RENAMO: Momade fala em "desertores indisciplinados"
Lusa | tms
2 de agosto de 2019
O líder da RENAMO considera que as contestações à sua liderança resultam da ação de um "grupo de desertores indisciplinados". E destaca a importância da paz, após ter acordado com o Governo o fim das hostilidades.
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"Quando fomos ao congresso, abrimos espaço para que todos se candidatassem. O congresso elegeu Ossufo Momade. Não é através de um grupo de desertores indisciplinados que vamos definir a nossa linha", disse Ossufo Momade, falando à imprensa na noite de quinta-feira (01.08), momentos após aterrar no Aeroporto Internacional de Maputo, onde foi recebido por centenas de membros do partido, após a assinatura do acordo de paz, mais cedo, na Gorongosa.
Em causa estão as contestações de um grupo liderado pelo major-general da Resistência Nacionao Moçambicana (RENAMO) Mariano Nhungue e que se autodenomina Junta Militar da RENAMO.
O grupo exige a renúncia de Ossufo Momade, acusando-o de estar a "raptar e isolar" oficiais do partido que estiveram sempre ao lado do falecido presidente do partido, Afonso Dhlakama, que morreu a 3 de maio do ano passado.
"Grupo de indisciplinados"
Para Ossufo Momade, a RENAMO tem os seus estatutos e uma estrutura política em funcionamento, mecanismos que devem orientar as pessoas que têm opiniões diferentes. "É um grupo de indisciplinados", frisou o presidente da RENAMO, acrescentando que "o mais importante agora é paz".
Ossufo Momade, que vivia numa das principais bases da RENAMO nas matas da Gorongosa desde junho de 2018, ainda como líder interino, após a morte de Afonso Dhlakama, garantiu também que caso o acordo seja cumprido não vai voltar às matas.
"Eu vim para cá [a Maputo] por causa de um compromisso que assumi com os moçambicanos e se esse acordo for cumprido eu não volto", acrescentou o líder da maior força política da oposição moçambicana, que foi eleito presidente no último congresso do partido em janeiro.
Ataque no centro do país
Questionado sobre um ataque na quarta-feira contra um autocarro de passageiros e um camião em Nhamapadza, a 200 quilómetros do distrito de Gorongosa, onde foi assinado o acordo, Ossufo Momade não quis comentar.
O ataque ocorreu algumas horas após o Presidente moçambicano ter anunciado no parlamento a assinatura do acordo de cessação das hostilidades militares com o líder da RENAMO.
Nas últimas semanas, um grupo de guerrilheiros do braço armado do principal partido da oposição alertou o Governo para a continuação da instabilidade militar no país, caso assinasse o acordo de cessação das hostilidades militares com Ossufo Momade, exigindo a renúncia deste do cargo de presidente da RENAMO.
O acordo hoje assinado na serra da Gorongosa marca, formalmente, o fim dos confrontos entre as forças governamentais e o braço armado do principal partido da oposição. As partes vão ainda assinar este mês um outro acordo geral de paz final, que será depois submetido como proposta de lei ao parlamento.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.