As manifestações em Angola voltaram a ser reprimidas. Ativista ouvido pela DW África diz que se está a voltar às "táticas" da anterior governação.
Protesto em Luanda contra o desemprego, em outubroFoto: DW/M. Luamba
Publicidade
A febre das manifestações em Angola surgiu com os ventos vindos do norte de África, da chamada "Primavera Árabe", no final de 2010.
Pouco tempo depois, em março de 2011, começaram as manifestações de rua contra a governação do então Presidente, José Eduardo dos Santos. Mas os protestos eram frequentemente reprimidos pela polícia angolana, até que, em 2017, com o novo Executivo liderado pelo Presidente João Lourenço, a situação mudou.
Ativistas feridos e detidos em protesto em Angola
00:46
This browser does not support the video element.
Jeremias Benedito, ativista do grupo dos "15+2" e acusado de tentativa de golpe de Estado quando José Eduardo dos Santos estava no poder, sentiu a diferença quando João Lourenço chegou à Presidência.
"Quando ele começou, foi o mentor das liberdades em Angola. As pessoas manifestavam-se livremente, o exercício de cidadania não estava a encontrar o empecilho que está a encontrar agora", diz o ativista em entrevista à DW África.
Agora, as coisas parecem tomar outro rumo, refere Jeremias Benedito.
Só este mês, mais de quatro protestos foram reprimidos. A última vez foi no sábado, quando mais de duas centenas de estudantes universitários marchavam contra a implementação de propinas no Ensino Superior público a partir de 2020.
A polícia usou gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes. Para Jeremias Benedito, o Governo de João Lourenço parece estar a regressar aos velhos tempos. "Voltou aplicar as mesmas táticas do seu antecessor", comenta o ativista.
A DW África contactou a polícia angolana, mas não foi possível obter uma reação.
Protesto em Luanda a 15 de outubro, antes do discurso de João Lourenço sobre o estado da nação. Foi também reprimido pela políciaFoto: DW/L. Ndomba
Descontentamento cresce
O jurista Agostinho Canando lembra que os cidadãos não precisam de autorização para realizar manifestações. No entanto, a lei angolana exige que os seus promotores cumpram com alguns pressupostos como, por exemplo, informar as autoridades sobre o dia, local e hora da atividade - para que se possa garantir a segurança dos manifestantes.
"A lei prevê já um conjunto de medidas no sentido de que não haja convergência no mesmo local para a realização de dois tipos de evento", explica o jurista.
Para além das manifestações esporádicas que ocorrem em Luanda, têm sido realizados protestos contra o elevado índice de desemprego e contra a subida vertiginosa dos preços dos principais produtos e serviços básicos.
O ativista Jeremias Benedito lembra que a vida dos angolanos está cada vez mais difícil. Por isso, o descontentamento aumenta: "A situação social agudiza-se, o poder de compra das famílias diminui cada vez mais e isso está a levar a um nível de descontentamento muito alto."
Angola: Jovens desempregados marcham em Luanda
O elevado índice de desemprego levou os jovens angolanos novamente às ruas. Durante a caminhada de sábado (08.12) os "kunangas", nome atribuído aos desempregados, exigiram políticas para a criação de postos de trabalho.
Foto: DW/B. Ndomba
Caminhar por mais emprego
Onde estão os 500 mil empregos que o Presidente da República, João Lourenço, prometeu durante a campanha eleitoral de 2017? Foi uma das questões colocadas pelos jovens desempregados que marcharam nas ruas de Luanda. A marcha decorreu sob o lema "Emprego é um direito, desemprego marginaliza".
Foto: DW/B. Ndomba
Apoio popular
Populares e vendedores ambulantes apoiaram o protesto deste sábado, que foi também acompanhado pelas forças de segurança. Participaram na marcha algumas associações como o Movimento Estudantil de Angola (MEA) e a Associação Nova Aliança dos Taxistas. Os angolanos que exigem criação de mais postos de trabalho marcharam do Cemitério da Sant Ana até ao Largo das Heroínas, na Avenida Ho Chi Minh.
Foto: DW/B. Ndomba
Níveis alarmantes
O Governo angolano reconhece que o nível de desemprego é preocupante no país. 20% da população em idade ativa está desempregada, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgados no ano passado. Os jovens em Angola são os mais afetados - 46% não têm emprego.
Foto: DW/B. Ndomba
Palavras de ordem
Os manifestantes exibiram vários cartazes com mensagens dirigidas ao Presidente e ao Governo: "João Lourenço mentiroso, onde estão os 500 mil empregos?", "Ser cobrador de táxi não é minha vontade" e "Por kunangar perdi respeito em casa”, foram algumas das questões levantadas.
Foto: DW/B. Ndomba
Estágios, inclusão e subsídios
Além de empregos, os manifestantes exigem políticas de estágio - para que os recém formados tenham a experiência exigida pelas empresas – e programas que beneficiem pessoas com deficiência física. Este sábado, pediram também ao Governo que atribua subsídio de desemprego aos angolanos que não trabalham.
Foto: DW/B. Ndomba
Sem perspetivas de trabalho
O índice do desemprego piorou com a crise económica e financeira em Angola, desde 2015. O preço do crude caiu no mercado internacional, e, como o país está dependente das exportações de petróleo, entraram menos divisas. Muitas empresas foram obrigadas a fechar as portas e milhares de cidadãos ficaram desempregados.
Foto: DW/B. Ndomba
Formados e desempregados
Entre os manifestantes ouvidos pela DW África em Luanda, histórias como a de Joice Zau, técnica de refinação de petróleo, repetem-se. Concluiu a sua formação em 2015 e, desde então, não teve quaisquer oportunidades de emprego: "Já entreguei currículos em várias empresas no ramo petrolífero e nunca fui convocada", conta. Gostaria de continuar a estudar, mas, sem emprego, são muitas as dificuldades.
Foto: DW/B. Ndomba
É preciso fazer mais
Para a ativista Cecília Quitomebe, o Executivo está a "trabalhar pouco para aquilo que é o acesso ao emprego para os jovens". No final da marcha, a organização leu um "manifesto" lembrando que a contestação à política de João Lourenço começou a 21 de julho, quando o mesmo grupo de jovens exigiu mais políticas de emprego. Na altura, a marcha realizou-se em seis cidades. Este sábado, ocorreu em 12.