"Não se pode violar acordo que alavancou paz em Moçambique"
7 de julho de 2023Segundo a Constituição de Moçambique, as eleições distritais deveriam ocorrer no próximo ano no país. Entretanto, o partido no poder, a FRELIMO, tem defendido a necessidade do adiamento do pleito, tendo o Presidente Filipe Nyusi anunciado a criação de uma comissão inclusiva para discutir o modelo de descentralização para o país.
A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) já indicou os seus representantes na comissão, que entretanto ainda não foi oficialmente apresentada.
Em entrevista à DW, o porta-voz do maior partido da oposição moçambicana, José Manteigas, afirma que a RENAMO não concorda com o adiamento das distritais, mas que aceitaria que estas fossem implementadas gradualmente, a partir de 2024.
Manteigas afirmou ainda que o partido no poder tem medo de perder na maioria dos distritos do país, o que resultaria em alternância de poder, "algo que a FRELIMO não quer".
DW África: A RENAMO concorda com a proposta da FELIMO de adiar a realização de eleições distritais em Moçambique?
José Manteigas (JM): O presidente Ossufo Momade pediu um encontro com o Presidente da República, no qual debateram vários assuntos e um dos pontos foi sobre as eleições distritais. E o presidente Ossufo Momade manifestou abertura de não adiamento das eleições, mas poderíamos iniciar usando o procedimento gradual. Se efetivamente o argumento é de que não há condições para realizar as eleições distritais em todo o país, mas temos de partir pelo gradualismo para evitarmos a violação da Constituição, que seria um erro grave para um Estado de Direito democrático.
DW África: O gradualismo significaria realizar eleições onde é possível?
JM: Possível fazer não, eleger alguns distritos. Porque todos os distritos de Moçambique precisam deste processo de descentralização para o seu desenvolvimento.
DW África: Então, nega veementemente que a RENAMO tenha concordado em adiar a realização das eleições distritais?
JM: A RENAMO não aceitou o adiamento das eleições distritais.
DW África: O Presidente Filipe Nyusi anunciou a criação de uma comissão inclusiva para aprofundar o debate sobre o modelo de descentralização para
Moçambique. Como está a se desenrolar o processo de criação desta comissão?
JM: Os partidos com assento parlamentar já indicaram os seus membros. Por exemplo, a RENAMO já indicou três membros que vão integrar esta comissão. Temos conhecimento que há um elemento indicado pelos partidos extra parlamentares e, efetivamente, também o partido FRELIMO, que tem assento no Parlamento, vai indicar os seus representantes. Mas esta comissão, neste momento, está em preparação.
DW África: A RENAMO então não considera que essa comissão tenha nenhum tipo de relação com as eleições distritais, mas que se trate de um debate sobre a forma como deve decorrer a descentralização no país, seria isso?
JM: Este é o objeto de trabalho desta Comissão. Nós temos de estar bem claros de que a Constituição está lá, que impõe a realização das eleições. E nós, como um Estado de Direito democrático, não podemos fazer tábua rasa a um comando constitucional. E não se pode violar um acordo político que foi uma alavanca muito importante para o restabelecimento da paz de Moçambique.
DW África: O que é que está em jogo, para além da realização das eleições distritais?
JM: A nossa perceção é que o partido no poder está com medo de perder em todas as eleições, em todos os distritos ou, no mínimo, na maioria dos distritos. E perdendo as eleições na maioria de distritos do país, significa perder a hegemonia, significa haver alternância governativa neste país. E a FRELIMO não quer isso.