RENAMO critica crédito para segurança aprovado pelo Governo
Lusa
29 de setembro de 2021
RENAMO critica a aprovação, pelo Governo, de um crédito de 76 milhões de euros destinados à informação e gestão de segurança pública e exige debate parlamentar. Governo esclarece que empréstimo tem cobertura legal.
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"Tratando-se de um projeto ligado à segurança, que cai de paraquedas e sem discussão prévia na Assembleia da República, estão constituídas as condições para concluir que se trata de mais um plano secreto e macabro, cujos objetivos são obscuros e certamente os beneficiários serão os mesmos de sempre", declarou, esta quarta-feira (29.09), o porta-voz da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), José Manteigas, em conferência de imprensa, na sede do partido em Maputo.
Em causa está um anúncio feito na última semana pelo porta-voz do Conselho de Ministros, Filimão Suaze, momentos após a 32.ª sessão do órgão, em Maputo, dando conta da aprovação de uma resolução que ratifica um acordo de crédito celebrado entre o Governo e o Korea Eximbank, no valor de 88,7 milhões de dólares (76 milhões de euros).
Segundo a RENAMO, a decisão, que alegadamente não foi fundamentada nem detalhada, surge num "contexto totalmente adverso", tendo em conta que, segundo o partido, não se trata de uma área prioritária e o "stock" da dívida do país atingiu níveis insustentáveis.
Serviço da dívida
"Por que razão se está a acrescer o serviço da dívida para áreas não rentáveis e não pertinentes sob ponto de vista económico e social", questiona o principal partido de oposição em Moçambique, lembrando ainda que as projeções do crescimento económico do país para 2021 foram revistas em baixa na apreciação da lei do Orçamento.
"Aproveitar-se da posição de governante para, ao seu belo prazer, forçar os moçambicanos a pagar dívidas que desconhecem a sua origem e fim, constitui ditadura e característica de um Governo ilegítimo, egocentrista e ao serviço de interesses inconfessáveis", declarou o porta-voz da RENAMO.
FMI recomenda:"Não escondam as dívidas como Moçambique"
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O principal partido de oposição lembra que entre 2012 e 2014 o Governo criou um projeto designado comando nacional de interceção de informação, instalando câmaras de vigilância e dispositivos nas cidades de Maputo e Matola, sul do país.
Segundo o principal partido de oposição em Moçambique, o projeto, gerido a partir da Casa Militar, custou perto de 140 milhões de dólares (120 milhões de euros) e um dos principais objetivos era reforçar a segurança face à onda de raptos no país, mas não chegou a mostrar resultados.
Projeto "inexistente"
"A implementação há mais de oito anos do tal sistema de segurança púbica na prática é inexistente, visto que os crimes de raptos e sequestros floresceram nos últimos 10 anos", frisou José Manteigas, acrescentando que o projeto de videovigilância ocorreu no mesmo período em que foram contraídas as dívidas ocultas, que também tiveram como protesto questões de segurança e foram secretamente avalizados pelo Governo da FRELIMO sem o conhecimento do Parlamento e do Tribunal Administrativo.
As dívidas ocultas, num valor de cerca de 2,7 mil milhões de dólares (2,2 mil milhões de euros), foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas ProIndicus, Ematum e MAM. O caso agora está no tribunal.
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Governo esclarece que há cobertura legal
Entretanto, o Ministério da Economia e Finanças esclareceu que o empréstimo celebrado com o Exim Bank da Coreia do Sul para a segurança pública, tem cobertura legal. O empréstimo, contraído para o "reforço da manutenção e segurança da ordem públicas", está dentro do limite anual estabelecido pela Lei do Orçamento do Estado, um documento que foi aprovado pelo Parlamento e que fixa as condições para que o Governo recorra a empréstimos externos, segundo uma nota do Ministério da Economia e Finanças a que a Lusa teve acesso.
"É autorizado o Governo a contrair empréstimos externos com elemento de concessionalidade mínimo de 28% para projetos de infraestrutura economicamente viáveis. O grau de concessionalidade do projeto é de 73,74%. Foi com base nesta competência que o crédito concessional, a favor do Ministério do Interior, foi contraído", acrescenta a nota.
A resolução que ratifica o acordo de crédito para o empréstimo foi aprovada pelo Governo na última semana, mas o projeto, designado Sistema de Informação e Gestão de Segurança Pública, foi anunciado em março, num evento que contou com a ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação moçambicana, Verónica Macamo, e o embaixador da Coreia do Sul em Moçambique, Yeo Sung jun. Na altura, as partes indicaram que o projeto visava a construção de salas de operações modernas e montagem de equipamento de vigilância na cidade de Nampula e Nacala Porto, no norte do país.
Artigo atualizado às 18h35 CET de 29 de setembro de 2021, com a reação do Governo moçambicano.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.