias que viviam perto da residência de Nicaca a abandonaram as suas.
O maior partido da oposição em Moçambique clama por justiça. Betinho Jaime, membro da RENAMO e presidente da Assembleia Provincial da Zambézia, afirma que os assassinos estão devidamente identificados e foram mesmo: "… vistos a passear na sua viatura. Nós ficamos indignados com esta situação. Afinal, onde está a polícia?”
Experiências amargas
O presidente da Assembleia Provincial da Zambézia critica a inércia das forças de segurança face ao número de assassinatos e perseguições a membros da RENAMO. Betinho Jaime suspeita as autoridades de cumplicidade: "Se não é a polícia, então quem é? Será que em Moçambique temos uma outra força armada além da RENAMO ou da polícia?”, pergunta e acrescenta: "Tivemos muitas mortes. O Governo permite que haja pessoas que tiram a vida a outras em plena luz do dia, na residência das vítimas, e não são apanhadas.”
Segundo a RENAMO, muitos membros do partido abandonaram os postos de trabalho; alguns não saem sequer à rua por medo de serem sequestrados ou mortos.
Em Moçambique vigora uma trégua de dois meses entre as RENAMO e as forças armadas do Governo. Mas a RENAMO acusa as Forças de Defesa e Segurança de terem violado várias vezes o cessar-fogo nalgumas províncias. Betinho Jaime, da RENAMO, olha a trégua com ceticismo: "Para mim é uma armadilha para capturar um e outro membro da RENAMO. Temos experiências amargas. Na primeira trégua de uma semana um dos nossos foi morto”.
Polícia rejeita as acusações
Jaime diz que os membros do partido estão, por isso, à espera de um acordo de paz definitivo entre o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, e o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi. Só então deverão regressar à sua vida normal.
Abordado pela DW África, o porta-voz do comando da Polícia da República de Moçambique na província da Zambézia, Miguel Caetano, recusou-se a comentar este assunto, devido à trégua em vigor no país. Caetano lembrou, no entanto, que não foram assassinados só membros da RENAMO, mas também agentes da polícia e membros de outros partidos políticos. Segundo o porta-voz, a polícia está a investigar os casos, incluindo o assassinato do membro da RENAMO, Agostinho Nicaca. Escusou-se, no entanto, a prestar mais informações: "De momento, não posso avançar em que situação se encontra o processo deste caso,” disse Caetano à DW África.
Assassinatos/Polícia18.01.2017 - MP3-Mono
Gonçalo Mabunda: a arte pacífica das armas
O artista moçambicano Gonçalo Mabunda transforma armas em objetos de arte para promover a paz no país. Mabunda recolhe as armas usadas em 16 anos de guerra civil para criar máscaras e cadeiras.
Foto: R. da Silva
Artista universal
Gonçalo Mabunda começou a trabalhar no meio artístico da capital moçambicana, Maputo em 1992. Na altura colaborava no Núcleo de Arte como assistente de galeria. Hoje expõe a sua arte em todo o mundo, tendo passado com as suas obras por cidades como Tóquio, Londres e Düsseldorf. Por onde passo,: “as pessoas quando vêem estes trabalhos ficam curiosas" e entusiasmadas, conta.
Foto: R. da Silva
Tronos irónicos
A oficina está cheia de restos de espingardas, AK-47, rockets e cadeiras feitas com recurso a estes artefatos. No seu site online, Mabunda diz que os tronos - uma das suas imagens de marca - funcionam como atributos do poder, símbolos tribais e peças tradicionais de arte étnica africana. São ainda um comentário irónico à experiência de violência que viveu em criança na guerra civil moçambicana.
Foto: R. da Silva
Recolha de material
Em 1995, o Conselho Cristão de Moçambique lançou o projecto "Transformar Armas em Enxadas". O projeto continua a ser um dos fornecedores do material de que o artista precisa para criar as suas peças. Mas hoje em dia, contou Mabunda à DW África "também consigo comprar artefactos de guerra já destruídos" na sucata.
Foto: R. da Silva
Arte com assistência
Gonçalo Mabunda precisa de assistentes para completar as suas obras. O material bélico desativado exige um tratamento especial para poder ser trabalhado artisticamente. Mabundo orienta os seus ajudantes. Mas acrescenta que também troca ideias com eles, criando uma obra conjunta. Algo que, na sua opinião, os políticos também deviam fazer.
Foto: R. da Silva
A cara da guerra
O artista conta que muitas pessoas ficam impressionadas com a capacidade de transformar em arte positiva material usado para semear a morte e a miséria. Como ainda acontece em Moçambique hoje. Mabunda não poupa críticas aos governantes: "Estamos perante uma situação em que apenas um grupinho de pessoas é que decide sobre como é que queremos viver.”
Foto: R. da Silva
A cara da guerra
A situação de conflito que o país atravessa novamente preocupa o artista: “Foram 16 anos de guerra e 22 de paz. Quem nasceu em 1992 vivia em liberdade. E agora nem sei explicar como voltámos a esta situação.” Talvez por isso as máscaras que produz com o material de guerra tenham um ar mais assustado do que assustador.
Foto: R. da Silva
As armas falam de paz
As armas também podem falar de paz. Pelo menos aquelas que passaram pelas mãos de Mabunda. As máscaras que cria exprimem o horror da matança. O percurso de Mabunda passou pela África do Sul, mais precisamente Durban, graças à ajuda do artista sul-africano, Andreies Botha. Aos 18 anos, Mabunda teve a possibilidade de ali fazer um curso de metal e bronze, como contou ao semanário português Expresso.
Foto: R. da Silva
Reconhecimento internacional
Nascido em 1975, Mabunda trabalha como artista a tempo inteiro desde 1997. Optando por reciclar material bélico criou um estilo muito próprio, hoje reconhecido em todo o mundo. Sobreposta à arte está a mensagem de promoção da paz, num país em que as armas que falam da guerra ainda não se calaram.