O maior partido da oposição em Moçambique, a RENAMO, diz que há lições que devem ser tiradas das eleições angolanas de 24 de agosto, tanto pelos partidos como pelos eleitores - a começar pelo controlo dos votos.
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O maior partido da oposição em Moçambique é peremptório: as eleições angolanas devem servir de lição para Moçambique.
O porta-voz da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), José Manteigas, elogia o "envolvimento profundo" dos angolanos nestas eleições e chama os moçambicanos a fazerem o mesmo em 2024.
"A lição que Moçambique deve tirar é esta: não basta dizer que a RENAMO não controla o processo de votação, quando o próprio cidadão, a população, não faz parte da solução do problema. A sociedade tem de se envolver", disse.
A "repressão da polícia"
Manteigas diz que os moçambicanos têm vontade de controlar os seus votos, como fizeram os angolanos, mas enfrentam ainda repressão da polícia, como já aconteceu no passado.
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"Se não houvesse uso abusivo da polícia, nós não teríamos tido aquele massacre que aconteceu em 1999, por exemplo, quando a RENAMO protestou de forma mais robusta perante aqueles resultados, mas houve uma chacina de cidadãos", acrescentou.
Outra lição para o principal partido da oposição em Moçambique, diz Manteigas, é a união de movimentos da oposição e da sociedade civil angolana pela alternância política. A RENAMO afirma que já fez isso e nunca negou uma coligação. Mas é preciso que as formações políticas tragam ideias, acrescenta o porta-voz: "Qual é a mais valia que o partido "A" traz? E o número de membros que vai trazer?", questiona.
"É muito constrangedor uma coligação em que não há mais-valia, não há um valor acrescentado; mas nem por isso a RENAMO se fecha a uma união", assegura.
Observadores eleitorais
O Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), esteve em Angola na qualidade de observador. Dércio Alfazema, diretor de programas da ONG, destaca a divulgação em tempo útil dos resultados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
"Em menos de 24 horas já tinham sido contabilizados, e a CNE estava a divulgar resultados equivalentes a mais de 90% das mesas. Isso é importante para reduzir a desconfiança, a tensão e reforçar a transparência", explicou.
O analista chama ainda a atenção para a possibilidade de os partidos libertadores na África Austral passarem para a oposição. Segundo Alfazema, é isso que se nota em Angola com as abstenções de membros do MPLA.
"É preciso que os partidos dominantes nesta região em África - os partidos libertadores - revejam a sua postura, a forma como lidam com o cidadão, com o país, com o dossier do Estado e com os eleitores, para que não prevaleça a imagem, que tende a crescer, de que são partidos cada vez mais distantes", alerta.
"Clivagens internas" no MPLA
À televisão privada STV, parceira da DW África, Tomás Salomão, chefe de observadores da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder), admitiu que as abstenções dos membros do MPLA penalizaram o partido por causa de clivagens internas.
Segundo ele, essa deve ser uma lição para o MPLA. "É preciso continuar a boa governação, o combate à corrupção, mas [também] é necessário trabalhar mais na inclusão, para que os desfavorecidos se sintam mais protegidos", disse.
O analista Tomás Vieira Mário elogia a organização dos partidos políticos durante a campanha eleitoral em Angola, sobretudo na divulgação dos respetivos manifestos.
"Houve uma grande qualidade de informação pública, acho que nós temos muito que aprender sobre isso. Em termos qualitativos, podemos nos organizar, e creio que aí Angola deu-nos uma boa lição", afirmou.
60 anos da FRELIMO, alguns momentos históricos
A FRELIMO comemora 60 anos desde a sua criação, em 1962, na Tanzânia. Durante este período, já teve cinco presidentes. Só o primeiro não dirigiu o país – Eduardo Mondlane.
Foto: Marco Longari/AFP/Getty Images
Eduardo Mondlane (à direita), o primeiro presidente da FRELIMO
Eduardo Chivambo Mondlane, o primeiro presidente da FRELIMO, nasceu em Manjacaze, província de Gaza, sul de Moçambique, a 20 de junho de 1920 e morreu em 03 de fevereiro de 1969, na Tanzânia, vítima de uma encomenda armadilhada. Eduardo Mondlane é carinhosamente tratado como o "pai da unidade nacional", por ter conseguido unir os três movimentos que fundaram a FRELIMO (UDENAMO, MANU e UNAMI).
Foto: casacomum.org/ Documentos Mário Pinto de Andrade
Samora Machel , o primeiro Presidente de Moçambique independente
Nascido a 29 de setembro de 1933, também em Gaza. Após a morte de Eduardo Mondlane, Samora Machel dirigiu os destinos da FRELIMO e a luta de libertação nacional até à proclamação da independência de Moçambique, a 25 de junho de 1975.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Proclamação da independência nacional
A 25 de junho de 1975, em pleno Estádio da Machava, arredores da cidade de Matola, Samora Machel proclamou a independência nacional. Por essa via, viria a ser ele o primeiro Presidente da República Popular de Moçambique.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Sob liderança de Machel, foi lançada em 1983 a Operação Produção
Na visão de Machel, o país deveria ser autossuficiente na produção de comida. Mas a "Operação Produção" acabou forçando milhares de pessoas, consideradas improdutivas, marginais e prostitutas, das grandes cidades a deixarem as suas famílias, rumo a Niassa.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Samora Machel morre vítima de acidente aéreo em Mbuzini
A 19 de outubro de 1986, quando regressava de mais uma missão de Estado, o avião em que seguia despenhou-se na região de Mbuzini, na África do Sul. Calou-se a voz que marcou gerações em Moçambique. 36 anos depois, ainda não são conhecidos os autores morais e materiais da morte de Samora Machel.
Foto: DW/M. Maluleque
Joaquim Chissano - 2º Presidente de Moçambique e 3º da FRELIMO
Depois da morte de Machel, em 1986, coube a Joaquim Chissano a missão de tomar o remo do "barco" e navegar contra muitas turbulências. Encontrou o país mergulhado numa guerra civil e com alto índice de pobreza. Durante o seu reinado de 19 anos (1986-2005), assinou o acordo de Roma (1992) com a RENAMO, que pôs fim à guerra dos 16 anos. E liderou o processo de entrada no multipartidarismo.
Foto: Ismael Miquidade
Armando Guebuza – 4º Presidente da FRELIMO e 3º de Moçambique (2005-2015)
Sucedeu a Joaquim Chissano. Durante o seu reinado de 10 anos, Moçambique voltou a viver momentos de conflito militar com RENAMO. Também foi durante a governação de Guebuza que o país registou o pior escândalo financeiro na sua história - as "dívidas ocultas". Mas registou-se uma grande evolução em termos de infraestruturas públicas.
Foto: picture-alliance/dpa
Filipe Nyusi - o "homem" do momento (2015 até hoje)
Filipe Nyusi "levou" o poder político dentro da FRELIMO da região sul, onde sempre se concentrou desde o seu surgimento, para o "berço" da luta de libertação, Cabo Delgado. Encontrou o país mergulhado no escândalo das dívidas ocultas. Durante o seu consulado, lidou ainda com conflitos político-militares com a RENAMO, a "Junta Militar" e, atualmente, enfrenta os ataques terroristas de Cabo Delgado.