RENAMO sem Dhlakama é uma oportunidade para o desenvolvimento da instituição RENAMO, defende analista Calton Cadeado. E para o analista Eduardo Sitói o partido vai sobreviver sem o seu líder, haverá transição pacífica.
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Afonso Dhlakama e a RENAMO quase se confundiam. Ele personificava o maior partido da oposição e de certa forma centralizava todas as decisões importantes. Contribuíram para isso, entre outros fatores, a sua enorme popularidade, o seu jeito simples de fazer política e o carisma. Resumindo: era o líder.
Hoje a RENAMO vê-se sem o seu guia e a pergunta que se coloca é: qual é o futuro da RENAMO sem Afonso Dhlakama? Convidamos o analista político do ISRI, Istituto Superior de Relações Internacionais, Calton Cadeado a vaticinar: "Vejo dois cenários, um ótimo e um péssimo, que é o principal. Mas também há um cenário moderado que se pode equacionar. Sinto que a RENAMO sem Afonso Dhlakama é uma oportunidade para o desenvolvimento da instituição RENAMO, mas também pode ser uma ameaça para a sobrevivência da própria RENAMO como instituição."
E o académico argumenta "que enquanto Afonso Dhlakama esteve vivo e liderou o partido o que se constatou é que se investiu mais na pessoa do que necessariamente na instituição RENAMO. Mas esse otimismo pode ser dificultado pelas lutas de poder lá dentro, está claro que a ala militar é que vai determinar o rumo do partido."
Primeira prova de fogo concluída
Receava-se uma luta renhida pelo poder no seio da RENAMO logo depois da morte de Dhlakama. E os sinais disso ainda não vieram a público, mesmo que esteja a acontecer. Era a primeira prova de fogo do maior partido da oposição sem o seu líder.
E a forma como os membros geriram a transição até agora é visto como um bom indicador para o especialista em ciências políticas Eduardo Sitói. Ele acredita na manutenção da coesão: "Sim, se tomarmos em conta as primeiras indicações sobre o que sucede depois [da morte] do líder trata-se de uma transição pacífica. Creio que as primeiras indicações são de que a RENAMO vai conseguir sobreviver à morte do seu líder."
Mas Sitói reconhece que "não vai ser fácil, mas vão conseguir. Não vai ser fácil porque o seu líder é essencialmente político e militar e portanto, o próximo que vier tem de ter a capacidade de liderar a parte militar e também a parte civil."
Risco de cisões entre as alas política e militar?
O maior trunfo da RENAMO é a força das armas e o seu quadro militar muito experiente. E esse é o seu maior diferencial se comparado com o resto da oposição. Portanto, a sua sobrevivência ainda depende da manutenção da ala militar, pelo menos enquanto não alcançar os consensos que deseja junto do Governo da FRELIMO. Mas há também uma RENAMO mais intelectual e urbana que terá as suas ambições.
E agora, RENAMO?
Será que ela está fadada a eterna submissão a ala militar ou haverá risco de cisões a médio prazo?
"Dentro do cenário péssimo há essa possibilidade de algumas pessoas saírem da RENAMO. Já tivemos essa situação antes, como o Manuel de Araújo e Davis Simango que foi criar o Movimento Democrático de Moçambique (MDM). A RENAMO tem de ser forte para que essas pessoas permaneçam no poder dentro da RENAMO e não haja essa cisão, se isso acontecesse agora seria mau, porque é um momento de fragilização da RENAMO e que faz parte dos aspetos que estou a colocar como ameaça a sobrevivência do partido", responde Calton Cadeado.
Posição diferente tem Eduardo Sitói. Para o cientista político, o atual presidente interino do maior partido da oposição, Ossufo Momade, que agrega os valores das duas alas, é o factor que pode garantir a coesão.
"Neste momento a indicação é que esta é a figura que tem a maior probablidade de juntar as duas alas", acredita Sitói.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.