RENAMO diz que nada tem a negociar com a Junta Militar
Leonel Matias (Maputo)
29 de outubro de 2020
A RENAMO anunciou que "não tem nada a negociar" com a autoproclamada Junta Militar, fora da sua agenda de paz e reconciliação nacional. Governo moçambicano diz que o partido tem o dever de trazer dissidentes à paz.
Publicidade
Este é o primeiro pronunciamento público do maior partido da oposição após a declaração da trégua unilateral que está a ser observada pelas forças governamentais desde domingo (25.10). A trégua destina-se a permitir o diálogo com a Junta Militar, um grupo dissidente da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) que protagoniza ataques no centro do país.
A RENAMO considera que a trégua unilateral do Governo é mais uma oportunidade para se criar um ambiente de entendimento e chamar à razão os integrantes do grupo dissidente. Contudo, aponta que algumas vozes, que se caracterizam como porta-vozes da Junta Militar, querem empurrar a RENAMO para uma situação que não faz parte da agenda política do partido e do seu presidente, Ossufo Momade.
"Somos pela paz e reconciliação, por isso, queremos dizer aqui e agora que fora da nossa agenda não temos nada a negociar com a autoproclamada Junta Militar", disse esta quinta-feira (29.10) aos jornalistas José Manteigas, porta-voz da RENAMO.
A Junta Militar, liderada por Mariano Nhongo, um antigo general da RENAMO, não reconhece o atual líder do partido, Ossufo Momade, nem o acordo de paz que assinou com o Governo.
Na quarta-feira (28.10), o chefe de Estado, Filipe Nyusi, apelou à RENAMO para não se distanciar dos esforços em curso com vista a alcançar-se um entendimento com a Junta Militar, tendo indicado que os argumentos apresentados por este grupo referem-se diretamente à RENAMO.
Uma questão de Estado
Questionado se a RENAMO vai participar nos contactos com a Junta Militar, José Manteigas disse que essa é uma questão de Estado. "O que está em causa é a soberania do Estado, é a integridade física dos cidadãos, é a vida dos moçambicanos e quem tem o dever de proteger esses bens jurídicos é o Governo", esclareceu o porta-voz.
José Manteigas lembrou que Mariano Nhongo sempre se recusou a sentar-se à mesma mesa com a RENAMO para informar sobre as razões que o levaram a enveredar pela violência.
Secretário-geral da RENAMO diz que DDR está no bom caminho
02:11
"A RENAMO não está fechada, mas sentimos que, se o senhor Mariano Nhongo se coloca numa posição adversa à posição da RENAMO, seria muito pouco provável que houvesse um envolvimento da própria RENAMO e do seu presidente", acrescentou o porta-voz, lembrando que o próprio Nhongo já ameaçou de morte Ossufo Momade e outros quadros do partido.
Ainda esta quarta-feira (28.10), o ministro do Interior, Amade Miquidade, afirmou que a RENAMO tem o "dever patriótico" e no interesse da paz de fornecer toda a informação relativa à Junta Militar, nomeadamente as bases, homens, localização e esconderijos.
Publicidade
Governo "apadrinhou" Junta Militar
José Manteigas acusou o Governo de ter "apadrinhado" a Junta Militar no passado, ao contrário da RENAMO, que, conforme afirmou, não teve nenhuma cota-parte na criação deste grupo.
"O senhor ministro não pode imputar a incapacidade, a inoperância e a ineficácia das Forças de Defesa e Segurança na RENAMO", sublinhou.
A trégua unilateral do Governo acontece numa altura em que está em curso o processo de desarmamento e reintegração das forças residuais da RENAMO, que não é aceite pela Junta Militar. O porta-voz da RENAMO reiterou que o seu partido vai continuar a conduzir este processo com toda a responsabilidade e serenidade.
Ainda durante a conferência de imprensa, José Manteigas exigiu a responsabilização das pessoas envolvidas na atual onda de raptos, sequestros e assassinatos seletivos de cidadãos civis e indefesos e exortou igualmente o Governo a responder às reivindicações da classe médica em tempos de Covid-19.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.