RENAMO diz que não se deixa intimidar por ameaças de dissidentes e pede a Ministério Público para investigar o caso. Porta-voz do partido assegura que Ossufo Momade continua como líder e denuncia uma "encenação".
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A autoproclamada Junta Militar da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) anunciou na terça-feira (23.07) uma suposta destituição do presidente do partido, Ossufo Momade. Ameaçou ainda com medidas militares se o Governo continuar com as negociações sobre o Desarmamento, Desmilitarização e Reintegração (DDR) dos homens da maior força da oposição nos moldes atuais.
"Queremos apelar ao Governo, na pessoa do Presidente moçambicano [Filipe Nyusi], para interromper o diálogo com Ossufo Momade". Se não houver mudanças, "as consequências podem cair para o povo moçambicano, povo pobre e que não tem nada a ver com política. Apelamos a estas pessoas para nos respeitaram porque a RENAMO somos nós", anunciou a Junta Militar.
O líder do grupo, o general Mariano Nhongo, acrescentou na quarta-feira, em entrevista à agência de notícias Lusa, que "se o Governo não souber resolver este problema, há guerra aqui em Moçambique".
Em entrevista à DW África, o porta-voz da RENAMO, José Manteigas nega a destituição do líder do partido e classifica as ações da autoproclamada Junta Militar como "encenação".
DW África: A autoproclamada Junta Militar da RENAMO veio mais uma vez veio a público distanciar-se da liderança de Ossufo Momade e anunciou que este tinha sido destituído da presidência. Confirma?
José Manteigas (JM): O presidente Ossufo Momade não foi destituído, nem vai ser destituído. Segundo os estatutos, o presidente da RENAMO é eleito pelo congresso e o general Ossufo Momade foi eleito no VI congresso do partido, realizado na serra da Gorongosa em janeiro de 2019, com mais de 65% de votos. Só há destituição do presidente pelo congresso. Quem se distancia destes desertores das fileiras do partido é a própria RENAMO.
DW África: O que está realmente a acontecer com estes homens ou no seio da RENAMO?
JM: É uma encenação de pessoas que estão contra a paz, contra a estabilidade e contra a RENAMO, como sempre foi.
DW África: Diz que são "desertores", mas vimos os homens com uma farda idêntica à dos homens da RENAMO. Tem alguma explicação para isso?
JM: Eles são desertores… Certamente alguém os financiou e esse financiador comprou aquele fardamento. Se as pessoas estão contra a RENAMO, vão fazer de tudo para desacreditar a RENAMO.
DW África: O grupo apelou ao Presidente da República, Filipe Nyusi, para que não continue a dialogar com o senhor Ossufo Momade no processo de Desarmamento, Desmilitarização e Reintegração (DDR)em curso. Que impacto pode ter isso?
JM: Não tem nenhum impacto, porque a RENAMO está a negociar com o Governo, e ela é representada pelo presidente Ossufo Momade. Portanto, é uma encenação. Lembre-se que, anteriormente, tinham dado um prazo até ao dia 15 de julho [para a saída de Momade] e não aconteceu nada. Mas nós estamos a avançar, porque queremos paz e queremos ir para as eleições para ganhar.
DW África: Ameaçaram atacar o sr. Ossufo Momade se ele não abandonar a serra da Gorongosa, onde ele está a residir. Isso não vos preocupa?
JM: Reconhecemos que é uma ameaça contra a integridade física do presidente. Isso é um crime público, e o Estado moçambicano também deve ou deverá agir para que estanque este desejo de querer fazer mal ao presidente da RENAMO. Mas, por outro lado, devo confessar que a RENAMO e o seu presidente estão pouco preocupados com este suposto ataque.
"Ossufo Momade não foi destituído, nem vai ser"
DW África: O partido está preparado para fazer face a estas ameaças?
JM: Se eles o quiserem, podem mas isso não abala o partido, não abala as forças da RENAMO, porque estão preparadas para tomar medidas convenientes quando assim o acharem.
DW África: A RENAMO já fez queixa destes homens, sendo que não é primeira vez que ameaçam a imagem do partido?
JM: Sendo um crime público, o impulso é do Ministério Público (MP) - portanto, não carece de participação ou queixa da pessoa visada. O MP tem o dever de dar o impulso inicial.
DW África: De que forma a RENAMO está a lidar com as diferenças no seio do partido?
JM: Nós respeitamos a diferença. O que estamos a salvaguardar é o interesse da maioria que elegeu Ossufo Momade como seu presidente.
DW África: A menos de três meses das eleições gerais, a imagem da RENAMO não está comprometida com estes acontecimentos?
JM: Os moçambicanos não estarão distraídos. E queremos exortar mais uma vez para que mantenham a serenidade e a tranquilidade, porque o presidente Ossufo Momade está a lutar para que este país tenha uma paz efetiva.
20 Anos de Paz em Moçambique: Uma viagem
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos.
