A eleição dos administradores distritais em 2024 continua a gerar debate em Moçambique. Mas se houve condições para eleger os governadores, porque não pode haver meios para eleger os administradores, pergunta a RENAMO.
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Moçambique realiza dentro de dois anos as sétimas eleições gerais e legislativas. Será pela terceira vez que o país elege os membros das Assembleias Provinciais, a segunda vez que escolhe os novos governadores provinciais e pela primeira vez poderá eleger também administradores distritais.
No entanto, a eleição de administradores distritais continua a ser motivo de debate no país. Há quem defenda que o país ainda não tem condições técnicas e financeiras para suportar o funcionamento de toda a máquina administrativa que sairá deste processo, aliada à indicação da figura de secretário de Estado em todos os distritos.
A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), um dos proponentes da descentralização no país, diz que a indicação do secretário de Estado é um "fardo" pesado para as contas públicas. Mas garante que a eleição dos administradores é um processo irreversível, como afirma em entrevista à DW África José Manteigas, o porta-voz do maior partido da oposição moçambicana.
DW África: Como é que a RENAMO reage a este debate sobre a falta e condições técnicas e financeiras para o país eleger agora os administradores distritais?
José Manteigas (JM): Esta questão de engordar, ou de criar uma máquina mais pesada em termos de orçamento para o Estado, foi criada pela própria FRELIMO. Veja agora, aquando da eleição dos governadores provinciais. Mas porque a FRELIMO não tem certeza de que ganha as eleições, criou a figura de secretário de Estado, que é uma grande sobreposição. Aliás, para a própria FRELIMO, isto é uma pedra no sapato, porque as próprias entidades, o governador e o secretário de Estado não se entendem absolutamente em termos de competências na província. Portanto, a eleição de administradores não vai ser uma sobrecarga, porque nós, ao partilharmos os distritos, é a mesma máquina.
Entrevista com José Manteigas, porta-voz da RENAMO
DW África: Mas a questão aí é a sobreposição da máquina administrativa. A RENAMO não acha que também isso é pesado?
JM: O problema é exatamente essa imposição de secretário de Estado no distrito, porque o artigo 8 da Constituição da República dispõe o princípio da universalidade de Estado. Portanto, fora do Estado existem outros entes públicos, como é o caso das autarquias. E as autarquias nunca vão exercer as suas atribuições e competências fora dos princípios estabelecidos no nosso ordenamento jurídico nacional.
DW África: E, nesse caso, haverá ou não eleições descentralizadas distritais em 2024, na ótica da RENAMO?
JM: A Constituição prevê e ninguém pode, a seu bel prazer, violar a Constituição ao ponto de não cumprir aquilo que vem emanado nesta nossa Magna Carta.
DW África: Objetivamente, há condições para isso?
JM: Há condições. Assim como houve condições para eleger os governadores, porque não pode haver condições para eleger os administradores?
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DW África: Há quem defenda que, neste momento, era preciso ainda aperfeicoar o processo de descentralização provincial, para depois seguir ao distrital para limar todas as lacunas que a lei apresenta.
JM: O grande empecilho deste processo de descentralização é o tal secretário de Estado. Esse é que é o problema.
DW África: Como eliminar esse problema?
JM: É tirar do xadrez político nacional, porque não há necessidade de existir isso.
DW África: E como é que se faz?
JM: Como é que se faz? É deixar de nomear.
DW África: Mas o problema é que isto já está legislado. E agora a RENAMO, por exemplo, tem uma proposta a apresentar à Assembleia da República para a remoção da figura do secretário de Estado.
JM: Para estas próximas eleições, claramente há um grande impedimento, porque o período temporal, mesmo os limites para a revisão da Constituição, estão largamente ultrapassados. Portanto, vamos continuar a ter esta imposição do secretário de Estado para essas eleições que vêm em 2024. A RENAMO legalmente não teve como e nem sequer tem os requisitos de um terço para propor uma revisão constitucional. Mas esse é um mal que veio para ficar e acreditamos que para os outros cinco anos certamente este problema vai ser equacionado e vamos ter de remover essa figura.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.