"RENAMO está a gerir bem a transição sem Dhlakama"
Leonel Matias (Maputo)
3 de junho de 2018
Há um mês morria Afonso Dhlakama, líder do maior partido da oposição moçambicana. Analistas ouvidos pela DW África afirmam que a RENAMO está a conseguir atravessar este período, mas que há desafios a serem vencidos.
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O futuro da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) passou a ser uma incógnita após a morte do líder Afonso Dhlakama, a 3 de maio, quer pelo seu carisma, quer porque ele concentrava a liderança do partido na sua figura.
Além disso, Dhlakama estava a negociar diretamente com o Presidente Filipe Nyusi dossiers sobre a descentralização e o desarmamento do partido, com vista ao estabelecimento de uma paz definitiva em Moçambique.
"RENAMO está a gerir bem o período de transição sem Dhlakama"
Para o analista Fernando Gonçalves, um mês depois da morte do líder da RENAMO, "não há sinais de que muito tenha mudado". "Penso que felizmente a RENAMO conseguiu encontrar alguém para dirigir o partido ainda que interinamente e parece-me que esse indivíduo, que é uma pessoa bastante conhecida quer na ala militar da RENAMO, quer do lado político, tem estado a dar continuidade àquilo que eram as iniciativas que tinham sido tomadas por Afonso Dhlakama", afirma.
Por seu turno, o analista Egídio Vaz acredita que a RENAMO ainda continua em choque e a tentar reencontrar-se e redefinir a sua estratégia política sem Dhlakama. No entanto, considera que o processo com vista à transformação da RENAMO de um partido militarizado para um partido totalmente civil está a ser acelerado.
Segundo Egídio Vaz, este facto resulta de cedências feitas pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), o partido no poder, e a RENAMO, que permitiram, por exemplo, a recente aprovação pelo Parlamento da revisão pontual da Constituição. Esta medida vai permitir reformas na descentralização do país em troca da sua desmilitarização.
Apontou como outro motivo que, apesar da atual liderança da RENAMO ter fortes ligações com Afonso Dhlakama, "é uma liderança urbanizada, uma liderança um tanto ou quanto abalizada e familiarizada com os comandos constitucionais, uma liderança que também se compromete 'a puxar' pelo processo de desmilitarização".
Sob nova liderança
A nova liderança da RENAMO tem à cabeça interinamente o parlamentar e general na reserva Ossufo Momade, que foi eleito pela Comissão Política para coordenar as atividades daquele órgão.
Na opinião de Fernando Gonçalves, a RENAMO está a conseguir gerir "muito bem" este período de transição. "Penso que até aqui a o partido tem continuado com o diálogo político com o Governo e parece-me que está empenhado também em dar continuidade às questões militares que devem ser resolvidas como parte de todo o pacote da paz em Moçambique".
Já o analista Egídio Vaz defende que há um desafio que se coloca à nova liderança pelo facto de que Dhlakama concentrava os poderes na sua figura, enquanto os restantes responsáveis do partido dominavam apenas matérias relativas as áreas a que estavam afetos.
"Há urgência de os poderes, a comunicação e a informação de novo serem concentrados ao novo líder, para que ele, à sua maneira, consiga reorganizar o partido de acordo com aquilo que é a sua visão. Este processo de reconciliação da informação, da estratégia de luta e de pensamento pode levar o seu tempo. Até que o figurino final do estilo de liderança da RENAMO seja encontrado não será sem conflitos".
Desafios
Relativamente aos desafios que se colocam ao maior partido da oposição de Moçambique, o analista Fernando Gonçalves acha que "o principal é que a RENAMO continue unida, continue a falar como uma única voz e que a nova liderança tenha a capacidade de convencer a ala militar de que é interesse da própria RENAMO que haja um desfecho definitivo e verificável de todo este processo de desmilitarização que deve ser realizado".
Também para o analista Egídio Vaz, um dos grandes desafios neste momento está relacionado com o processo de desmilitarização, uma vez que nem todos os homens armados do partido preenchem os requisitos em termos de idade para serem integrados nas forças de defesa e segurança. "Existem pessoas que vão ter que ser acomodadas na esfera económica", avalia.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.