Foto: Marta Barroso
A guerra presente todos os dias
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos. Joula estava grávida de oito meses quando uma mina anti-pessoal lhe arrancou um pé em 1991. Na noite anterior, a RENAMO tinha atacado a aldeia e plantado minas em redor.
Foto: Marta Barroso
De armas a enxadas... ou cadeiras
Desde 1996, o projeto "Armas em Enxadas" dá um novo destino ao material bélico que destruiu milhares de vidas durante a guerra civil. O objetivo da iniciativa, lançada pelo Conselho Cristão de Moçambique, é criar, com as armas, obras de arte com mensagens de paz. Muitas peças foram encontradas pelo país, outras foram recolhidas a privados.
Foto: Marta Barroso
Ataques inesperados
São as mesmas armas que há 20 anos eram usadas para atacar seres humanos como estes refugiados em Chamanculo, perto da capital, Maputo, em 1992. Chamanculo nunca recuperou da chegada de milhares de refugiados da guerra civil. Ainda hoje, é um bairro pobre. Foi aqui que nasceram figuras ilustres do país como Maria de Lurdes Mutola.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Ruas desertas em Maputo
A guerra, que se arrastou por 16 anos, atrasou o desenvolvimento do país. Também a vida social sofreu, até mesmo na capital. Engarrafamentos eram, durante a guerra e nos primeiros anos seguintes, algo raro como se pode ver nesta fotografia do centro de Maputo de 1992.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da guerra
Em 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Em 2011, ocupava o lugar 184 entre 187 Estados no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. 20 anos depois de assinada a paz, os moçambicanos continuam a viver, em média, 50 anos.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da paz
20 anos depois do Acordo Geral de Paz, ainda há muito que fazer no combate à pobreza em Moçambique. As províncias do Niassa, de Maputo, Cabo Delgado e Tete (na imagem) são, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, as que têm maior incidência de pobreza no país.
Foto: Marta Barroso
Casa de Espera
Iniciativas como esta na aldeia de Vinho, no Parque Nacional da Gorongosa, província de Sofala, contribuem para diminuir a mortalidade infantil e materna. Atualmente, em Moçambique cerca de 500 mães morrem por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Para evitar que isso aconteça na aldeia de Vinho, a Casa de Espera assiste as mulheres grávidas das redondezas na preparação dos partos.
Foto: Marta Barroso
Economia dominada por megaprojetos
A paz possibilitou megaprojetos, como o da exploração de carvão em Moatize, Tete. De futuro, a esperança é de que os rendimentos destes projetos beneficiem mais a população. Devido aos incentivos fiscais de que gozam as multinacionais ligadas a eles, o Estado moçambicano deixa de ganhar mais de 200 milhões de dólares por ano, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Foto: Marta Barroso
Carvão, a euforia de Tete
74 toneladas de carvão já estão carregadas nesta transportadora que pode levar até 400 toneladas. O carvão da província central de Tete tem vindo a atrair investidores nacionais e internacionais à procura do "El Dorado" que tem limitado a diversificação da economia nacional na segunda década de paz em Moçambique.
Foto: Marta Barroso
Cahora Bassa...
Durante a guerra civil, as linhas de transmissão de Cahora Bassa foram alvo de ataques da RENAMO. Hoje, a barragem funciona em pleno. Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida é consumida em Moçambique.
Foto: DW/M. Barroso
... um elefante branco para esta área do país?
Ainda há poucas casas em redor de Cahora Bassa com acesso regular à eletricidade. Para o economista moçambicano Carlos Castel-Branco do IESE, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país às aldeias e vilas em torno da barragem para que também aqui a vida económica se transformasse num elemento de estímulo para o investimento.
Foto: Marta Barroso
Gentes ligadas
A reabilitação das infraestruturas permite agora uma maior mobilidade e fomenta o comércio interno. A linha férrea de Sena liga a província de Tete, no interior de Moçambique, à cidade portuária da Beira. No tempo da guerra civil, foi encerrada e acabou por ser completamente destruída. Nos últimos anos, o corredor ferroviário foi reabilitado para escoar sobretudo o carvão da região de Tete.
Foto: Marta Barroso
Gentes apertadas
O comboio é um dos meios de transporte mais baratos em Moçambique. Em fevereiro de 2012, a Linha de Sena abriu a passageiros em toda a sua extensão. A reconstrução foi feita por troços e acabou por tomar muito mais tempo que o previsto, porque o consórcio indiano responsável pelas obras não cumpriu diversos prazos. Grande parte do dinheiro veio do Banco Mundial.
Foto: Marta Barroso
Há esperança em Moçambique
Idalina Melesse viajou de comboio pela primeira vez em 2012. Durante a guerra civil, os ataques impediram-na de se mover dentro do país. Desde então e até à reabertura da Linha de Sena, não tinha tido dinheiro para longas viagens. A Linha de Sena e outras infraestruturas não só unem moçambicanos, mas devolvem-lhes a liberdade de movimento e a facilidade de comunicação confiscadas pela guerra.